Foto: Reprodução/Livro ‘Nas Asas da História: lembranças da Panair do Brasil’
Quanto se fala em Panair no Amazonas, automaticamente as pessoas lembram da Feira Municipal da Panair, mas você sabia que o local onde hoje é a feira, na Zona Sul da capital amazonense, antes era um hidroporto?
No hidroporto operava a Companhia Panair do Brasil, uma companhia aérea fundada em 1929 como NYRBA do Brasil (New York-Rio-Buenos Aires Line) e incorporada pela companhia estadunidense PanAm em 1930.

Segundo dados do arquivo histórico da Universidade de Passo Fundo (UPF), a ditadura militar, instalada a partir de abril de 1964, causou uma série de transformações no cenário político, econômico e social brasileiro.
Exemplo disso foi a perseguição à Panair do Brasil, principal empresa aérea no período, comprada em 1961 por dois empresários brasileiros: Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen.
No documento disponibilizado pela UPF, produzido por Roberto Biluczyk, relata-se que a compra da Panair por Miranda e Simonsen descontentou sua principal concorrente, a Viação Aérea Rio-Grandense, conhecida popularmente como Varig. A ambição da Varig, segundo o estudo, era absorver a concorrente para se tornar líder no mercado nacional.

“Em 10 de fevereiro de 1965, uma súbita ordem do governo militar suspendeu as atividades da companhia [Panair], deixando mais de cinco mil pessoas sem emprego. O motivo alegado pelo governo seria a ‘irrecuperável situação financeira da empresa’, o que se mostrou uma inverdade”, segundo o resumo do estudo publicado na UPF.
Que ainda descreve: “Na mesma noite, aviões da Varig já estavam preparados para atender os passageiros de voos internacionais da concorrente, com os mesmos destinos e horários planejados pela Panair. Mostrando que a empresa sul-rio-grandense já conhecia o destino de sua adversária, antes mesmo da própria companhia ser suspensa, quando buscava soluções para retomar suas atividades”.
A atuação no Amazonas
A aposentada Alcilene Sena é filha de um dos antigos funcionários da Companhia Aérea Panair do Brasil quando a empresa atuou no Amazonas. Ambos residiam em Manaus na época em que o pai prestou serviço a empresa.
“Meu pai foi motorista da Panair do Brasil durante 26 anos, quando morávamos na Cachoeirinha [bairro de Manaus]. Era um tempo muito bom. Ele trabalhava dando apoio às aeronaves, entre elas o Catalina. A companhia cobria toda a Amazônia por causa do Catalina. Levava e buscava cartas, era o correio que tinha aqui”, contou Alcilene ao Portal Amazônia.
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O jornalista e historiador Otoni Mesquita relata que, da época em que a então companhia ainda operava, pouco sobrou de estrutura física da empresa e que lá era uma área pouco movimentada.
“Ali não havia nada, ‘era o fim do mundo’ no lado da Panair, era um lugar não habitado praticamente, eram pouquíssimas pessoas que moravam naquela área. E a própria feira só vai para aquele local nos anos 80”, contou o historiador, que recorda ainda dos tipos de comércio que se instalaram nas proximidades.

Mas a aposentada Alcilene Sena contou que pelas redondezas já existia algum movimento de comércio.
“Com o hidroporto, começou a funcionar um monte de coisa. Meu pai, por exemplo, trazia peixe, verduras e outras coisas, tudo de lá [da feira]”, comentou.
Alcilene contou ainda que, após a falência da empresa aérea e a demissão em massa dos funcionários, muitos tiveram prejuízos inclusive de saúde. A família dela também acabou enfrentando sérios problemas financeiros.
“Passamos cinco anos sem água encanada, tendo que tomar banho dia sim, dia não. Meu pai nunca mais foi um homem feliz, ele amava a Panair do Brasil, então nós sofremos muito. Meu pai veio a ter diabetes, teve que amputar as duas pernas. Tudo isso me revolta muito, roubaram a minha infância”, revelou emocionada a aposentada.
O nome “herdado”
Em um estudo produzido por Taciana Lima Magalhães, em 2012, publicado pela UFAM, observou-se que o nome da feira foi modificado pelos próprios feirantes. O nome, em inglês, lia-se como “panér”, mas disseram haver muitas discussões.
Os donos da empresa recorreram com indenização por usarem o nome em um Patrimônio Público que era a feira na época. Os feirantes e peixeiros pensaram em um nome, mais popular, que os identificassem e depois de muito discutirem ficou ‘panair’ ao ler e ao escrever.

O historiador Otoni Mesquita comentou que depois de todas essas mudanças, a feira ganhou importância histórica e também econômica na capital amazonense.
“Atualmente, acho que para a economia, principalmente do bairro, ela [a feira] é muito importante, anima, circula, tem a chegada do peixe, que é um grande atrativo turístico, de madrugada, é um espetáculo. Eu mesmo já estive lá. Hoje se tornou adequado às condições de uma cidade menos preconceituosa”, finalizou.
Assim, a feira que se adaptou e permanece fazendo parte do dia a dia de milhares de amazonenses, ainda oferece de tudo o que é consumido diariamente na dieta de um manauara raiz, como: peixes de várias espécies, frutas regionais, verduras e legumes, tanto de Manaus quanto de comunidades do entorno da capital.
*Por Karleandria Araújo, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar