Expedição busca espécie de macaco desaparecida há 80 anos na Amazônia

Imagem: Reprodução/Instituto Mamirauá

Em 1930, cientistas registraram uma nova espécie de macaco na região do Alto Rio Juruá, nas cercanias do município de Eirunepé, entre o Acre e o Amazonas. Mas desde então, os primatas da espécie Pithecia vanzolinii, nunca mais foi vistos ou registrados em pesquisas científicas. Em 2017, uma iniciativa internacional que envolve a Global Conservation Institute e o Instituto Mamirauá pretende percorrer a região em busca do animal. Para concretizar a empreitada, o grupo de cientistas lançou uma campanha de financiamento coletivo pelo Indiegogo. A expedição, batizada de Houseboat Amazon, percorrerá durante quatro meses, no período de cheia na Amazônia Ocidental, a região à procura de exemplares do animal. 

Especialistas ressaltam que a bacia do Juruá apresenta grande riqueza de espécies, sendo uma importante área para conservação da biodiversidade. “O ponto de partida da expedição é o local onde os irmãos Ollalas encontraram, em 1930, os primatas que são alvo deste estudo. Esta área será o primeiro e principal ponto de trabalho porque trata-se de uma região chave para confirmarmos se a espécie ainda existe em vida livre”, explica o pesquisador do Instituto Mamirauá Felipe Ennes.

Os espécimes do gênero Pithecia são popularmente conhecidos como parauacus. A descoberta da lacuna, de quase 80 anos, de informações sobre a espécie para a ciência, aconteceu enquanto a primatóloga PhD. Laura Marsh, diretora do Global Conservation Institute, revisava a taxonomia do macaco.

Depois de dez anos aprofundando os estudos sobre o primata, Laura identificou e descreveu cinco novas espécies desse gênero, das quais três ocorrem apenas no Brasil. Tudo o que se sabe sobre a espécie chave da expedição está concentrado em informações de poucos indivíduos depositados em museus na década de 1930.

Caso encontrem os animais na região, os pesquisadores pretendem coletar dados sobre o comportamento, habitat e estimar a população, visando avaliar seu estado de conservação. Há poucas informações documentadas sobre as espécies, habitats e ameaças na bacia do Alto Juruá. Além de coletar dados sobre o parauacu, os pesquisadores também pretendem documentar informações sobre outras espécies de mamíferos, aves e répteis, além de um trabalho com as pessoas que vivem na região.

Dados insuficientes

Em algumas regiões, como no Peru, os parauacu são chamados de macacos voadores. Em função do seu comportamento tímido e ágil, eles são raramente vistos. Há poucas informações da ecologia e biologia de todo o gênero Pithecia, que possui 16 espécies reconhecidas. Na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês), a espécie Pithecia vanzolinii está classificada como “dados insuficientes”, em razão da falta de dados científicos sobre a população ou possíveis ameaças.

Os irmãos Alfonso e Ramón Ollala, citados por Felipe, realizaram uma expedição por uma série de localidades na Amazônia peruana e brasileira entre 1920 e 1930, buscando conhecer mais sobre a biodiversidade da região. Na época, os naturalistas equatorianos coletaram animais que atualmente fazem parte de museus de história natural em várias partes do mundo. Grande parte do conhecimento científico sobre a distribuição de aves e mamíferos amazônicos que existe atualmente é em função desse trabalho.

Esforço pela conservação da espécie

Laura Marsh utilizou o exemplo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, criada em 1996 a partir do reconhecimento da necessidade de conservação da área de ocorrência do Uacari-branco, um primata endêmico da região, resultado de pesquisas realizadas pelo primatólogo Márcio Ayres.

De acordo com a ecóloga, além de coletar informações sobre o parauacu, a proposta da iniciativa é utilizar o animal desparecido como uma ‘espécie bandeira’, que poderia alavancar a proteção da área onde vive e, consequentemente de outras espécies da fauna e flora local.

“Márcio Ayres estudou um macaco para proteger toda área ao seu redor, nossa ideia é parecida com essa. Não temos informações substanciais sobre essa área, que é muito grande e pode ser afetada em curto prazo pelo crescimento populacional nas cidades ao seu redor e pela proximidade com o ‘Arco do desmatamento’. O que tentamos com esse estudo é preencher essa importante lacuna sobre a espécie e sobre a região. Também queremos mostrar ao público leigo como é fazer ciência na Amazônia, e conscientizá-los sobre a conservação deste extraordinário bioma”, comentou Laura.

Ao falar sobre as dificuldades para avistar o ‘macaco voador’, Laura comenta que a expedição de quatro meses certamente vai gerar muitos dados científicos para subsidiar estratégias de conservação da biodiversidade local. “Em nossa experiência, ir para lugares que são pouco amostrados, sempre resulta em oportunidades de encontrar novas espécies, algum fato interessante ou novos questionamentos. Se não encontrarmos o macaco, outras perguntas poderão ser feitas: Será que foram muito caçados? Ou será que cruzaram com outras espécies e se tornaram híbridos?”, disse.

Parceria

A expedição conta com a parceria de uma equipe científica de várias instituições do Brasil e do exterior, como as americanas Global Conservation Institute, Conservation International, Margot Marsh Biodiversity Fund, New Mexico Film Foundation e Primate Conservation Inc.; a britânica University of Salford; e a emirática Mohamed bin Zayed Endangered Species. Além das brasileiras Instituto Mamirauá, Universidade Federal do Acre (UFC), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“O Brasil é um país muito atraente para se trabalhar com a conservação em longo prazo. Quero envolver o máximo de instituições, estudantes e pesquisadores brasileiros que eu puder neste projeto. Pois, embora eu ame o Brasil, não vivo aqui. Se eu posso fazer com que o projeto, do início ao fim, tenha o envolvimento dessas instituições, será fantástico. E talvez possamos criar algo maior, como fez Márcio Ayres”, completou a primatóloga.

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