Foto: Divulgação/@alonsojunioram
Se a crise climática é um dos temas de maior importância no mundo atualmente, os olhos de governantes do mundo todo, além de empresas, organizações do Terceiro Setor e de ativistas já estão todos voltados para Belém (PA), que vai sediar em 2025 a COP30, encontro no qual líderes mundiais debatem soluções para as mudanças climáticas. E a cultura pode ser uma grande aliada na conscientização sobre a emergência.
No Amazonas, a população tem sentido os efeitos das mudanças climáticas. Entre a seca e a fumaça que se intensificou na região nos últimos anos, a arte foi o vetor que moveu a 17° edição do Festival Até o Tucupi, entre 20 e 30 de novembro.
Dessa vez, a temática não poderia ser diferente: entre os shows de artistas locais e performances da cena ballroom, o “Festival pelo clima” como está sendo chamado, trouxe discursos sobre a crise climática como e o fortalecimento do papel da Amazônia como centro das discussões globais.
“Até o Tucupi”, é uma expressão popular que significa “quando algo está cheio”, “abarrotado”. E inspirado por essa expressão, o festival segue com o objetivo de refletir esse “transbordamento de cultura, resistência e mobilização”, reunindo artistas, coletivos e movimentos sociais para ocupar os espaços e fomentar debates para e sobre a Amazônia.
O Festival acontece desde 2007 e é um dos mais antigos da região norte, tendo passado por diversas fases e dificuldades, como a pandemia, secas, cheias, desmatamento e queimadas. Desde então, o evento tem movimentado a cidade de Manaus, de forma gratuita, com a missão de ocupar seus espaços públicos com debates, encontros, arte e cultura, trazidos por artistas, movimentos sociais, grupos e coletivos urbanos.
Nesta nova edição, o evento se propõe a iniciar os trabalhos acerca da COP30, trazendo temáticas como justiça climática, racismo ambiental e também sediou o primeiro Encontro Amazonense sobre Crise Climática. Discussões que trazem a urgência da situação atual do Amazonas, no último ano o estado virou notícia depois da intensa seca, e neste ano não está sendo diferente, já que o estado enfrenta pelo segundo ano consecutivo a pior seca de todos os tempos.
O Festival Até o Tucupi 2024 é realizado pelo Coletivo Difusão, que atua na valorização das artes integradas, da cultura e da diversidade na Amazônia, neste ano terá o apoio do Coletivo Proteja; da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); do Miriã Mahsã, coletivo indígena LGBTQIAPN+; e da Casa Cinco Criações, produtora cultural.
No último ano, o festival não pôde acontecer por questões financeiras. Apesar de estarem neste ano se mobilizando para a COP30, Elisa Maia, artista, cantora e produtora cultural, que faz parte do Coletivo Difusão, observa não ter acontecido um aumento de oportunidades no estado por conta da conferência.
“Não tem nada com foco, por exemplo, pautando, questões ambientais, ou sobre as emergências. O Até o tucupi, como não é um festival que vende ingressos, sempre depende de editais públicos e alguns privados. Mas que edital é aquela coisa, você escreve um processo e você não sabe se vai ser aprovado”, reflete Elisa sobre as oportunidades que surgem com a COP no estado.
Elisa conta que o festival tem discutido a emergência climática com uma visão mais profunda, principalmente por conta das dificuldades que Manaus e o estado do Amazonas têm passado. O assunto virou “inevitável”, visto que o Amazonas tem sofrido com a questão das queimadas e com conflitos em terras indígenas.
Para ela, os eventos extremos do clima impactam diretamente na produção artística e cultural.
“Produções que são canceladas de risco, por exemplo, de temporais. Como no ano passado, quando rolou a fumaça na cidade, vários eventos foram cancelados, porque era perigoso estar reunindo as pessoas respirando aquele ar com a qualidade péssima. Eu acho que é indiscutível o papel hoje que a cultura precisa ter diante desse tema. E nós que somos produtores de festivais, mais ainda”.
Junto a movimentos como a COP das Baixadas, em Belém, e o “Artistas pelo Clima”, em Manaus, o festival surge da necessidade e da falta de espaços que discutam o assunto com a população.
