Cultivo da cafeicultura clonal é resgatado por agricultores familiares no Amazonas

Com tecnologia, produtores estão produzindo mais, em uma área menor, diminuindo a pressão sobre a floresta, com geração de renda e qualidade de vida.

A tradição da cafeicultura está sendo resgatada no Amazonas, como uma alternativa sustentável e como fonte de renda para os agricultores familiares que atuam, basicamente, em culturas de subsistência, como a mandioca e a banana. A Embrapa está sendo pioneira na disseminação de tecnologias para a produção de café clonal na região. Dentre essas tecnologias, novas cultivares clonais, mais produtivas, estão substituindo lavouras implantadas por meio de sementes. Além disso, técnicas modernas de manejo da lavoura contribuem para o aumento da produção de café do estado e a produtividade pode ser até três vezes maior, sem a necessidade de abertura de novas áreas.

Colheita do café em Silves, Amazonas. (Foto: Síglia Souza/Embrapa)

Os cafezais estão sendo cultivados em locais já antropizados, ou seja, que já tiveram suas características originais alteradas, ou que estavam subutilizados. De acordo com Marcelo Espíndula, pesquisador da Embrapa Rondônia, com o uso eficiente da terra e a adoção de tecnologias, os produtores estão obtendo maior produção em uma área menor, o que diminui a pressão sobre a floresta. “Também é uma oportunidade de obtenção de renda para as famílias, o que reduz a dependência de programas sociais e oferece condições para melhoria também da qualidade de vida”, afirma Marcelo.

As unidades de referência tecnológica (URTs), implantadas no estado do Amazonas com cultivares da Embrapa, foram as primeiras áreas de cultivo de café clonal no estado. Na URT de Silves, implantada em 2015, na sede da Associação Solidariedade Amazonas (ASA), a produtividade média dos cafeeiros, em três safras, foi de 86 sacas por hectare (sacas/ha) e, no ano de maior produtividade, foram 106 sacas/ha.

Esta unidade foi implantada com cafeeiros da cultivar Conilon BRS Ouro Preto, seguindo as recomendações técnicas de preparo de solo, podas e adubação de formação e produção, bem como o controle fitossanitário preconizado pela Embrapa. Foi utilizado espaçamento de 3 metros entre linhas e 1,3 metro entre plantas, espaçamento mais adensado que o comumente utilizando na região. A lavoura também recebeu irrigação suplementar durante os meses de estiagem, de julho a novembro.

Para Roque Pereira Lins, produtor e representante da ASA, do município de Silves, a 300 km de Manaus, o aumento de produtividade significa mais renda e qualidade de vida para a família. Ele conta que, antes, a produtividade na área era de 8 a 10 sacas/ha. O salto de mais de 700% reflete diretamente na renda. Se uma saca de café de 60 quilos custa R$ 300, por exemplo, em um hectare ele conseguiria R$ 3.000. Já com uma produtividade de 86 sacas/ha aumenta para R$ 25.800, na mesma área.

“Não fosse a Embrapa, não teríamos estas plantas mais produtivas e não saberíamos conduzir o café. Hoje, nós temos dados dos clones, sabemos adubar, fazer as podas e tudo que é preciso”, conta Roque.

O economista Olenilson Pinheiro, pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental, realizou estudo de viabilidade econômico-financeira da URT instalada na área da ASA, considerando os quatro anos de estudo e uma projeção de vida útil da lavoura de doze anos. Segundo ele, em um hectare irrigado, o custo médio de implantação do projeto foi de R$ 28.437,70, com uma taxa interna de retorno (TIR) de 22,65%. Quanto à relação custo/benefício, para cada R$ 1,00 investido na cultura do café, obteve-se, em média, o retorno de R$ 0,30 e uma previsão de retorno de investimento (payback) de três anos.

