Dicionário Tupi Mondé: a resistência linguística do povo Cinta Larga

Inspirado pela necessidade de preservação, jovem Cinta Larga desenvolveu um projeto para criar um dicionário que "traduz" o Tupi Mondé para a língua portuguesa.

Foto: Reprodução/Funai

O povo Cinta Larga, em Rondônia, destaca-se por ser uma das poucas etnias indígenas brasileiras em que a língua materna, o Tupi Mondé, ainda é predominante no cotidiano das aldeias: uma “legado” que é passado de geração para geração há milhares de anos.

Em alusão ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, o Grupo Rede Amazônica conversou com representante da etnia Cinta Larga, Itxalee OyGoyan Cinta Larga, de 18 anos, que desenvolveu um projeto para criar um dicionário que “traduz” o Tupi Mondé para a língua portuguesa. O projeto foi apresentado em março na 23ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia na Universidade de São Paulo (USP).

“No meu contexto, é falado o Tupi-Mondé tanto em casa quanto em outros lugares. Temos indígenas que saem das comunidades pra trabalhar, então eles acabam aprendendo o português para se virar. Mas dentro das aldeias, a língua é muito mais forte e preservada. A oralidade está em todos os momentos”, relata.

A língua Tupi-mondé é falada por quatro etnias no estado de Rondônia, são elas: Cinta Larga, Paiter-Suruí, Zoró e Gavião.

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Pelo projeto, o estudante foi premiado com três reconhecimentos nacionais. Segundo Itxalee OyGoyan, o idioma é parte essencial da identidade do povo e ainda é transmitido com naturalidade pelas gerações mais velhas, o que garante sua continuidade.

O exemplo dos Cinta Larga é especialmente relevante num cenário em que muitas línguas originárias estão em risco de desaparecimento diante da crescente influência do português e da perda de tradições orais entre outras comunidades indígenas.

Preservar a língua Tupi Mondé é resistir

De acordo com o indígena, preservar o idioma vai muito além das palavras: é manter viva a história e o modo de vida do seu povo.

“Nós temos uma riqueza muito grande. Preservar o idioma garante que o nosso passado e presente não sejam apagados no futuro. Por isso, aprendemos e ensinamos para os mais novos”, declara.

O esforço do jovem faz parte de um movimento mais amplo de valorização das línguas indígenas no Brasil. Especialistas alertam que muitas delas estão em risco de extinção, e iniciativas como essa se tornam fundamentais para manter viva a diversidade cultural dos povos originários.

O cenário é semelhante entre o povo do professor licenciado em Ciências Sociais, Edir Cinta Larga. Ele destaca que 98% dos indígenas ainda falam a língua materna. Para ele, a preservação vai além da comunicação: é uma questão de sobrevivência cultural.

“Eu diria que o povo são 98% falantes da língua materna. Existe esse 2% que são mestiços que não falam, mas entendem. Ainda assim, nossa língua é presente e usada no dia a dia”, afirma Edir.

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Tupi Mondé é lingua dos cinta larga Foto: Reprodução/Funai
o Tupi MoTupi Mondé é lingua dos cinta larga Foto: Reprodução/Funaindé

Uma língua, múltiplas formas de ver o mundo

A língua Cinta Larga pertence à família linguística Tupi-Mondé, dentro do tronco Tupi, uma das ramificações mais expressivas entre os povos indígenas do Brasil. Para Edir, a principal característica da língua vai além da gramática ou fonética, está na forma própria como o povo interpreta o mundo.

“Acredito que a característica da nossa linguagem é a nossa maneira própria de denominar e descrever o que faz parte do nosso mundo interno. Cada subgrupo do nosso povo, Mãn, Kaban e Kakin, tem suas variações. Apesar de sermos do mesmo povo, temos diferenças regionais, inclusive na forma de nomear as coisas”, explica.

A ameaça de extinção de línguas indígenas é uma realidade preocupante no Brasil. Segundo a Unesco, a cada duas semanas uma língua indígena desaparece no mundo. Edir reforça que a perda de um idioma tradicional é o desaparecimento de uma forma de entender o mundo.

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“Perder a linguagem é perder sua identidade, perder suas características, sua base. Sem a linguagem, não tem como você se identificar com uma etnia, com aquele povo. Também se perde a forma de transmitir conhecimento, de se comunicar”, afirma.

Do ponto de vista científico, o desaparecimento de uma língua implica a perda de séculos de saberes acumulados, especialmente sobre o meio ambiente, medicina natural, manejo da floresta e espiritualidade.

Celebrar o Dia Internacional dos Povos Indígenas é reconhecer a importância dos povos originários, não apenas como guardiões de florestas e terras, mas como detentores de saberes ancestrais que enriquecem a identidade e a diversidade do Brasil.

*Por Beatriz Rodrigues, estagiária sob supervisão de Jaíne Quele Cruz, da Rede Amazônica RO

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