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Igarapé seco durante estiagem em Rondônia causa a morte de dezenas de peixes

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Peixes morrem em igarapé seco em Porto Velho. Foto: Edson Gabriel/Rede Amazônica RO

Com a seca severa e a estiagem que afeta a Amazônia, um igarapé localizado na comunidade ribeirinha Maravilha secou, causando a morte de dezenas de peixes e dificultando o acesso à água para os moradores da região.

O mesmo local que Conceição e a família usavam para atividades diárias e momentos de diversão, como banhos, se tornou em um cenário devastador: um cemitério de peixes.

“A minha reação foi de tristeza, de muita tristeza, de ver eles morrendo e eu não ter o que fazer pra salvar eles”, relembra.

Segundo a Defesa Civil Municipal, situações como essa ocorrem na região de Maravilha e em várias outras comunidades ribeirinhas, lagos e igarapés de Rondônia. A tendência é que a situação piore, já que os meses historicamente mais secos ainda não chegaram.

“O que está acontecendo? Falta de oxigênio na água, temperatura muito alta e eles não sobrevivem. Isso não só aqui, em outras regiões e vai acontecer mais ainda porque o rio Madeira continua baixando”, revela Anderson Luiz, gerente de operações da Defesa Civil.

Isolados e sem água

Sem acesso à água encanada e sem poços amazônicos, moradores de Maravilha dependem da água do igarapé e de um lago para as atividades mais básicas: cozinhar, lavar roupa e louça e se banhar. Coisas simples que se tornam praticamente impossíveis de serem feitas.

Igarapé Maravilha antes e depois da seca. Foto: Reprodução/Rede Amazônica RO

“Eu moro aqui na beira desse lago há 45 anos e eu nunca tinha visto essa situação que nós estamos vivendo agora [de seca]. É muito complicado expressar o sentimento não só meu, como de toda a população ribeirinha que depende desse lago”, relata Cláudio Uchoa.

De acordo com os relatos dos moradores, o Igarapé secou totalmente em menos de um mês. O medo deles é que o lago, agora única fonte de água, seque também, causando a morte das espécies que nele vivem e desabastecendo as 400 famílias que vivem no local.

“Essa água a gente usa pra tudo. E como a gente vai ficar se não tiver essa água?”, questiona Cláudio.

Sem boas previsões

Porto Velho está há três meses sem chuvas significativas. A última precipitação com um volume considerável foi em 25 de maio.

Em um período de estiagem extrema, todos os rios e afluentes de Rondônia são afetados. O rio Madeira bateu recordes de mínimas históricas: julho e julho foram os piores meses em quase 60 anos. Na maior parte do ano o rio se manteve abaixo da zona de normalidade e por várias vezes ultrapassou as mínimas já observadas historicamente.

Em 2023, a estiagem também causou mínimas históricas para o Madeira. O rio desceu para níveis críticos, até chegar a cota de 1,09 metro: o menor nível da história. O registro aconteceu no dia 5 de novembro, às 4h.

Seca rio Madeira 2024. Foto: Reprodução/Rede Amazônica RO

Segundo o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), os baixos níveis são registrados por dois motivos: o período de cheia que ocorre regularmente foi muito abaixo da média, dificultando a manutenção das cotas dos rios quando chegou uma seca severa e antecipada.

“O que o Censipam tem alertado desde o ano passado é que essa estiagem se absteria pela Amazônia legal e o que a gente tem percebido em relação à hidrologia, ao fogo, tudo isso se antecipou em um mês. As previsões são da manutenção desse quadro geral de estiagem severa”, revela Caê Moura, gerente do Censipam.

*Por Jaíne Quele Cruz e Marcelo Moreira, da Rede Amazônica

Insumos para testagem de malária serão disponibilizados por 12 meses no TI Yanomami, informa MS

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Foto: Matheus Brasil/MS

O Ministério da Saúde garantiu insumos suficientes para realizar testes de malária no território Yanomami por 12 meses. O mais recente investimento foi a entrega de 390 mil lancetas para exames padrão ouro, ou seja, de alta qualidade para o diagnóstico. Desde 2022, o estoque do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) não mantinha um nível de abastecimento tão alto.  

A malária centraliza uma série de investimentos da pasta e, além da ampliação da testagem, o ministério busca aprimorar a notificação dos casos e promover tratamento adequado no início da doença.  

Em 2024, houve aumento de 83,1% no número de exames realizados para diagnóstico da doença no território Yanomami, comparando-se com o mesmo período do ano anterior. O volume de testes passou de 37,5 mil no primeiro trimestre, para 68,7 mil no mesmo período deste ano.  

Rute Helen de Souza, responsável pelo Centro de Abastecimento Farmacêutico (CAF) do Dsei Yanomami, explica que a manutenção de um alto estoque é essencial para a elaboração de ações específicas e manutenção da vigilância da doença. “Esse nível de abastecimento representa a capacidade de a gente ter o diagnóstico de qualidade e expandi-lo pelo território. Assim, o tratamento é iniciado em tempo oportuno, ou seja, no começo da doença”, frisa.  

Luciano Bulegon, referência técnica da malária no Dsei Yanomami, destaca que a maior testagem é importante para o monitoramento do comportamento da doença na região. “O aumento do número de locais de diagnóstico e tratamento, além do reforço nas equipes de saúde, resultaram no conhecimento mais profundo do cenário, o que é primordial para a elaboração de ações estratégicas para mitigar a doença”, conclui.  

Reforço no tratamento

O Ministério da Saúde ampliou a oferta de medicamentos para o tratamento da doença. Em março, a pasta implementou a tafenoquina, antimalárico em dose única para tratamento da malária Vivax. Quatro mil tratamentos foram disponibilizados para o DSEI Yanomami. Em dose única, tratamento facilita adesão de pacientes, aumenta chances de cura e pode ser um aliado na busca pela eliminação da doença. 

Em agosto deste ano, a população Yanomami voltou a receber o tratamento contra a malária artesunato + mefloquina, conhecido como ASMQ, para crianças entre 6 meses e 6 anos. O insumo estava em falta desde 2022. O medicamento é uma estratégia essencial, pois permite a dissolução do comprimido em água para facilitar o uso, o que aumenta a adesão à terapia.  

O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), restabeleceu o envio em julho. Ao todo, o Dsei Yanomami recebeu 4.570 unidades do medicamento neste mês.  

O medicamento é indicado para utilização em crianças de baixo peso (5 a 17kg) acometidas por malária Falcíparum e malária Mista. No período em que estava em falta, a terapia estava sendo feita com medicamento substitutivo que necessitava de duas doses por dia, dificultando a adesão e a finalização do tratamento.  

O AMSQ foi incorporado ao Programa Nacional de Prevenção e Controle da Malária e disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2009, mas teve sua fabricação interrompida em 2021.  Ele associa as substâncias cloridrato de mefloquina e artesunato, antes administradas separadamente contra a doença. 

Boletim

O Ministério da Saúde divulgou, em 5 de agosto, um novo informe do Comitê de Operações Emergenciais (COE) Yanomami. No primeiro trimestre deste ano, foram notificados 74 óbitos no território. Na comparação com igual período do ano passado, houve uma queda de 33%. Nos três primeiros meses de 2023 foram registradas 111 mortes. O documento ressalta que os principais agravos tiveram queda, dentre eles óbitos por malária, desnutrição e infecções respiratórias agudas graves.  

O povo Yanomami tem a maior terra indígena do Brasil, com 10 milhões de hectares, mais de 380 comunidades e 30 mil indígenas. Desde janeiro de 2023, o Ministério da Saúde investe para mitigar a grave crise causada na região pelo garimpo ilegal. A pasta aumentou o efetivo de profissionais, dobrou o investimento em ações de saúde e trabalhou para garantir a assistência e combater doenças, como a malária e a desnutrição, no território. 