A produtora rural Maria Aparecida Fabris, de Itacoatiara, está apostando no café. Ela vê na cultura uma oportunidade de bons negócios. Ela conta que o interesse foi despertado depois de participar de dias de campo sobre cafeicultura realizados na região. A família tem 2.200 plantas da cultivar de café Conilon BRS Ouro Preto, da Embrapa, e pretende implantar mais 3 mil. A primeira safra comercial deve ocorrer em 2021. “Precisamos melhorar a renda da família e há perspectiva de conseguirmos vender nossa produção de café para a 3 Corações”, comenta Maria.

O Grupo 3 Corações – maior empresa de cafés do país – tem uma unidade fabril em Manaus com uma demanda mensal de sete mil sacas de café de 60 quilos da espécie canéfora (conilon e robusta). Segundo Joseilton Lopes, gerente Industrial da indústria, 40% desses cafés são de Rondônia e há interesse na compra da produção do Amazonas, desde que estes cafés respeitem os critérios de sustentabilidade e qualidade exigidos pelo Grupo. “Temos preocupação com a preservação da floresta e também com a valorização da qualidade do café. Para isso, buscamos parcerias com instituições que atuam na produção de cafés sustentáveis e pagamos também diferencial por qualidade aos produtores”, explica Joseilton.

O jovem Vildomar Brun Filho, de 28 anos, é engenheiro agrônomo e produtor em Rio Preto da Eva, a 70 km de Manaus. Há cinco meses ele iniciou seu primeiro plantio de café, em uma área já preparada para outras culturas, como banana e mandioca. Foram implantadas 5.150 plantas da cultivar BRS Ouro Preto. A expectativa é de que o café possa ser uma fonte a mais de renda para a família. Atualmente, a banana é o principal produto agrícola da propriedade. 

“Conheci o café por meio dos eventos realizados pela Embrapa no Amazonas, cheguei a ir à Rondônia conhecer a cafeicultura de lá e queremos trazer esses conhecimentos para nossa lavoura, melhorar nossa renda”, conta Vildomar.

Política pública para a cafeicultura

A cafeicultura no Amazonas ainda é incipiente. De acordo com dados da Produção Agrícola Municipal (PAM), de 2018, o estado teve uma produção 5.783 sacas de café, em uma área de 246 hectares, o que resulta em produtividade média de 23,5 sacas por hectare. Com a adoção de tecnologias, a produtividade pode triplicar, proporcionando também o uso mais eficiente da terra.

No município de Silves, por exemplo, onde a produtividade média de 2018 foi de 13 sacas por hectare, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a produtividade média de três safras da URT da Embrapa foi de 86 sacas/ha, com a cultivar de café Conilon BRS Ouro Preto que, em Rondônia, obteve produtividade média estimada pela pesquisa de 70 sacas por hectare, em condições de sequeiro, e acima de 100 sacas, em condições irrigadas.

Os bons resultados, já obtidos nos trabalhos realizados no Amazonas, chamou a atenção de gestores públicos e estimulou a criação de uma política pública do Governo do Estado, estabelecendo o café como cultura prioritária para cinco municípios do estado nas seguintes regiões: sub-região do Madeira (Apuí); sub-região do Médio Amazonas (Silves e Itacoatiara), Sub-região do Purus (Vila Extrema/Lábrea) e Sub-região do Juruá (Envira). Com isso, serão realizados cursos de capacitação continuada para os técnicos. “A ideia é intensificar o processo de transferência de tecnologias para o cultivo dos cafeeiros, com o intuito de aumentar a produtividade de forma sustentável, e estimular a adoção de boas práticas de colheita e pós-colheita para melhoria dos cafés produzidos”, explica Frederico Botelho, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Rondônia.

Os produtores Roque Pereira Lins e Maria Aparecida Fabris em suas lavouras. (Foto:Divulação/Embrapa)

A transformação na cadeia produtiva do café no Amazonas está sendo possível pela união de esforços e parcerias com diversas instituições do Amazonas, como o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia – IDESAM, o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas – IDAM, a Associação Solidariedade Amazonas – ASA, a Fundação Solidariedade Amazonas – FUSAM, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM, a Universidade Federal do Amazonas – UFAM e o Governo do estado do Amazonas, por meio de sua Secretaria de Produção Rural – SEPROR.

