Biomas amazônicos: fornecedores de carnes de animais silvestres, ricas em valor nutricional, como fonte de alimentos dos povos da floresta

Impactante e inédita, uma pesquisa procedeu a um levantamento sobre a caça de animais silvestres na Amazônia [...] avaliando seu valor nutricional como fonte de alimento.

Foto: André Antunes/Rede Fauna

Por Osíris M. Araújo da Silva – osirisasilva@gmail.com

Informes do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) abordam uma questão que jamais imaginaria fazer parte da programação de trabalhos de pesquisas de renomados cientistas vinculados à instituição. Morrendo e aprendendo, ou, como em Hamlet, “a todos ofereçam o ouvido, a poucos a língua”, crucial na dieta e tradições, “a carne de animais silvestres representa uma rica diversidade biológica e cultural dos sistemas alimentares tradicionais de povos indígenas, tradicionais e de pequenos agricultores do interior de nove países da Amazônia”.

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Estudos com participação de pesquisadores do Inpa divulgados na revista científica Nature (uma das publicações científicas mais importantes e citadas do mundo) revelam que a preservação da floresta garante acesso à carne de caça ajustada aos modos de vida dos povos amazônicos. Para sua maior legitimação, o trabalho conta com a coparticipação de pesquisadores indígenas de dez povos amazônicos: Surui, Paumari, Katukina, Baniwa, Waurá, Apurinã, Tikuna, Kaxinawá, Kuikuro e Kaixana, além de extrativistas.

Impactante e inédita, a pesquisa procedeu a um levantamento sobre a caça de animais silvestres na Amazônia, a maior e mais diversa região de floresta tropical do planeta, avaliando seu valor nutricional como fonte de alimento. Mostrou surpreendente diversidade de animais consumidos, envolvendo 490 espécies, com dominância de 20 grupos que respondem a 72% dos indivíduos caçados, com destaque para queixada, anta e paca – essa última, a espécie mais caçada na Amazônia.

Na fase de levantamentos de campo foram coletados e analisados dados de quase 60 anos – entre 1965 e 2024 – em 625 localidades. Em conclusão, estimou-se “que a carne de tetrápodes selvagens (mamíferos, aves, répteis e anfíbios) produzida é suficiente para suprir quase metade das necessidades diárias de proteína alimentar e ferro dos 11 milhões de habitantes das áreas rurais da Amazônia, além de uma parcela significativa de vitaminas do complexo B e zinco, nutrientes fundamentais para a saúde humana”.

pirarucu da Amazônia
Pirarucu. Foto: Siglia Souza/Embrapa

As análises prermitem inferir que uma “riqueza invisível” sustenta a segurança nutricional dos povos da Amazônia, bioma com 8 milhões de quilômetros quadrados (km2). Por ano, ressalta, são extraídas da Amazônia mais de meio milhão de toneladas de biomassa animal (indivíduo inteiro), o que corresponde a 0,37 milhão de toneladas de carne silvestre efetivamente comestível. Em comparação com os preços atuais da carne bovina, a produção teria um valor econômico aproximado de US$ 2,2 bilhões ao ano”. Valiosas conclusões podem-se extrair destas pesquisas. A primeira e mais contundente: por que não desenvolver localmente sistemas agropecuários produtivos de criação para abate dessas extraordinárias fontes de proteínas animais?

No início do século XIX, convém salientar, quando a pecuária ainda não chegara à região, carnes de animais silvestres, além de pescados, eram fontes primárias de alimentos das populações locais. Resquício daqueles tempos, ainda se consome em zonas rurais peixe boi, jacaré, quelônios (tracajá, tartaruga, iaçá), caças ou pescados. A disseminação de fazendas de criação viriam, além de contribuir para a preservação ambiental, atender consideráveis segmentos de mercado, hoje dependentes exclusivamente da produção agropecuária, avícolas e pescados.

O estado do Tocantins cria com muito sucesso pirarucu em açudes e o Mato Grosso, jacarés, pelo valor de suas carnes e couro. O Amazonas, adotando políticas públicas ajustadas às idiossincrasias do bioma tem tudo para desenvolver este setor, inclusive gerando excedentes exportáveis. A China, saliente-se, já é o maior produtor mundial de tambaqui. Uma questão de governança do sistema de pesquisa, da assistência técnica e do crédito especializado. Com a palavra o próprio Inpa, Embrapa, CBA, a Universidade, os governos estaduais.

Leia também: Embrapa divulga estudo sobre o papel fundamental dos produtores rurais na preservação ambiental

Sobre o autor

Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e da Associação Comercial do Amazonas (ACA).

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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