*Com informações do Ministério da Saúde

Pesquisa diz que mudanças climáticas aumentaram condições favoráveis a incêndios florestais sem precedentes

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As mudanças climáticas aumentaram em pelo menos três vezes as chances de ocorrência das condições favoráveis para incêndios florestais sem precedentes no Canadá e em até 20 vezes na Amazônia Ocidental entre março de 2023 e fevereiro de 2024, elevando as emissões de gases de efeito estufa, causando devastação ambiental e provocando mortes de moradores.

Pesquisa internacional divulgada no dia 14 de agosto, conclui que, apesar de a área global queimada ter sido próxima à média de anos anteriores – cerca de 3,9 milhões de quilômetros quadrados, o que corresponde a mais do que o território da Índia –, as emissões por incêndios no mundo ficaram 16% acima da média. Totalizaram 8,6 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (Gt CO2), ou seja, a sétima mais alta desde 2003.

O primeiro relatório State of Wildfires, que passará a ser anual, foi publicado na revista científica Earth System Science Data. Analisa os incêndios florestais (com vegetações/ecossistemas diversos), identificando eventos extremos, e avalia as causas, previsibilidade e atribuição desses eventos às mudanças climáticas e ao uso da terra, apontando riscos futuros sob diferentes cenários.

Para isso, foram desenvolvidas ferramentas e reunidos dados de todos os países, com uso de inteligência artificial, visando compreender e prever incêndios extremos para fornecer informações práticas a tomadores de decisão e à sociedade. 

De acordo com a pesquisa, a ‘temporada’ de incêndios na Amazônia Ocidental (que inclui os Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia) foi impulsionada por secas prolongadas ligadas ao El Niño. Essas secas aliadas às condições meteorológicas explicaram 68% dos incêndios, mas ações antrópicas, como desmatamento, agricultura e fragmentação de paisagens naturais, também tiveram influência. De maneira geral pelo mundo, as causas que levaram aos incêndios foram múltiplas.

Coliderado pela Universidade de East Anglia, pelo Met Office, pelo Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido (UKCEH) e o Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF), o estudo teve a participação de três brasileiros entre os 44 pesquisadores.

“A ideia foi criar um panorama global por meio da reunião de especialistas regionais para destacar a situação do fogo no mundo. Foi importante reunir essa expertise regional, com um time diverso tanto de países como de áreas de conhecimento. Outro ponto interessante é a atualização rápida dos dados do ano anterior, com um desenvolvimento contínuo dos modelos. Com isso, esperamos ter a cada ano previsões e diagnósticos mais robustos para acesso não só da pesquisa como para pensar em estratégias visando lidar com os impactos”, explica à Agência FAPESP Maria Lucia Ferreira Barbosa, uma das brasileiras que assinam o artigo. Ela cursou o doutorado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e atualmente está na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Pesquisadora no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e também autora do trabalho, a bióloga Liana Anderson destaca a importância de “entender o passado e o presente para pensar formas de prevenção para o futuro”.

“Olhando as regiões ao longo do tempo é possível identificar novos pontos de atenção. Temos uma base de dados aberta, pública, acessível e on-line, permitindo que diferentes tipos de pesquisa sejam realizados para responder a uma infinidade de questões. Precisamos entender o que o fogo significa em termos de barreiras para atingirmos as metas do desenvolvimento socioeconômico e ambientais no Brasil e as consequências das queimadas na perda de biodiversidade, no empobrecimento da população e na segurança alimentar, por exemplo.”

Ao tratar da América do Sul na pesquisa, o grupo aponta que, no geral, a região teve uma extensão de incêndios pouco abaixo da média. Mas o Estado do Amazonas foi uma exceção, com número de incêndios atingindo níveis recordes devido à seca histórica e impactando severamente a qualidade do ar.

Brigadistas do PrevFogo/Ibama combatem incêndios florestais em Corumbá (MS). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Cidade mais populosa da Amazônia, Manaus ficou com a segunda pior qualidade de ar no mundo em outubro de 2023, expondo mais de 2 milhões de moradores. Os cientistas citam que o acontecimento foi tão grave que, em novembro de 2023, o Ministério Público Federal abriu ação civil contra o Estado do Amazonas, exigindo provas de que havia investimento em prevenção e combate a incêndios, conforme previsto no ‘Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e Incêndios’. Neste mês de agosto, Manaus voltou a ser atingida pela fumaça das queimadas.

Também foram registrados eventos extremos na Venezuela e em partes da Bolívia e do Peru, sob impactos da seca. No Chile, o incêndio em Valparaíso, em fevereiro de 2024, resultou em pelo menos 131 mortes e destruição generalizada de propriedades.

O grupo usou uma combinação de dados de observações globais por satélite, modelos e insights de especialistas regionais.

Mataveli antecipa que para a temporada 2024-2025 o Pantanal deve aparecer com destaque pelas ocorrências que estão sendo registradas. De janeiro a julho deste ano, o bioma teve 4.756 focos, o maior desde 1998, início da série histórica, segundo dados do Inpe.

O pesquisador fez recentemente parte de seu pós-doutorado sobre emissão de gases de efeito estufa por queimadas no Tyndall Centre for Climate Change Research, da Universidade de East Anglia, sob supervisão do professor Matthew Jones, um dos autores correspondentes da pesquisa. 

Temporada extrema

Além de catalogar incêndios de alto impacto globalmente, o estudo se concentrou em explicar as causas em três regiões: Canadá, Amazônia Ocidental e Grécia. Nelas, o clima propício a incêndios – caracterizado por condições quentes e secas que promovem o fogo – mudou significativamente se comparado ao mundo sem mudanças climáticas.

Com isso, os pesquisadores chegaram à conclusão de que as mudanças climáticas ampliaram o risco de ocorrência das condições favoráveis para os incêndios em 2023-24 em pelo menos três vezes no Canadá, 20 vezes na Amazônia e duas vezes na Grécia, país que voltou a sofrer consequências neste mês com ordens de evacuação nas imediações de Atenas e pedido de ajuda à União Europeia para conter o fogo.

Em relação às emissões globais de carbono dos incêndios, as florestas boreais canadenses contribuíram com mais de nove vezes em relação à média, representando quase um quarto das emissões globais. Por outro lado, houve redução das emissões nas savanas africanas.

Usando dados de previsão climática, os cientistas apontam que houve sinais dos incêndios no Canadá com um a dois meses de antecedência, enquanto os eventos na Grécia e na Amazônia tiveram horizontes de previsibilidade mais curtos.

Futuro

Os modelos climáticos usados no relatório sugerem que a frequência e a intensidade dos incêndios florestais extremos aumentarão até o fim do século, particularmente em cenários onde as emissões de gases de efeito estufa permanecem altas.

Até 2100, eventos de magnitude similar ao de 2023 no Canadá deverão ser de 6,3 a 10,8 vezes mais frequentes sob um cenário de emissões médio-alto. Já a Amazônia Ocidental poderá ter uma temporada de incêndios extremos quase três vezes mais frequente e na Grécia estão projetados para dobrar. Por outro lado, um cenário de baixas emissões pode limitar a probabilidade futura de incêndios extremos.

Para a temporada de 2024-25, as previsões sugerem uma probabilidade continuada acima da média de clima propício a incêndios – condições quentes, secas e com ventos – em partes da América do Norte e do Sul, que apresentaram condições favoráveis para incêndios na Califórnia, nas cidades canadenses de Alberta e Colúmbia Britânica e no Pantanal brasileiro em junho e julho.

*O conteúdo foi orginalmente publicado pela Agência Fapesp, escrito por Luciana Constantino

Estudantes do Amapá recebem premiação nacional de conservação da natureza

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Estudantes de engenharia florestal do Amapá em Lages (SC). Foto: Divulgação/Ifap

Estudantes de engenharia florestal da Universidade do Estado do Amapá (Ueap) e do Instituto Federal do Amapá (Ifap) receberam na cidade catarinense de Lages a premiação de melhor apresentação na categoria conservação da natureza, meio ambiente e manejo florestal. Os alunos produziram trabalhos científicos sobre as árvores gigantes da Amazônia e o mapeamento de açaizais com ferramentas de sensoriamento remoto.

