Hutukara, Ya temi xoa, Omama: entenda os termos usados pela Salgueiro em homenagem ao povo Yanomami

Intitulada “Hutukara”, canção foi inspirada na obra do xamã Davi Kopenawa, principal liderança na luta do povo Yanomami. Saiba o que significam palavras como “Omama”, “xapiri”, “napê”, entre outros.

Inspirada na obra do xamã Davi Kopenawa, este ano a Acadêmicos do Salgueiro leva o samba-enredo “Hutukara” à Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, no domingo (11) no Carnaval 2024. A escola vermelha e branca de Andaraí apresenta na avenida a luta pela defesa da Amazônia sob a ótica da mitologia e cultura do povo Yanomami, que há anos tem a sobrevivência ameaçada pela destruição do garimpo ilegal no maior território indígena do Brasil.

Na letra do samba-enredo, a Salgueiro usou várias palavras da língua Yanomami. Os termos e expressões foram tiradas do livro ‘A Queda do Céu’, escrito pelo líder Yanomami e xamã Davi Kopenawa em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert. O livro foi o principal material utilizado na construção do espetáculo apresentado neste fim de semana.

Davi Kopenawa em visita à Acadêmicos do Salgueiro, em Andaraí, Rio de Janeiro. Foto: Lucas Landau/ISA

Intitulado “Hutukara”, do carnavalesco Edson Pereira, o nome faz menção ao “céu que desabou nos primeiros tempos, constituindo o plano em que nos encontramos hoje”, conforme o conceito do povo Yanomami.

Leia também: Hutukara: o ‘mundo’ unificado dos povos Yanomami

Veja abaixo o significado das palavras do povo indígena usadas pela Salgueiro, com base em consulta ao Instituto Socioambiental (ISA), organização que também atua na defesa ao povo Yanomami:

Ya temi xoa, aê-êa 

“Ya temi xoa, aê-êa
Ya temi xoa, aê-êa
Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta é um Brasil cocar”

No refrão, repetida duas vezes, uma expressão Yanomae representa a mensagem principal do espetáculo preparado pela Salgueiro: “Ya temi xoa”, que traduzida para o português significa “Ainda estou vivo!”.

A mensagem é um grito de resistência na voz dos Yanomami, que enfrentam uma grave crise de sanitária e humanitária no maior território indígena do Brasil, vítima da exploração do garimpo ilegal há anos. O trecho também simboliza a união de forças junto aos salgueirenses.

Hutukara, Omama, xamã, xapiri e yãkoana

“É Hutukara, o chão de Omama
O breu e a chama, deus da criação
Xamã no transe de yãkoana
Evoca xapiri, a missão
Hutukara ê, sonho e insônia
Grita a Amazônia antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original”

Hutukara, expressão que dá nome à canção, significa a terra-floresta, o mundo como conhecemos hoje, que na mitologia Yanomami surgiu após a queda do primeiro céu nos tempos ancestrais. A terra-floresta foi criada por Omama, o demiurgo (que possui poderes divinos), que é o Deus da criação para o povo Yanomami.

Xamãs são guerreiros do mundo espiritual. Para os Yanomami, esses guardiões, além de realizarem a conexão entre o mundo visível e o invisível, também protegem a população dos males frutos das ações de humanos e não humanos.

Yãkoana é uma substância extraída da parte interna da casca da árvore yakoana hi, que possui efeito alucinógeno e é utilizada nos rituais xamânicos para permitir que os guardiões adentrem o mundo invisível.

Quando os xamãs visitam o plano invisível, eles conversam com o Xapiris, que são espíritos de luz, defensores da terra-floresta. Estas entidades só podem ser contatadas pelos xamãs, após o uso da Yãkoana.

Yoasi

“Tirania na bateia, militando por quinhão
E teu povo na plateia vendo a própria extinção
Yoasi que se julga família de bem
Ouça agora a verdade que não lhe convém
Yoasi que se julga família de bem
Ouça agora a verdade que não lhe convém”

Yoasi é irmão de Omama, o deus da criação. Na mitologia yanomami, Yoasi é responsável pela criação da morte e da escuridão.

Luta Yanomami

“Você diz lembrar do povo Yanomami
Em 19 de abril
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar em yanomami
Pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito
Nem a pau, Brasil”

No dia 19 de abril é celebrado o Dia dos Povos Indígenas. Na estrofe, Hutukara lamenta que essas populações, a exemplo dos Yanomami, só é celebrada durante esta data.

Kopenawa e napê

“Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso
Não queremos sua ordem, nem o seu progresso
Napê, nossa luta é sobreviver
Napê, não vamos nos render”

Kopenawa é o sobrenome de Davi, considerado a principal liderança na luta do povo Yanomami. Traduzido para o português, o nome significa “marimbondo”. Os salgueirenses deixaram um aviso: “É melhor não mexer com marimbondo!”.

Os Napê são os forasteiros, neste caso, os que invadem e representam a principal ameaça à população yanomami. O termo é usado para designar os não-indígenas e os garimpeiros.

No trecho, há também uma menção ao legado do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, assassinados enquanto produziam material em defesa da floresta Amazônica na região do Vale do Javari, em 2022.

A Salgueiro conta que ambos ganharam citação na canção, por “terem sido “brancos” que entenderam verdadeiramente os povos indígenas”.

Letra completa 

A letra do samba-enredo foi escrita por Pedrinho da Flor, Marcelo Motta, Arlindinho Cruz, Renato Galante, Dudu Nobre, Leonardo Gallo, Ramon Via 13 e Ralfe Ribeiro. O material surgiu a partir de uma sinopse escrita pelo enredista e jornalista Igor Ricardo. A festa e as alegorias ficaram sob a responsabilidade do carnavalesco Edson Pereira.

A letra do samba-enredo na íntegra:


“Ya temi xoa, aê-êa
Ya temi xoa, aê-êa
Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta é um Brasil cocar

É Hutukara, o chão de Omama
O breu e a chama, deus da criação
Xamã no transe de yãkoana
Evoca xapiri, a missão
Hutukara ê, sonho e insônia
Grita a Amazônia antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original

Eu aprendi o português, a língua do opressor
Pra te provar que meu penar também é sua dor
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem flecha, da boca pra fora
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem flecha, da boca pra fora

Tirania na bateia, militando por quinhão
E teu povo na plateia vendo a própria extinção
Yoasi que se julga família de bem
Ouça agora a verdade que não lhe convém
Yoasi que se julga família de bem
Ouça agora a verdade que não lhe convém

Você diz lembrar do povo Yanomami
Em 19 de abril
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar em yanomami
Pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito
Nem a pau, Brasil

Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso
Não queremos sua ordem, nem o seu progresso
Napê, nossa luta é sobreviver
Napê, não vamos nos render

Ya temi xoa, aê-êa
Ya temi xoa, aê-êa
Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta é um Brasil cocar”

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