Massacre dos Akroá-Gamella: o maior ataque contra indígenas maranhenses

Em 2017, povo originário do interior do Maranhão sofreu um dos maiores atentados violentos contra indígenas do país.

Indígena Akroá-Gamella segurando projétil. Foto: Ana Mendes

No dia 30 de abril de 2017, o povoado de Bahias, localizado no município de Viana, interior do Maranhão, foi cenário de um dos ataques mais violentos daqueles que buscam o lucro contra aqueles que lutam por identidade: “O Massacre dos Akroá-Gamella”.

O conflito entre indígenas dessa etnia e fazendeiros daquela região resultou em mais de 20 feridos, alguns em estado grave, e deixou uma ferida histórica nesse povo que segue aberta até hoje.

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Quem são os Akroá-Gamella?

O povo Akroá-Gamella é um grupo indígena que habita, historicamente, a região da baixada maranhense que envolve os municípios de Viana, Matinha e Penalva. Documentos datados do século XVIII, pertencentes à Coroa Portuguesa, apontam que os indígenas Gamella são donos legítimos de uma área correspondente a 14 mil hectares.

Atualmente, eles ocupam apenas 552 hectares dessa área e essa perda territorial começou na década de 1970, quando fazendeiros e grupos empresariais locais iniciaram um forte processo de invasão, grilagem e degradação daquele povo. Uma dessas ações foi a fraude na escritura do registro de posse dessas terras em favor de empresários locais no cartório da cidade.

Mapa identifica a “Terra dos Índios”, do povo Akroá-Gamella, de 1765, na região de Viana, no Maranhão. Foto: Domínio Público do Acervo da Biblioteca Nacional

Outra medida contra o povo Akroá-Gamella foi a tentativa de extinguir o grupo da sociedade. No final do século XX, eles chegaram a ser classificados como extintos, sob argumento de que já teriam se misturado com brancos e negros, passando a ser chamados de “descendentes de índios”. Tal iniciativa tinha o objetivo de tornar o povo invisível, consequentemente, o grupo não teria direito a terras.

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Retomada

Buscando o reconhecimento étnico e a remarcação do seu território tradicional, o povo Gamella tomou, em 2013, duas decisões importantes: a luta pela existência do “Povo Akroá Gamella” e o início do processo de demarcação de sua área junto à então Fundação Nacional do Índio (Funai).

O primeiro objetivo foi conquistado logo no ano seguinte, quando 1.200 indígenas da etnia se autodeclararam como Povo Akroá-Gamella. Hoje, estão distribuídos em seis aldeias da zona rural de Viana: Taquaritiua, Centro do Antero, Nova Vila, Tabocal, Ribeiro e Cajueiro-Piraí.

Já no final de 2015, o povo Gamela iniciou uma série de retomadas pelo município, voltando a ocupar áreas tradicionais e propriedades instaladas dentro do seu território original. Em dois anos, foram oito ocupações recuperadas, sendo quatro fazendas, cujos donos, segundo os indígenas, seriam empresários ligados à autoridades políticas do Maranhão.

Quando se preparavam para a nona retomada, o grupo foi surpreendido com um dos ataques mais violentos da sua história.

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O Massacre

Era por volta das 16h daquele domingo – 30 de abril de 2017. Um grupo de indígenas da etnia Gamella acabara de retomar uma propriedade rural instalada dentro de Taquaritiua. A alguns metros dali, acontecia paralelamente uma manifestação de donos de terras nas regiões de Viana, Penalva e Matinha. Eles protestavam sobre as ações de retomadas do povo indígena, num evento intitulado “Marcha Pela Paz”.

Relatos da época contam que o caseiro da propriedade retomada pelos Gamella, ao se deparar com a ocupação, saiu rapidamente do local e foi até aquela reunião, que contava com a presença de um deputado federal. Com ânimos exaltados e falas inflamadas, segundo testemunhas, uma multidão marchou em direção ao grupo.

Portando armas de fogo, pedaços de pau e facões, um grupo de aproximadamente 200 pessoas atacaram cerca de 30 indígenas Akroá-Gamella, ato que resultou em 22 feridos. Dois indígenas tiveram as mãos quase decepadas e outros tiveram as peles rasgadas por tiros. O episódio violento repercutiu na imprensa mundial, marcando aquele 30 de abril de 2017 como o dia do “Massacre dos Akroá-Gamella”.

Indígenas do povo Akroá-Gamella. Foto: Ana Mendes

Desdobramentos

Após a tragédia, o povo Akroá-Gamella ocupou o prédio da Funai por quase um mês para cobrar o início do processo de demarcação de sua área, algo solicitado desde 2014. A pressão deu certo e, em 2017, a autarquia instaurou um grupo de trabalho para dar início aos estudos, porém, o procedimento segue tramitando a passos lentos.

Indígenas do povo Akroá-Gamella em ocupação à sede da Funai, em São Luís (MA). Foto: Andressa Zumpano

Em nota, a Funai afirmou que os estudos ainda estão na primeira fase do procedimento demarcatório e que ainda deverão passar pelas etapas de delimitação, declaração, homologação e regularização.

“A reivindicação fundiária do povo indígena Akroá-Gamella encontra-se em fase de estudos de identificação e delimitação. Houve progressos recentes nos estudos, com a apresentação de uma versão preliminar do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID). Atualmente, está em planejamento a realização do levantamento fundiário das ocupações não indígenas incidentes sobre a área de estudo”, cita a autarquia.

Já sobre a barbárie, as responsabilizações acerca dos ataques ainda seguem indefinidas. Até 2019, dois anos após o conflito, o inquérito policial aberto para investigar a autoria e circunstâncias ainda não havia sido finalizado, de acordo com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal no Maranhão.

O Portal Amazônia entrou em contato com órgãos para saber atualizações sobre o caso, mas até o momento desta publicação não obteve retorno e mantém o espaço aberto para esclarecimentos.

*Por Dayson Valente, para o Portal Amazônia

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