O 12° Simpósio Brasileiro de Pós-Graduação em Ciências Florestais ocorreu entre os dias 20 e 24 de agosto. O evento contou com mais de 300 inscritos e reuniu representantes de mais de 50 instituições de pesquisa e educação de 21 estados brasileiros, evidenciando a relevância e o impacto da ciência florestal no país.

“Receber este prêmio é uma grande honra e um reconhecimento pelo trabalho árduo e dedicação da nossa equipe. Apresentamos vários trabalhos, dentre eles um sobre as expedições científicas às árvores gigantes na Amazônia, no qual destacamos o panorama e suas perspectivas. Trabalho no qual foi reconhecido como o melhor no eixo temático mais concorrido do evento”, disse a estudante Manuelle Pereira, do Ifap.

Já o acadêmico Josué Henrique Ramos, da Ueap, apresentou um trabalho sobre a detecção de áreas manejadas em açaizais na Amazônia com ferramentas de sensoriamento remoto.

Os estudantes foram acompanhados pelos professores Robson Borges de Lima (Ueap) e Diego Armando Silva da Silva (Ifap), que destacaram a importância de eventos nacionais para o intercâmbio de conhecimentos e o networking entre profissionais e futuros pós-graduandos.

“Estar entre os trabalhos premiados em evento nacional demonstra a qualidade e importância dos trabalhos científico desenvolvidos no Amapá para ciência florestal”, descreveu o professor Diego Armando.

O congresso nacional foi organizado pela Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc), Campus Lages e pelo programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais PPCF-Lages.

*Por Rafael Aleixo, do g1 Amapá

Ex-vocalista da banda AC/DC, Dave Evans faz show na Expofeira 2024 no Amapá

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Foto: Sandra K 

O ex-vocalista da banda internacional de rock AC/DC, Dave Evans, é mais uma atração confirmada na 53ª edição da Expofeira no Amapá.

O cantor se apresenta no dia 31 de agosto, no sábado, no Parque de Exposições da Fazendinha, na Zona Sul de Macapá. O anúncio da atração nacional foi feito nesta sexta-feira (23), através do governo do estado.

Os clássicos do rock vão ser levados ao público amapaense pela voz do cantor que foi membro fundador da banda, que gravou o primeiro single no ano de 1974, com as músicas “Can I Sit Next to You, Girl?” e “Rockin’ in the Parlour”.

Dave iniciou a carreira solo nos anos 2000, quando produziu três álbuns, EPs e ao vivo.

*Por Isadora Pereira, do g1 Amapá

Rede une indígenas e agricultores familiares na resistência ao avanço da soja na Amazônia mato-grossense

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Era uma tarde quente do mês de abril de 2021. O calor é comum no município de Paranaíta, Mato Grosso, região amazônica. A mãe de Roseli notou uma diferença no pé de mamão, que murchara rapidamente naquele dia. Horas antes, naquela tarde e antes do comunicado da mãe sobre a planta, Roseli ouviu e viu um avião rondando a fazenda ao lado da pequena chácara que herdou de seu pai.

O efeito no pé de mamão dava a impressão de que alguém jogou água quente na planta. “Ah mãe, mas o Val não ia fazer isso”, respondeu Rose à mãe, referindo-se ao marido, Osvaldo Brito. As lágrimas vêm fácil pra Rose, como também vêm pra Val quando relembra o caso. “Eu achei que ele tava semeando pé de capim”, comentou a agricultora sobre o avião avistado naquela tarde, há dois anos.

Bastaram algumas horas para as frutas do sistema agroflorestal (SAF) do casal, iniciado dois anos antes do ocorrido, demonstrarem o contato com o químico expelido pelo vizinho. Banana ‘virou o olho’, refere-se aos efeitos no broto da planta, o ‘margaridão’ ficou feio, como classificou, e o pé de mamão enrolou a folha. Os sistemas agroflorestais são um modelo de produção que associa árvores com culturas agrícolas de forma agroecológica, ou seja, sem o uso de pesticidas e outros agroquímicos. Imitam floresta, em algum nível.

O insumo despejado foi o 2,4-D, classificado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês) como possivelmente cancerígeno, associado a problemas hormonais e reprodutivos e objeto de campanhas de entidades da sociedade civil que atuam na mobilização contra o uso de agrotóxicos no país.

A ação representou desrespeito ao decreto estadual 1.651, de 2013, que determina a distância mínima de 90 metros de casas, fontes d’água e estradas para pulverização aérea de insumos no estado. O caso que tramita na Justiça segue, três anos depois, sem resolução. Em 2024, os responsáveis ainda não foram responsabilizados. 

Mais de vinte propriedades da comunidade Vila Rural Boa Esperança, onde fica o terreno da família, foram atingidas. Alguns cachos de banana, perto da época de colheita, apresentaram caroços nos frutos. Plantações de pés de maracujá, café, abobrinha, abóbora e outras dezenas de variedades foram totalmente perdidas. 

Alguns dos atingidos relataram coceiras na pele, mal-estar, ânsia de vômito e dores de cabeça após a pulverização. Val precisou ir ao hospital buscar atendimento médico duas vezes. Val também quis desistir da plantação, uma ideia que achara animadora pela qualidade dos alimentos produzidos no sistema alguns anos antes. Mas sua companheira há 13 anos, não deixou. 

Roseli, conhecida como Rose, nasceu no Paraná. Seu pai era trabalhador de máquina de arroz. “Sempre ensinou a gente a plantar”, comenta ela. Tinha uma feirinha e começamos a vender nessa feira. “Aqui cortaram uma fazenda e tiraram um pedaço de terra para cada família. Ele fez a inscrição e ganhou essa chácara”, conta.

Chegaram no Mato Grosso com pouco: só com a malinha de roupa, diz ela, adolescente à época. Nove dias dormindo em cima de piso forrado com coberta. A mãe esperava, ainda, um filho. Para alimentar a família, o pai caçava. Cotia marcava presença nos almoços. Duas vezes por semana, Rose ia numa lanchonete da rodoviária do município onde se vendia frango frito e pegava os miúdos como doação.

Antes da terra conquistada, Rose, assim como seus irmãos, parou de estudar para ajudar nas vendas dos frutos da horta que seu pai conseguia plantar na terra de um vizinho. Melancia, laranja – lembra ainda das frutas vendidas para sustento da família.

Depois que conseguiu, começar a tratar a terra e plantar no terreno próprio, um sonho realizado. A família de Rose seguiu o caminho das tantas famílias da região. “A gente plantou, mas as terras vão ficando mais velhas. Aí ainda foi proibido de queimar”, relembra Jonas Dobrovoski, agricultor de Alta Floresta. Hoje referência na produção de bananas, escoadas para hospitais, escolas e mercados da cidade.  

Com números recordes de incêndio e a atenção ao desmatamento desenfreado na região amazônica que se transformara no que até hoje é conhecido como ‘arco do desmatamento’. Em 2004, diante dos números alarmantes de degradação ambiental na Amazônia, o governo federal lançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O plano resultou na diminuição do desmatamento na região por meio do aumento da fiscalização da derrubada de mata e das queimadas, usada como forma de ‘limpeza’ dos terrenos.

Foto: Macaca Filmes

O uso do fogo, uma prática tradicional na agricultura familiar em todo território brasileiro como uma técnica que permite a eliminação de restos vegetais e a preparação do solo, entrava na lista de atos condenáveis, mesmo que a responsabilidade dos pequenos lotes fosse mínima.

Jonas credita a mudança também ao período em que agroquímicos começavam a ser apresentados por técnicos como soluções para os problemas que surgiam aos poucos. O veneno era incorporado pela agricultura familiar aos poucos, à medida que a terra “empobrecia” de nutrientes e vitaminas pelo uso excessivo.“Então quem fazia a cultura plantava, queimava o roçado e derrubava. Ah não podia mais queimar. Vai fazer o que agora? Adubo”, lembra Jonas. 

