Um dos temas mais polêmicos ali tratados diz respeito ao “desmatamento zero”, sobre o qual a Declaração não apresentou metas ou prazos isolados ou comuns a todos os países.
A Cúpula da Amazônia, realizada na quarta e quinta-feira passada na capital paraense, divulgou a Declaração de Belém, assinado pelos presidentes dos 8 países que participaram da Cimeira. O documento pontua objetos de concordância entre as nações pan-amazônicas divididos em 11 tópicos, que reúnem 113 pontos. Entre os quais temas de alta relevância como Economia para o desenvolvimento sustentável, Mudança do Clima e Cooperação policial, judicial e de inteligência no combate a atividades ilícitas como crimes ambientais, sob os quais se encontram aspectos importantes como a bioeconomia, o combate ao desmatamento, a exploração de petróleo na região e os direitos dos povos indígenas.
Um dos temas mais polêmicos ali tratados diz respeito ao “desmatamento zero”, sobre o qual a Declaração não apresentou metas ou prazos isolados ou comuns a todos os países. Possível ganho no longo prazo, estabeleceu a criação da “Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento (AACD)” para promover uma cooperação regional “reconhecendo e promovendo o cumprimento das metas nacionais, inclusive as de desmatamento zero”. Ignora, porém, a relevância e premência de cooperação científica das universidades e centros de pesquisa da região, do que se ocuparia a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), de 1978.
Para promover de fato a integração geopolítica e operacional pan-amazônica, segundo a Declaração de Belém, “os países devem, a partir de agora, retomar as negociações para atualizar a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica e que os ministros das Relações Exteriores dos Estados Membros devem promover uma incorporação progressiva das ações previstas no documento final da cúpula, com cronogramas, prazos e meios de implementação”. Metas que, teme-se, poderão ter o mesmo destino dos 28 pontos do Compromisso de Manaus – nenhum deles implementados até hoje -, resultante da XI Reunião de Ministros das Relações Exteriores da OTCA, de 22 de novembro de 2011, da qual tomei parte na companhia da amazonóloga Bertha Becker.
A Rede InterAmericana de Academias de Ciências (IANAS), que reúne 24 academias de ciências das Américas, e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) reuniram-se no Inpa no início do mês para discutir fundamentos, meios e estratégias direcionadas ao encontro de soluções sustentáveis baseadas na ciência e na educação, e gerar contribuições da comunidade científica do continente para a Cúpula da Amazônia. Ao final do encontro divulgaram o estudo “IANAS Amazon Initiative – Science by and for the Amazon”, no qual defendem que “a produção científica precisa ser feita na Amazônia, com investimento de longo prazo, olhar estratégico e em diálogo com os povos da região”.
Dada a importância global do bioma Amazônia, segundo o documento da IANAS, serão necessários esforços de todas as nações, especialmente aquelas das Américas, para alcance dos seguintes objetivos: a) Uma estratégia abrangente para a preservação, conservação, restauração e remediação dos ecossistemas e da biodiversidade da Amazônia. Isso inclui uma bioeconomia sustentável baseada em florestas e rios saudáveis, maiores investimentos em pesquisa e educação, e o reforço da governança regional para aprimorar uma gestão justa e sustentável dos recursos naturais, direitos humanos e integridade territorial; b) Implementação de um modelo inovador de bioeconomia centrado em florestas e rios saudáveis, fundamentado no conhecimento científico e na experiência de povos indígenas e comunidades locais, levando a avanços tecnológicos; c) Fim do desmatamento, da degradação florestal, dos incêndios intencionais, da mineração ilegal e de outras atividades criminosas na região até 2030.
De acordo com a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, “se não tiver uma rede de colaboração entre todos os países da Amazônia e uma equidade de fato para os povos que habitam a região, nada vai acontecer”. Salienta que, “por meio da ciência e colaboração entre os países da Amazônia e os demais das Américas, podemos conseguir ter um impacto na conservação e no uso correto da biodiversidade da Amazônia e com isso ter impacto nas mudanças climáticas”.
Para o vice-presidente da ABC da região Norte e pesquisador do Inpa, Adalberto Val, “ciência e tecnologia (C&T) e capacitação de pessoal são condições essenciais para ter um desenvolvimento sustentável da Amazônia”, entendido por ele “como processos que conservem o ambiente, mas também viabilizem a inclusão e a geração de renda na região”. Para tanto, torna-se “necessário aumentar os investimentos em C&T na Amazônia, que recebe apenas 2,5% dos investimentos realizados pelo Brasil na área”. Segundo Val, “nós não queremos um investimento histórico, nós queremos um investimento estratégico para a região, para que possa ocupar o lugar que lhe cabe no mundo atual”.
Sobre o autor
Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR), do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA/INPA) e do Conselho Regional de Economia do Amazonas (CORECON-AM).
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