“Sentimos falta na cidade de uma certa convergência de grupos que já dialogam sobre isso. Então, o Até o Tucupi propõe também que o nosso espaço, que a nossa visibilidade seja usada para que os grupos se reúnam também”, complementa Elisa.
Para ela, a cultura tem o importante papel de atingir esse público.
“Temos certeza que a cultura, que a arte-cultura é um excelente veículo para comunicar essas questões, para comunicar as emergências do clima, para comunicar o tanto que a gente precisa estar engajado nessa pauta, o tanto que as pessoas comuns, que o cidadão comum precisa estar cobrando”.
A cultura como uma forma de resposta
A inquietação que produtores culturais e organizações sentem não é recente. Para manter viva a lembrança do seringueiro, sindicalista e ambientalista Chico Mendes, “A semana Chico Mendes” foi criada pelo Comitê Chico Mendes, organização que foi fundada ainda em 1988, ano do seu assassinato.
Desde então, anualmente o Comitê tem promovido o evento que neste ano celebra o 80º aniversário do ambientalista, que tornou-se um símbolo de resistência e justiça social. Com o tema “Chico 80 Anos: A Luta Continua”, o evento acontece entre os dias 15 e 22 de dezembro em Xapuri e Rio Branco, no Acre.
A programação contará com rodas de conversa, atos culturais, exposições fotográficas e exibições de filmes sobre a Amazônia. O comitê também é responsável pelo “Festival Jovens do Futuro”, que acontece também no Acre. O festival é inspirado pela carta que Chico deixou antes da sua morte. A carta “Atenção Jovens do Futuro” falava para as próximas gerações continuarem a luta que ele iniciou em defesa da floresta e de seu povo.
Nesta edição, o festival contou com mostras de arte, cine-debates e oficinas como “Se montando em tempos de crise climática”, que abordou técnicas de montagem e maquiagem pensadas para enfrentar as temperaturas elevadas. O festival que trouxe a crise climática como discussão central, precisou ser adaptado e suspendeu até mesmo algumas atividades por conta das fumaças intensas e queimadas que atingiram o estado do Acre.
“Quem bota fé que a COP vai mudar alguma coisa?”
Apesar das dificuldades, é certo que as organizações e coletivos da região norte já tenham iniciado a mobilização para que a COP vá além de uma conferência internacional. Para ocupar esses espaços, diversos movimentos novos têm sido criados, e para todos a preocupação é a mesma: o que fica depois da COP?
Durante a agenda do festival Até o Tucupi, o “Encontro Amazonense Sobre Crise Climática” buscou reunir forças para a construção de uma resposta coletiva e integrada à crise climática. Dentro do encontro aconteceu também a roda de conversa “Quem bota fé que a COP vai mudar alguma coisa?”, como conta Elisa.
“É a gente também fazendo uma provocação que tipo de presença é essa, que incidência conseguimos fazer na COP e além dela. Vamos fazer a nossa construção para chegar até ano que vem e ter a nossa participação também”.
As opiniões sobre as oportunidades que surgem com a conferência são várias, mas uma preocupação que surge nesse cenário trazida por Paula, de Belém, reflete também o medo de empresas de fora da região norte conseguirem se apropriar dessas poucas aberturas que têm surgido.
“Existe uma preocupação, principalmente quando vemos perspectivas de eventos chegando aqui, e eu acho isso muito importante também, porque é uma expansão, tanto de contatos, networks, pessoas que conhecemos, mas claro, tem pessoas que muitas vezes vem fazer eventos sem se preocupar com o território”.
Para ela, o principal é entender o protagonismo do território.
“O protagonismo desse território são as pessoas do norte, são as pessoas que estão vivendo realmente aquelas mudanças, estão vivendo todos aqueles impactos climáticos, que têm sido muitos. A ideia realmente é protagonizar o babado mesmo, porque é o que a gente quer. A gente quer corpos LGBTs, corpos negros, mulheres à frente desse processo todo”, enfatiza Paula.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Nonada Jornalismo, escrito por Alicia Lobato