Invisibilidade social: ribeirinhos vivem sem água tratada às margens do Rio Madeira

Ausência de coleta de lixo e esgoto também são problemas frequentes nas comunidades ribeirinhas de Porto Velho. A falta de saneamento básico afeta diretamente a educação e até mesmo a produtividade dos moradores, segundo especialistas.

Atualmente existem 52 comunidades ribeirinhas em Porto Velho, às margens de um dos maiores rios do Brasil: o Madeira. São quase 1,5 mil quilômetros de extensão em água doce. Ainda assim, grande parte dos ribeirinhos não possui acesso à água tratada.

“Tem muita gente que tá usando a água do rio, tanto pra tomar banho, como para [fazer] alimento e beber. A água do rio Madeira, suja”. A fala é de Ozenito de Souza, presidente comunitário de São Miguel, no Médio Madeira: uma das várias comunidades que sofrem com o problema da falta de água tratada. Os ribeirinhos precisam adotar métodos próprios de sobrevivência, como aproveitar a chuva ou se locomover até regiões próximas – com galões – para buscar água, sempre que precisam.

Comunidade ribeirinha em Porto Velho. Foto: Ruan Gabriel/Rede Amazônica RO

E os transtornos relacionados ao saneamento básico não param por aí: coleta de lixo e esgoto e o tratamento desses resíduos são serviços praticamente inexistentes nas regiões às margens do rio Madeira. “O jeito que tem é queimar, porque não tem uma coleta de lixo”, comenta Ozenito.

Segundo um morador, o lixo é acumulado e depois queimado pelos próprios moradores, já que não tem serviço de coleta. O que causa risco de incêndios.

Há oito anos entre as piores cidades em saneamento… 

A situação das zonas ribeirinhas ajuda a entender os dados do Instituto Trata Brasil, que colocam Porto Velho entre as piores cidades do Brasil no ranking de saneamento há pelo menos oito anos. Apenas 32,9% da população da capital tem acesso a água tratada e somente 5,16% recebe o direito à coleta de esgoto, segundo a organização.

De acordo com a Presidente Executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, estudos da organização apontam que a falta de saneamento básico afeta diretamente a educação e até mesmo a produtividade dos moradores e, consequentemente, das próprias comunidades.

“Onde não tem saneamento básico existe maior atraso escolar, existe pior nota no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e, consequentemente, a geração de renda e desenvolvimento e ascensão social dessa família também é pior”, diz.

Comunidade ribeirinha em Porto Velho. Foto: Jaíne Quele Cruz/g1 Rondônia

“A engenharia tem solução para tudo. Quando a gente fala em comunidades isoladas, comunidades ribeirinhas, existem soluções de tratamento individualizadas ou para pequenos grupos de pessoas. As soluções muitas vezes não são as mesmas que as soluções para o meio urbano, mas é possível sim fazer a captação de água nesses locais, fazer um tratamento em estações menores e, da mesma forma, a correta coleta e tratamento desses resíduos gerados nesses locais”, complementa.

Como a água fora dos padrões afeta a saúde?

A saúde da população é outro alvo dos problemas relacionados à falta de água tratada e coleta de lixo e destinação incorreta do esgoto. Por este motivo, o Ministério da Saúde estabelece, por exemplo, um padrão de potabilidade para consumo da água. 

“Existe uma série de doenças de veiculação hídrica que podem estar associadas a entrega dessa água fora dos padrões […]. As crianças acabam brincando no rio que está recebendo esse esgoto sem tratamento e acabam tendo, além da diarreia, doenças como dengue, esquistossomose, leptospirose e malária”, aponta Luana.

Unidade de Saúde em Cujubim Grande, Porto Velho. Foto: Jaíne Quele Cruz/g1 Rondônia

E é justamente na saúde que muitos moradores também encontram empecilhos. As reclamações mais frequentes são quanto à falta de profissionais e serviços nos poucos postos espalhados na zona ribeirinha. Como exemplo:

“Falta dentista, falta laboratório, tem muito caso de malária e não tem um laboratório para exame. A equipe médica vai uma vez por mês, às vezes passa mais de um mês sem ir”.

“Eu mesmo fiquei vários dias sem tomar uma injeção porque não tinha quem aplicasse”.

“O posto [de saúde, na comunidade de Silveira] foi fundado na década de 80 e nunca teve um transporte pra urgência e emergência”.

Os atendimentos médicos da região são centralizados em três Unidades de Saúde da Família (USF) – localizadas nos distritos de São Carlos, Calama e Nazaré – de segunda a sexta-feira. São três médicos para atender as necessidades das 52 comunidades. Os dados são da própria Prefeitura de Porto Velho.

Comunidade ribeirinha de Porto Velho. Foto: Ruan Gabriel/Rede Amazônica RO

O que dizem os responsáveis? 

Segundo a Prefeitura de Porto, existe um processo em tramitação para implantação de sistema de abastecimento de água tratada nas zonas ribeirinhas. Enquanto isso, eles “trabalham com a entrega de água e hipoclorito”. Ainda de acordo a administração municipal, a coleta de lixo acontece em sistema de mutirões para recolhimento de entulho e limpeza.

A Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia (Caerd) informou que não opera nos distritos do Baixo Madeira, mas “fornece todos os equipamentos hidráulicos, tubulações e produtos químicos para garantir o bom funcionamento do sistema de distribuição de água às famílias dessas localidades”.

Com relação à saúde, a Prefeitura de Porto Velho informou que “está trabalhando na construção de um chamamento emergencial para preencher as vagas necessárias nessas localidades”.

Ribeirinhos precisam de locomover até regiões próximas em busca de água potável. Foto: Ruan Gabriel/Rede Amazônica RO

O Município alega que possui uma voadeira que atende oito das 52 comunidades, além de uma ambulância que transporta pacientes de São Carlos para Porto Velho e uma “ambulancha” (ambulância aquática) que leva os moradores de Calama para Humaitá, já que o trajeto é mais próximo que até a zona urbana da capital.

A Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) informou que adquiriu mais uma “ambulancha” para reforçar o atendimento em São Carlos e que o veículo deve iniciar as atividades em breve.


*Por Jaíne Quele Cruz, do g1 Rondônia

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