“Foi gradativo. Junto com adubo, começaram as pragas, doenças, e aí foi entrando devagarzinho os venenos”, diz. Anos depois, ficava mais clara a diferença entre produção orgânica e a chamada convencional, com uso de agrotóxicos.

“Tinha vezes que vinha um aqui e passava cinco tipos de veneno. Você tem que passar isso e isso, e isso. Nesse dia você passa esse, nesse dia você passa esse, no outro dia você passa esse. Esse aqui você passa cedo e a tarde. Falei, aí vai virar só veneno. Não precisa nem aguar, é só meter veneno e pronto”, lembra Val.

O agricultor explica que, como ele, os que não tinham conhecimento iam sendo levados pelo convencimento dos ditos técnicos.

Assim, alimenta-se uma cadeia: para você conseguir produzir, precisa gastar dinheiro com o uso de químicos. Quem vende é o maior interessado nessa dependência onde uma necessidade leva à outra. “Seu dinheiro fica todo na loja”, conta ele.

Uma relação de dependência. A segunda de Val.

Envenenamento

Anos antes disso, Val olhava para a garrafa de pinga no final e pensava: como vou conseguir mais? Então trabalhava mais um dia – o suficiente para comprar outra. Mais uma. Já morava na rua – resultado da decisão tomada após se envergonhar de ser um pai de família a morar na casa do próprio pai.

Bebeu por toda a noite daquela sexta-feira e acordou ruim no sábado. Pegou sua bicicleta e encostou perto do hospital. Depois não viu mais nada até acordar na cama do pequeno hospital de Paranaíta, norte de Mato Grosso. Val já tinha perdido as contas de quantas cidades onde morou em variados estados: Nasceu no Paraná, depois foi pra Rondônia, São Paulo, Mato Grosso do Sul e, finalmente, Mato Grosso.

Jovem, quando ouviu o nome Mato Grosso, pensou: “Lá deve ser tudo grosso, completo, né?”, conta. “Eu me empolgava com aquele negócio. Quando cheguei aqui pensei: isso é coisa de outro mundo”, comparava com o Paraná, no Sul, onde nascera. “No Paraná não tinha quase nada de mata, era tudo derrubado”, comenta.

No estado sulista, crescera perto da terra e com poucas condições. Do sítio até a escola, lembra, dava oito quilômetros. Era criado com a avó, mãe do pai. Para levar os cadernos e livros até o local de estudo, usava uma sacola de plástico grossa. A única coisa que era comprada em casa era o açúcar, talvez um tecido para comprar roupa: a comida vinha da horta aos fundos.

Cafezais na ‘terra dos outros’, era onde a família trabalhava.

Anos depois, seu pai trocara um carro Opala por um caminhão quando decidira ir atrás de melhores oportunidades – uma vida melhor. Sua mãe abandonara a família e ele seguia o pai – aprendendo a fazer o que ele fazia. Um pouco de tudo.

Em Rondônia, já teve uma prévia da floresta amazônica – um dos três biomas que compõem Mato Grosso, junto do Cerrado e Pantanal. “Podia juntar oito homens que não abraçavam a árvore”, refere-se a uma castanheira localizada no terreno do avô paterno, onde morou por um período. A migração de famílias do Paraná, como a de Val e de Roseli, foi intensificada nas décadas de 1960 e 1970 para a Amazônia, impulsionada pela expansão da fronteira agrícola em estados amazônidas com produção agropecuária proeminente, como é o caso dos estados de Rondônia e Mato Grosso.

Foto: Macaca Filmes

A Amazônia, à época, era “desbravada” com incentivos e propagandas aos estados do Sul que prometiam uma nova vida de fartura e abundância para quem lá pouco tinha. “Corretor levou revista: tinha plantio de arroz, milho, guaraná, tudo. Muito comovente as paisagens das matas”, comenta Marina Aparecida, agricultora de Nova Bandeirantes, norte do estado. O medo de onça, cujo esturro ecoava pelas terras ao norte, era acompanhado de vários outros: medo da malária, do clima desconhecido.

Ana Barbosa demorou um pouco mais a vir para o município de Nova Monte Verde, também na região. Quando chegou, não gostou.

A família de Rodrigo Alves veio em busca de adquirir um pedaço de chão. “A terra subia [em valor] e o dinheiro não dava pra comprar lá embaixo”, comenta o morador da comunidade Nossa Senhora de Guadalupe, município de Alta Floresta, uma das maiores cidades da região.

Val chegou ao estado jovem e achou oportunidade de trabalho na indústria madeireira, que à época, com poucas legislações ambientais no país e na floresta amazônica, ganhava força. Trabalhava numa serraria. Num dia de sábado, o maquinista responsável por descarregar as toras de caminhões, numerosos à época, faltou o trabalho.

Val foi chamado pelo chefe. “Pega aquela máquina. Você vai descarregar aquele caminhão para mim”, ordenou. O paranaense respondeu: mas eu não sei. “Vai e se vira”, disse o patrão. Val lembra do momento: pegava a tora na concha dela e botava no lugar. Assim encheu dois caminhões. Depois disso, trabalhou nove anos e cinco meses nessa função.

Após um acidente de carro que levou à morte do filho do chefe, a depressão do fundador da serraria começou a levar a empresa à falência. E aí a bebida começou a chegar mais perto. “Ia trabalhar na máquina e trabalhava com um litro de pinga do lado”, diz. Era ainda a década de 1980 e a indústria madeireira era pouco fiscalizada e controlada, o que levou a região a rankings de níveis de desmatamento no bioma.

O encanto com o tamanho das árvores da Amazônia, antes símbolo de fartura e surpresa, virava mais trabalho. A castanheira, mesma espécie da árvore “inabraçável” por oito homens em Rondônia, agora era derrubada. “O pé dela tinha que dobrar em quatro pra poder jogar em cima do caminhão, chegava a ter tora de quatro metros”, comenta.

Madeira, pecuária e garimpo marcaram a história e o presente da região norte de Mato Grosso, cuja associação, para o restante do país, à Amazônia, parece estranha para boa parte do país, mesmo que o bioma tenha mais de 500 mil km² no estado.

Em 2022, um projeto de lei tramitava no Congresso Nacional e tentava retirar o estado de Mato Grosso da Amazônia Legal. Mais uma tentativa de grupos ligados ao agronegócio para diminuir a proteção ambiental do estado conhecido como “motor” do setor no país.

Nas últimas décadas, “tapetões” de soja, como são chamadas as plantações monocromáticas na paisagem da região, passaram a se tornar uma referência mais comum a Mato Grosso do que as densas matas de verdes exuberantes e variados. A soja é uma das principais commodities agrícolas de exportação do país, que se estima, em pesquisas científicas, que representa mais de 76% de todo o uso de agrotóxicos do país.

Com um casamento perdido pelo álcool e duas filhas distantes pelo abuso do álcool anos antes dessa abordagem dos técnicos na horta que plantava, Val saiu daquele hospital incentivado pelo amor e apoio da irmã e sobrinha e com uma decisão tomada: de buscar ajuda. Conta isso com lágrimas nos olhos diante da lembrança.

Foto-: Júlia Beatriz

Depois de retomar o contato com a terra num retiro de reabilitação, onde ficou por nove meses, voltou para a cidade para trabalhar. Ajudava sua irmã, que calhou de ser uma amiga que Rose conheceu em um curso de confeitaria, onde a agricultora aprendera a fazer bolos e buscava formas de incrementar a renda.

Também era a amiga que a incentivou a se juntar a ela na venda de salgadinhos e pastéis em uma festa da cidade, onde apresentou seu irmão. No primeiro ano foi só troca de olhares. Na edição seguinte, ele foi trabalhar junto e então o flerte evoluiu para um namoro. Ele perguntou a ela: você tá mexendo com horta? E ela respondeu: “tô!”