O processo de transformação

As ações da Embrapa na cafeicultura clonal do Amazonas tiveram início em 2013, no município de Apuí, no extremo Sul do estado, por meio de um convênio com o Idesam para a revitalização da cafeicultura no local. Depois, o trabalho chegou à Silves, em 2014, por meio de parceria entre a Embrapa, o IDAM, a ASA e com apoio da FUSAM.

Após as observações de desempenho agronômico dos cafeeiros nas URTs de Apuí e Silves confirmarem a adaptação da cultivar no Estado do Amazonas, jardins clonais foram formados e viveiristas foram credenciados para produzirem e comercializarem as mudas. Para se ter uma ideia, entre 2019 e 2020, o viveiro da ASA, em Silves, produziu e comercializou 39.200 mudas de cafeeiros clonais da BRS Ouro Preto. Até o fim de 2020, devem ser produzidas mais 110 mil mudas, que beneficiarão cerca de 30 produtores da região.

Com isso, atualmente, outros seis municípios já receberam aporte tecnológico da Embrapa: Careiro, Itacoatiara, Humaitá, Manaus, Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva. Nestes sete anos de trabalho, mais de 500 técnicos e produtores já tiveram acesso às tecnologias e recomendações da Embrapa para a cafeicultura, por meio de dias de campo, treinamentos e visitas técnicas.

O pesquisador Marcelo Espíndula lembra que, antes do início dos trabalhos da Embrapa na região, a cafeicultura era praticada sem muita técnica. Os cafezais eram formados a partir de sementes e não existia café clonal, os espaçamentos entre as plantas nas lavouras eram largos, ocasionando em subutilização das áreas e não se empregavam podas de produção e renovação, preconizadas na atualidade, para maior produção dos cafeeiros. A adubação também era precária, o manejo de pragas e doenças praticamente inexistia e não se cogitava o uso de irrigação. Além disso, as práticas inadequadas de colheita e pós-colheita resultavam em cafés de baixa qualidade.

Com o aporte tecnológico aliado à capacitação, está sendo possível repassar todas as práticas relacionadas ao manejo, do plantio à pós-colheita, incluindo adubação, controle de pragas e doenças e técnicas de fermentação positiva do café para obtenção de bebidas com qualidade. “Os resultados colhidos são frutos do uso de material de alta qualidade genética e lavoura bem manejada”, ressalta o pesquisador Marcelo Espíndula.

Além da cultivar de café clonal Conilon – BRS Ouro Preto, estão sendo utilizadas no Amazonas as cultivares de café híbridas, denominadas Robustas Amazônicos, lançadas em 2019 pela Embrapa Rondônia. Por meio de uma parceria com a UFAM, quatro áreas experimentais foram implantadas em Silves, Itacoatiara, Humaitá e Manaus. Essas áreas são coordenadas pelos professores do curso de Agronomia da UFAM de Humaitá, de Itacoatiara e de Manaus e estão servindo como unidades de aprendizado para estudantes de agronomia destes locais, tanto da graduação como pós-graduação. “Os estudantes estão tendo a oportunidade de conhecer bem a cultura do café e, no futuro, podem ser os multiplicadores e dar assistência técnica aos produtores que queiram plantar café no Amazonas”, afirma o professor da UFAM, Fábio Medeiros Ferreira.

Ao final deste trabalho, os pesquisadores da Embrapa Rondônia pretendem determinar quais das dez cultivares de Robustas Amazônicos têm o melhor desempenho sob as condições de cultivo das diferentes regiões do estado do Amazonas. Essas informações poderão auxiliar os agricultores durante a escolha das melhores cultivares que serão utilizadas em suas lavouras.

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