Foto: Divulgação/Acervo do projeto
Depois de algumas semanas com diversas cidades brasileiras encobertas por uma densa fumaça, fica difícil imaginar que esteja tudo “ok” com o clima. Sentimos literalmente na pele, seca, o efeito prolongado da baixíssima umidade do ar. Nos olhos e no pulmão o efeito da poluição. E mesmo que a maioria dos incêndios em si não sejam obra de uma ação direta e criminosa, o que o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas afirma há anos é que sim, grande parte das mudanças climáticas que fazem com que essas catástrofes sejam cada vez mais frequentes são, de fato, responsabilidade de ação humana.
A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), como Instituição de Pesquisa localizada em um estado que reúne três dos principais biomas do Brasil – Amazônia, Cerrado e Pantanal – e que estão sofrendo com as queimadas, é responsável por acompanhar esses fenômenos e propor inovações para que a sociedade possa mitigar os efeitos já bastante graves da crise climática.
Parte desses esforços podem ser vistos no campo da agricultura. Um dos principais setores responsáveis pela liberação de carbono fóssil na atmosfera, de acordo com o IPCC, é também um setor fundamental para a Economia de Mato Grosso, então o desafio dos pesquisadores é apontar as soluções para uma produção mais consciente. É o caso das pesquisas desenvolvidas pelo Centro Vocacional Tecnológico em Agroecologia (CVT AGROECO), coordenado pelo professor Henderson Nobre, do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade (DFF) da Faculdade de Agronomia e Zootecnia (FAAZ).
“O próprio IPCC aponta que ela pode ser uma vilã, mas também pode ser uma heroína nos processos de mitigação das mudanças climáticas, se ela se basear em uma agricultura de baixo carbono, em estratégias ecológicas e que tenham pouco impacto ou ainda um impacto positivo ao meio-ambiente, então tudo depende da forma que a gente faz a agricultura”, explica o professor.
Em duas pesquisas apresentadas durante o X Congresso Internacional de Agroecologia, entre os dias 2 e 6 de setembro, em Portugal, os pesquisadores do CVT AGROECO apontaram possíveis formas de diminuir os impactos da produção.
A primeira delas é referente ao projeto “Do Campo à Mesa”, cujo objetivo é consolidar cadeias produtivas baseadas em princípios agroecológicos de integração de árvores com os cultivos em uma mesma área e no uso de tecnologias de baixo carbono, permitindo aos agricultores familiares aumentar sua renda com o fortalecimento de redes locais de comercialização, sem agredir o meio-ambiente.
“A gente pode dizer que os sistemas agroflorestais são uma das estratégias mais promissoras no sentido de alcançar um equilíbrio dinâmico dentro das áreas agrícolas, porque incorporam uma grande gama de processos ecológicos que conseguem, com isso, promover essa mitigação das mudanças climáticas. Por exemplo, a incorporação de árvores no sistema, o banimento do uso de agrotóxico, o melhor reuso da água, a cobertura do solo, evitando erosão e a menor pressão sobre as áreas de ecossistema natural em função dessa otimização dos agroecossistemas”, completou.
Nesse sentido, o projeto do Campo à Mesa teve como principais resultados a implantação de 47 unidades de referência em sistemas agroflorestais, que representam um manejo de cerca de 900 hectares, em 10 municípios da Baixada Cuiabana.
Outro estudo, esse do pesquisador associado ao CVT AGROECO e doutorando do Programa de Pós Graduação em Agricultura Tropical (PPGAT), Rafael Laranja, focou na produção de algodão via sistema agroflorestal como alternativa sustentável. Neste, concluiu-se que essa é uma alternativa viável para a agricultura familiar do estado, proporcionando benefícios ambientais e econômicos.
“O que vemos é que a agricultura convencional ou a agricultura extensiva já dá sinais de que não consegue se manter sustentável ao longo do tempo, que não consegue manter os recursos naturais para as próximas gerações, ou seja, ela não é uma agricultura que tem sustentabilidade. Então ela precisa mudar, ela precisa adotar práticas sustentáveis e, nisso, a produção ecológica, os sistemas agroflorestais trazem estratégias de como a agricultura convencional pode passar por um processo de transição também e, com isso, alcançar patamares mais sustentáveis”, completou o professor Henderson Nobre.
Já existem práticas da agroecologia sendo utilizadas, aponta o pesquisador. O uso de adubação verde para rotação de culturas, plantio direto, controle de pragas e doenças com microrganismos ao invés de agrotóxicos; todas estratégias no sentido de promover uma transição em pequena, média e grande escala.
“Fato é que a gente precisa de uma mudança de jeito, de matriz tecnológica de fazer agricultura. E, nesse sentido, nós da UFMT, com os projetos do CVT AGROECO, já estamos jogando uma luz, um farol para onde essa agricultura pode caminhar no sentido de alcançar mais sustentabilidade”, concluiu.
*Com informações da UFMT