“Aí ele veio um dia e começou a molhar a horta pra mim. E eu falei assim: sabe do quê? Pega suas coisas e vêm morar aqui pra me ajudar”, relembra, rindo do início da história do casal.

Dia após dia na lida da horta. Voltava para a terra – agora junto de Rose.

Floresta pressionada: a rede como força

Enquanto isso, a centenas de quilômetros de distância dali, a permanência na terra se mostrava incerta. “O agronegócio nos afeta por estar em torno da nossa terra”, comenta Raimundo Iamonxi, indígena do povo Rikbatska, no noroeste do estado, ao se referir ao seu território.

A Terra Indígena (TI) Escondido está localizada no município de Cotriguaçu, cerca de cinco horas de distância de carro de Paranaíta. Faz parte da bacia do rio Juruena, conhecido pela formação das vistas de águas com pedras lisas e os numerosos “piuns”, um tipo de mosquito cuja picada é demasiada incômoda.  

Conhecido como aguerrido, o povo Rikbatska teve cerca de 75% da sua população dizimada pela pressão de madeireiros, mineradores e fazendeiros na região com os incentivos governamentais voltados ao “desbravamento” da floresta amazônica.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje cerca de 80 famílias vivem na terra indígena de Raimundo. Uma das formas encontradas para valorização do território e para permanência em suas terras é por meio da árvore que tanto impressionara Val – a mesma depois tombada e levantada pela máquina: a castanheira-do-Pará, também chamada de castanheira-do-Brasil.

A região é conhecida pelos abundantes cascos carregados das amêndoas cada dia mais valorizadas nacional e internacionalmente. Ainda assim, Raimundo diz que seu povo, cuja sobrevivência e vida está entrelaçada à vida da floresta e da castanha, acaba refém de atravessadores do produto que poderia ser uma fonte de renda significativa para o povo pela dificultosa distância do local dos grandes centros. A distância da cidade de Cotriguaçu até Cuiabá, por exemplo, é de mais de 800 quilômetros. A chegada às aldeias, então, ainda mais dificultadas.

Foto: Khayo Ribeiro

Para os Rikbatska, o termo ‘produção orgânica’ é uma concepção nova trazida de fora, assim como os latifúndios monocromáticos e os agrotóxicos. A fim de valorizar o produto historicamente retirado da floresta pelo povo, passaram a aventar a certificação do orgânico – uma estratégia possível. “Tem sido difícil comercializar a castanha pelo preço justo porque não tem certificado”, relata.

Para o analista socioambiental do Programa de Economias Sociais, Rodrigo Marcelino, a área ocupada pelo povo Rikbatska são de suma importância de proteção principalmente no contexto de crise climática. “Os povos indígenas são os grandes guardiões desse carbono acumulado pela floresta em pé nessa região. Eles sofrem a pressão para gerar recurso a partir de um uso de solo completamente diferente do que fazem pelo agronegócio, que gera desmatamento. Então fortalecer as cadeias da sociobiodiversidade e agregar esse valor aos produtos por meio da certificação orgânica é uma das soluções”, avalia.

Algumas lideranças do povo ouviram falar pela primeira vez da Rede de Produção Orgânica da Amazônia Mato-Grossense (Repoama) no Festival Juruena Vivo. A Repoama é a concretização de uma ideia surgida há anos. Hoje tem cerca de 50 famílias.

Diante do entendimento de que era imprescindível apoiar a agricultura familiar para o estabelecimento de cadeias produtivas sustentáveis numa das regiões mais pressionadas pelo desmatamento no país, a organização não governamental Instituto Centro de Vida (ICV) se comprometeu com grupos das famílias agricultoras apoiadas pela instituição a apoiar a busca da certificação orgânica e incentivou a formação da Rede.

Existem três métodos de obter o selo de orgânico atualmente no país. O mais comum, e geralmente o utilizado pelas grandes empresas, é por auditoria. O selo que estampa as embalagens de multinacionais nos mercados em produtos orgânicos é possível por custos altíssimos, inacessíveis para as famílias que produzem os alimentos.

Um outro jeito permite que famílias agricultoras façam a venda direta do produto orgânico, sem necessidade de certificação formal. Mas assim, as associações e cooperativas ficam impedidas de vender a produção como orgânica para mercados institucionais, como órgãos públicos, seja por meio de programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), escolas, creches e hospitais.

Por fim, há o sistema participativo de garantia (SPG). Nessa modalidade, as próprias famílias dos grupos envolvidos – sejam associações ou cooperativas – são responsáveis pela fiscalização da produção umas das outras. “O SPG gera soluções”, comenta Eduardo Darvin, coordenador do programa de Economias Sociais do Instituto Centro de Vida.

Para receber e garantir o selo de orgânico, é necessário seguir uma série de regras nas propriedades, todas dispostas na Lei de Orgânicos (Lei 10.831/2003). E o sistema funciona por meio de três etapas: visitas entre pares, onde as propriedades são averiguadas pelas próprias famílias da rede, visitas do comitê de ética; por fim, a autorização para uso do selo.

Cada grupo tem um comitê de ética formado por um dos integrantes de cada um dos grupos do núcleo e responsáveis por visitar uma amostra das propriedades já aprovadas na etapa anterior de cada uma das organizações. Para Eduardo, a fiscalização é uma espécie de fase de aconselhamento, processo responsável pelo fortalecimento da agricultura familiar de todo território.

“Se precisa de tratamento de água negra, de afluente, por exemplo, a visita irá apoiar e entender quais são as possibilidades para aquela propriedade: seja uma fossa séptica, um silvo de bananeira, por exemplo. O grupo orienta e dá um prazo para que a propriedade se adeque. Se teve alguma coisa que o grupo não orientou, a comissão dá esse segundo apoio”, explica o especialista.

A certificação atua como gancho para a troca de conhecimento que cria resistência.A experiência prática da modalidade da rede foi testemunhada por representantes da agricultura familiar em uma visita ao Rio Grande do Sul em 2019, experiência que mostrou o caminho como possibilidade real.

A rede foi formalizada em 2019 e é composta por 13 organizações comunitárias dos municípios de Alta Floresta, Paranaíta, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes, Cotriguaçu e Colniza, todos municípios localizados nas regiões norte e noroeste de Mato Grosso.

Com atraso decorrente da pandemia da Covid-19 em 2020, a rede só foi credenciada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no início de 2023, quando iniciou a certificação das famílias. E não só: a Repoama ainda criou o fundo rotativo solidário (FRS), um mecanismo financeiro comunitário para promover a produção orgânica e o desenvolvimento socioeconômico das famílias.

No sistema, as famílias podem fazer empréstimos financeiros de um fundo mantido por todas. É uma alternativa ao crédito rural baseada na economia solidária: a rede é quem decide as próprias normas e regras para obtenção do crédito, como tempo de carência, valores limites para financiamento, taxa de juros e prazos de pagamento.

Um pouco dos sonhos quase realizados

Uma dessas famílias certificadas e já com os documentos em mãos é a de Val e Rose. Repetem uma palavra com frequência: sonho.

“Foi Rose que não me deixou desistir. E hoje dou graças a Deus”, comenta Val, que afirma se sentir melhor do que nunca. Também fisicamente.

Foi mais um caso de alguém que não deixa o outro desistir: como uma vez fora sua sobrinha. Como agora é para as famílias agricultoras ao redor, ainda não certificadas. “A certificação mudou nossa vida, nossa história, mudou tudo”, comenta Rose. “Estamos finalmente felizes agora. Tudo mudou.”

A banana é o carro chefe da produção, seguida do limão taiti. Frutas que abastecem as merendas escolares e as casas de pessoas que vão até a propriedade só para comprar do casal. A demanda é tão alta que o casal não dá conta de atender tudo. 

Enquanto celebram o novo momento, constroem sua nova casa na chácara. Irão deixar a herdada do pai de Rose para o restante da família e conseguiram iniciar a construção graças aos dez mil reais emprestados do fundo solidário, empréstimo já pago.

Idosos, turmas de estudantes de municípios vizinhos, grupos de turistas e entusiastas da produção orgânica visitam a pequena chácara do casal para absorver o conhecimento desenvolvido pelo trabalho diário dos dois.  “Eles tinham o conhecimento mas ainda não aplicavam na realidade. Ele foi vendo que a eficiência da propriedade foi se resolvendo mudando a prática e os custos foram sendo diminuídos também”, comenta Luan Cândido, técnico do ICV que assessora o casal na propriedade.

Para os dois, a compra frequente de uma médica de Alta Floresta é motivo de orgulho – atesta a qualidade da produção. Boa parte começou a ser documentado no perfil do Instagram do casal, onde um gif do selo de orgânico é inserido em frente às fotos e vídeos produzidos cotidianamente por Rose.

“Produzimos alimentos com saúde para alimentar a população da nossa cidade”, comenta. “As pessoas vêm e querem sempre comprar mais. Porque sabem que é bom.” A cada corte de banana realizado de forma mensal, mais de 400 quilos da fruta abastecem o mercado de Paranaíta e região. Como fornecem a produção em parte pela Coopervila, a cooperativa dos agricultores da região ainda em transição para o orgânico, o selo ainda só é usado na venda direta. “Mas já fez efeito nas contas”, diz Val.

O segredo da produção agroecológico, para Val, está no solo. “A castanha precisa do adubo químico pra produzir?”, pergunta ele de forma retórica. “Ela precisa da própria folhagem dela. A folha dela vai fazer a compostagem dela. Vai manter ela, a comida dela tá ali. Vai decompondo e ela vai comendo. Vai se alimentando. O que ela precisa né. O solo que ela precisa? Eu chego num solo desse daqui que é raspado tudo. O cara só química, química, química. Chega um coitado aí num pedaço de terra desse aqui. Igual era aqui. Aqui era só pasto. Acontece o que? Não tem nada tem nada. Você vai fazer uma análise de solo, o que que tem aqui de compostagem? Matéria orgânica? Nada! Zero! Como você vai plantar um pé de coisa e vai produzir? Então química”, resume Val.

Usa como exemplo a árvore que o encantou ao saber de Mato Grosso, a espécie de flora cuja tora ajudou a subir no caminhão antes de ser, ele mesmo, intoxicado pelo álcool. Conhecimento aprendido – o mesmo saber da floresta originária – inato às populações indígenas da região. 

O ingresso do povo Rikbatska em 2024 inaugurou uma nova etapa da rede, que agora conta com saberes e participação dos povos originários da região. A formalização do povo indígena na rede foi dada pela inserção da Associação Indígena Abanatsa, composta por doze famílias da aldeia Babaçuzal da TI Escondido.

Depois dos Rikbatska, surgiu interesse e aproximação dos povos Apiaká, Kayabi e Munduruku. Pelo interesse e nova associação integrante, a Repoama entrou nesse ano com o pedido para o Mapa para obter a permissão de certificação de produtos extrativistas como a castanha, coletada milenarmente pelos povos envolvidos nessa cadeia produtiva.

Foto: Khayo Ribeiro

Mas as aldeias também não pensam em apenas um produto, como em geral acontece com fazendeiros e commodities. A busca é pela valorização do que eles melhor fazem: de toda a diversidade.

“Nós também temos interesse em certificar outros produtos tradicionais da roça”, comenta Raimundo. Banana, milho, cará, batata iami, amendoim, açaí, patuá e buriti são alguns dos citados pelo indígena.

Os conhecimentos da roça foram repassados num intercâmbio na propriedade de Val e Roseli nesse ano. “Podemos ensinar o que sabemos e também aprender muito”, comentou Rose, que sempre registra os encontros para falar de produção orgânica.

Além do encontro entre os grupos, a Repoama também promoveu um encontro de mulheres entre as mulheres da agricultura familiar e as mulheres indígenas. 

“A troca de experiência foi importante porque muitas coisas que a gente sabe elas [mulheres indígenas] não sabiam. E o contrário também. Muitas coisas que a gente não sabia elas sabiam. Então, por meio do diálogo, da conversa, a gente aprendeu como fazer e ensinou também”, comentou Rosângela Santos, da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Artesãs de Nova Monte Verde (Amuverde), uma das organizações da rede, para uma reportagem local.

Forma-se, assim, um intercâmbio cuja temática – a produção agroecológica – é apenas um gancho que aponta dores semelhantes de pessoas bem diferentes. Vítimas de um mesmo processo. Mas capazes de se fortalecerem. A expansão da soja segue em curso.

De acordo com dados do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), a área plantada de soja deve aumentar em 1,5%, alcançando quase 13 milhões de hectares na safra de 2024/2025. O risco ainda existe e aumenta. “Aviões ilegais são cada vez mais vistos, os silos de sojas viram paisagens”, comenta Eduardo.

“Mas a rede mostra que esses grupos estão organizados e formam uma barreira”, diz ele.  É uma força que, em meio às intoxicações da terra e do corpo, insistem na realização de sonhos – de Val, Rose, Raimundo e tantos mais.

“Muito obrigado”, escreveu Raimundo com uma caneta num papel nas respostas para a entrevista sobre o ingresso na rede. “Esses são um pouco de nossos sonhos quase realizados”.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Nonada Jornalismo, escrito por Júlia Beatriz de Freitas

Região Norte terá cirurgias inéditas de redesignação sexual pelo SUS

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Vinte e três pessoas intersexo e trans vão passar pelo processo de redesignação sexual durante a 1ª Jornada Multiprofissional de Cirurgias de Modificações Corporais em Pessoas Trans e Intersexo organizada pelo Ministério da Saúde e pelo Hospital Universitário Getúlio Vargas, vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebseh) e à Universidade Federal do Amazonas (HUGV-Ufam). Esta será a primeira vez que procedimentos vão ocorrer por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) na Região Norte.

As cirurgias voltadas a indígenas intersexo e mulheres trans serão realizadas em três salas simultâneas por uma equipe de oito cirurgiões urológicos, selecionados pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Entre as pessoas que passarão pelos procedimentos, três são indígenas intersexo.

O evento clínico, que vai ocorrer em Manaus, no Amazonas, entre a próxima terça-feira (27) e o sábado (31), reunirá 150 profissionais e acadêmicos e ainda vai capacitar cerca de 150 profissionais do direito, serviço social e da saúde como médicos, psicólogos, enfermeiros, e fisioterapeutas, o que é considerado pelos organizadores um marco para a região.

Pacientes que querem fazer as cirurgias de conformidade e redesignação sexual, também denominadas de cirurgias do processo transexualizador, aguardam há muito tempo por esta oportunidade no SUS.

“Hoje o acesso a este tipo de cirurgia que envolve a reconstrução genital de pessoas com intersexo e pessoas trans ainda é muito restrito e as filas são enormes. Para intersexo principalmente há pouquíssimas pessoas fazendo porque a visibilidade é muito menor do que as pessoas trans. Essas pessoas ficam no limbo, invisíveis e sem conseguirem atendimento”, disse o urologista Ubirajara Barroso Jr, organizador da equipe cirúrgica de urologia da Jornada, referência em cirurgias de redesignação sexual e intersexo e chefe do Departamento de Cirurgia Afirmativa de Gênero da SBU, em entrevista à Agência Brasil.

“Eu não vejo, no geral, grandes ações para juntar experts e eles irem ao local para fazer uma demanda grande de cirurgias em pessoas que precisam, então, este é um evento que estamos dando uma assistência de qualidade em um lugar onde as pessoas estão precisando”, afirmou Barroso Jr.

A equipe do urologista é que fará o atendimento aos três indígenas intersexo, que passarão por procedimentos para adequação do órgão genital ao sexo biológico. “Numa cultura completamente diferente, que tiveram problemas com relação a isso, que andam nus e são expostos a genitália desde cedo”, comentou o médico sobre o que é para um indígena ser intersexo, que em alguns casos chega a ser expulso de tribos.

Pesquisa

A jornada vai servir também para os médicos coletarem informações da população indígena intersexo para publicação de um estudo científico pioneiro que envolverão também médicos residentes e alunos de graduação. “Como foi o reflexo de ter uma genitália atípica com características masculinas e femininas? O que é ter isso dentro de uma tribo indígena. Como foi a infância na tribo, o que sofreram ou não sofreram, como foi a vivência deles que são adultos e estão fazendo a cirurgia por decisão própria?”, disse o urologista, indicando alguns questionamentos que serão feitos na pesquisa.

Segundo o médico, até o momento não há informação de quantas pessoas intersexo indígenas vivem no Brasil. “Vou procurar me aprofundar lá, perguntando até para os próprios pacientes porque, às vezes, isso é familiar. Casos de intersexo tem uma chance maior de serem familiar. É possível que existam outras pessoas que a gente não saiba. Não sei quantos têm, nasceu mais um agora que ainda criança está sob investigação. Vou avaliar lá”, disse, acrescentando que é mais fácil realizar a cirurgia quando a pessoa ainda é criança, mas destacou que em situações em que há dúvida de identidade de gênero é melhor esperar para a pessoa decidir.

Como esses procedimentos ainda não são realizados na Região Norte, para o urologista, é fundamental a capacitação e familiarização das equipes locais nas técnicas estabelecidas e já definidas na tabela do SUS.

Nos quatro dias da Jornada, os participantes poderão acompanhar palestras e fazer minicursos direcionados à ampliação do conhecimento e da visibilidade sobre transexualidade e intersexualidade no âmbito do atendimento do serviço público de saúde.

O presidente da SBU, Luiz Otávio Torres, defendeu que o país precisa ser preparado para atender a essa parcela da população. Nesse caminho, a SBU tem intensificado nos seus congressos, treinamentos cirúrgicos para pessoas trans e intersexo e educação continuada online com estudos de caso para os associados.

“É urgente que nosso país esteja preparado e possa atender com qualidade e acolhimento as pessoas intersexo e trans. E é nossa missão enquanto sociedade de especialidade promover e participar ativamente dessas ações que promovem o conhecimento e a inclusão social”, afirmou Torres, em nota da entidade.

“Não se acham médicos em qualquer região que sejam qualificados para isso, que é uma cirurgia muito específica. São poucos cirurgiões no Brasil que realizam este tipo de procedimento”, completou Barroso Jr.

Intersexo

Anteriormente, a pessoa intersexo, era conhecido como hermafrodita, mas o termo hoje está em desuso por ser pejorativo. De acordo com a SBU, é uma condição biológica que atinge entre 0,5 e 1,7% da população mundial, “caracterizando-se por uma inconformidade entre o sexo cromossômico (XX ou XY) e o sexo fenotípico (vagina e pênis). Ou seja, a pessoa pode nascer XY e ter o órgão sexual feminino”.

Na visão de Barroso Jr, o caso da lutadora argelina Imane Khelif nas Olimpíadas de Paris que sofreu preconceito em suas lutas é um exemplo de como a sociedade ainda desconhece o intersexo.

Redesignação sexual

De acordo com a SBU, a redesignação sexual, também chamada de cirurgia genital afirmativa de gênero, é um procedimento que pode ser hormonal e/ou cirúrgico para adequar os órgãos genitais do sexo biológico do indivíduo ao gênero pelo qual o paciente se identifica.

O cirurgião especialista comparou a satisfação de uma pessoa trans após o procedimento a de um paciente de transplante renal. “Quando o paciente começa a urinar, se vê uma alegria na família, uma coisa espetacular. Quando se faz uma cirurgia de modificação genital afirmativa de gênero, é transformador na vida da pessoa que tem esse incômodo, essa agonia psicológica com o órgão genital. A demanda existe e é preciso que cada vez mais centros sejam habilitados a fazer”, pontuou Barroso Jr.

A demanda maior por cirurgia é de mulheres trans, o que para ele também é uma questão de desinformação. O médico exemplificou a portaria do SUS que trata do assunto. “As mulheres trans podem fazer a cirurgia, mas no caso dos homens é experimental. Nós fazemos aqui, na nossa Universidade, porque temos projetos de pesquisa, e não recebemos nada por isso. Isso já mostra um distanciamento do homem em relação à cirurgia”, esclareceu Barroso Jr. que foi o cirurgião responsável pela primeira cirurgia de redesignação sexual realizada na Bahia por meio do SUS.

Ubirajara Barroso Jr.

Chefe da Divisão de Cirurgia Urológica Reconstrutora e Urologia Pediátrica do Hospital da Universidade Federal da Bahia, Ubirajara Barroso Jr., realizou a primeira cirurgia afirmativa de gênero no estado pelo SUS, em agosto de 2023. Tem mais de 200 artigos publicados, mais de 20 capítulos de livros, dois livros editados e um livro co-editado, abordando técnicas cirúrgicas inovadoras e novos tratamentos para reconstrução genital e incontinência urinária. É conferencista nacional e internacional.

Além da participação presencial, equipes de saúde do interior, interessadas no encontro, poderão acompanhar as atividades em transmissões ao vivo pelo canal do HUGV no YouTube.

*Com informações da Agência Brasil

Estudo aponta que Brasil precisa fortalecer ações de proteção de florestas para cumprir metas internacionais

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Desmatamento registrado em região próxima à Floresta Estadual do Antimary, no Acre. Foto: Beatriz Cabral/Inpe

Sede da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em 2025 – a primeira a ser realizada na Amazônia –, o Brasil está em um momento crucial. Ainda tem a possibilidade de cumprir suas metas internacionais de redução de emissão de gases de efeito estufa, mas precisa ajustar as ações socioambientais e fortalecer políticas focadas na salvaguarda das florestas e na restauração dos biomas. Esse é um dos principais apontamentos de pesquisa publicada na revista Perspectives in Ecology and Conservation.

Liderado por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o estudo ressalta a necessidade de controlar o desmatamento ilegal e a degradação dos biomas, incorporando um olhar para florestas secundárias – que crescem após a remoção da cobertura original.

Sugere ainda reforçar e expandir políticas que mantenham os serviços ecossistêmicos. Esse processo deve vir acompanhado de mecanismos consistentes de atração de investimentos para financiar atividades de restauração e pagamentos por serviços ambientais em todos os biomas, incentivando iniciativas de bioeconomia e criando novas áreas de proteção ambiental.

Para a bióloga Liana Oighenstein Anderson, orientadora de Dutra e pesquisadora no Cemaden, mesmo quando há medidas preventivas, ainda assim elas têm sido insuficientes frente ao desafio das mudanças climáticas. “É o caso dos incêndios florestais registrados neste ano na Amazônia e no Pantanal.

A prevenção não foi suficiente para conter os números alarmantes. Quando fazemos estimativas como na pesquisa, temos a sensação de sermos extremamente conservadores frente ao que a realidade está mostrando e aos desafios enfrentados”, diz Anderson à Agência FAPESP.

O Brasil vem registrando neste ano recordes de queimadas. Entre janeiro e 4 de agosto, foram 65.325 focos de calor detectados no país, o maior número em quase 20 anos – o mais alto até então havia sido em 2005 (69.184 no mesmo período), segundo dados do Inpe. Os biomas Amazônia e Cerrado são os mais atingidos (28.396 e 22.217, respectivamente).

De janeiro a julho, o Pantanal teve 4.756 focos, o maior desde 1998, início da série histórica. Para o bioma, até o momento, 2020 teve o pior total anual de focos de queimadas.

“Em 2020, os incêndios no Pantanal chamaram a atenção do mundo e levaram a uma série de reações. O Ministério da Ciência e Tecnologia criou, por exemplo, a Rede Pantanal e, em escala local, o Estado de Mato Grosso do Sul instituiu um plano de manejo integrado do fogo. Em 2023, o governo federal lançou um plano de manejo para o bioma e, em abril, Mato Grosso do Sul decretou estado de emergência. Ou seja, houve um conjunto de ações de gestão, de governança, de regulamentação para tentar evitar os incêndios, mas, infelizmente, não foi suficiente. Tivemos avanços. Porém, há necessidade de aperfeiçoamentos na governança, nas estratégias adotadas e no financiamento das ações. É preciso acelerar o passo”, completa Anderson.

Coautor do artigo e pesquisador do Inpe, Luiz Aragão diz que a pesquisa é um alerta para a sociedade sobre questões relacionadas às emissões.

As mudanças no uso e na cobertura da terra (por exemplo, o desmatamento para o uso agropecuário e a degradação florestal) são as principais fontes de emissões do Brasil. Como um dos mais de 190 signatários do Acordo de Paris, firmado em 2005, o país assumiu o compromisso de ajudar a conter o aumento da temperatura média global em até 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais (anos 1850-1900) – marca que já tem sido ultrapassada nos últimos meses.

O acordo, que deve passar por revisão na COP30, prevê que os países definam metas de redução de emissões até 2030, tendo o Brasil se comprometido a diminuir em 53% (comparado aos níveis de 2005). Apesar disso, as emissões de dióxido de carbono (CO2) líquidas (descontadas as remoções) por mudanças no uso e na cobertura da terra dobraram entre 2017 e 2022, segundo o Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (Seeg). Em relação à restauração, o Brasil tem a meta de restaurar 12 milhões de hectares de florestas nativas, o que corresponde a quase a área territorial de Portugal.

Dificuldades

A pesquisa aponta que um dos desafios é conter a alta do desmatamento em todos os biomas. Os cientistas destacam o crescimento da remoção de vegetação nativa desde que o país submeteu, em 2016, suas metas do Acordo de Paris, atingindo taxas próximas ou superiores a 2 milhões de hectares ao ano (considerando os seis biomas).

Somente em 2022, foram 2,8 milhões de hectares desmatados, a maior taxa desde 2008, impulsionada principalmente pela destruição da Amazônia e do Cerrado. Isso representaria 23% da meta de restauração do país. Aliado a isso, há um déficit de aproximadamente 16 milhões de hectares em áreas de reserva legal em propriedades rurais que precisam de restauração florestal. Desse total, mais da metade está na Amazônia e outros 25% no Cerrado.

Outro dado destacado pelo estudo é o crescimento de áreas de florestas secundárias, que têm alta capacidade de sequestrar carbono da atmosfera, mas não contam com legislação específica de proteção. De acordo com a pesquisa, 5,46 milhões de hectares de florestas secundárias cresceram no Brasil entre 2017 e 2022 fora de terras públicas – 40% na Amazônia e 36% na Mata Atlântica. Apesar de esse total representar quase metade da meta de restauração do Brasil, a manutenção do sequestro de carbono das florestas secundárias corre risco, já que elas estão suscetíveis a novos desmatamentos e incêndios.

Caminhos

No trabalho, os pesquisadores sugerem medidas a serem adotadas, entre elas o combate ao desmatamento ilegal – fortalecendo o arcabouço legal, ampliando a fiscalização e a responsabilização. Há destaque para a necessidade de medidas de prevenção e a implementação de programas para restaurar áreas de vegetação nativa em larga escala, com a criação de incentivos financeiros para proprietários rurais por meio de pagamentos por serviços ambientais.

Esses incentivos serão importantes, inclusive, para garantir que áreas passíveis de serem desmatadas legalmente permaneçam em pé. De acordo com o estudo, o Cerrado e a Caatinga têm as maiores áreas de vegetação nativa passíveis de desmatamento legal. Para garantir que as florestas secundárias consigam contribuir a longo prazo com o sequestro de carbono, a pesquisa aponta a necessidade de uma legislação nacional que aumente a proteção delas fora das áreas de reserva legal ou de preservação permanente.

Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima informou que tem adotado medidas para cumprir o compromisso de “desmatamento zero em todos os biomas até 2030”. Entre elas está o programa “União com Municípios”, lançado em abril como parte do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), com R$ 785 milhões destinados a 70 municípios prioritários (até o momento 48 assinaram o termo de adesão).

Outras ações incluem alterações de regras do Conselho Monetário Nacional – como a restrição de crédito rural para proprietários com Cadastro Ambiental Rural (CAR) suspenso, com embargos e imóveis sobrepostos a Terras Indígenas, Unidades de Conservação e florestas públicas não destinadas.

Além disso, o ministério destaca a retomada do Fundo Amazônia, com novos contratos que somam R$ 1,4 bilhão e doações anunciadas que devem chegar a R$ 3,1 bilhões. Para o Cerrado, foi lançado um Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento. Em relação à restauração de florestas, cita o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, com o objetivo de ampliar e fortalecer políticas públicas, incentivos financeiros, mercados, tecnologias de recuperação e boas práticas agropecuárias, que deve passar por atualização neste ano.

Futuro

Segundo Dutra, os próximos passos da pesquisa estão direcionados para levantar perdas e impactos econômicos da destruição das florestas, aprofundando os dados do trabalho atual.

Para Anderson, é importante aprimorar o diálogo entre instituições – federais, estaduais, municipais, do terceiro setor e comunidades locais –, além da necessidade de responsabilização frente à inação ou omissão no desenvolvimento dos planos.

“Nossa capacidade de diálogo ainda é muito limitada, esbarrando em vieses políticos que estão muito aquém do que tecnicamente poderíamos fazer para avançar rapidamente”.

O estudo recebeu apoio da FAPESP por meio de seis projetos (20/15230-520/08916-822/11698-819/25701-823/03206-0; e 20/16457-3).

O artigo Challenges for reducing carbon emissions from Land-Use and Land Cover Change in Brazil pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2530064424000245#gs0010r.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Agência FAPESP, escrito por Luciana Constantino

Oficinas resgatam tradição do grafismo e teçume de arumã e tucum em artesanatos de mulheres indígenas

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O projeto ‘Parentas que Fazem’ vem realizando oficinas para resgatar tradições e trocas de saberes entre povos originários, como fazer artesanato com teçume de arumã e fibra de tucum, além do grafismo. O ‘Parentas que Fazem’ é implementado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), com apoio do Google.org, instituição filantrópica do Google, e em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas (Makira-E’ta). 

As oficinas estão acontecendo nas sedes das próprias associações localizadas no Amazonas, que atuam com artesanato, entre outros produtos, para gerar renda, e compõem o projeto. Entre elas, está a Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro – Numiã Kura (AMARN), com sede em Manaus, e considerada a mais antiga do país, com mais de 37 anos de atuação.

Foto: Lucas Bonny/FAS

Formada por mais de 35 artesãs de 10 povos indígenas, a AMARN vem recebendo oficinas para resgatar tradições antigas, inclusive, enfatizando a história de cada grafismo, seu significado e ensinando a inserir ele em peças de artesanato.

Uma das oficinas foi ministrada pela professora Ângela Moura, do povo Tukano, que é doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e participou da fundação da associação na capital do Amazonas. Na oficina, ela trouxe a importância do grafismo no cotidiano das mulheres indígenas, o significado e o símbolo das cores em diferentes modelos, além do uso da arte dos grafismos na tecelagem, cerâmica, acessórios e outras peças. Houve ensinamentos sobre grafismos dos povos Tukano, Yanomami e Kayapó. 

Segundo a professora, que também é secretária da AMARN, a oficina serviu como espaço de empoderamento cultural e fortalecimento da identidade das mulheres indígenas, que aprenderam e transmitiram conhecimentos sobre técnicas e significados dos grafismos.

Considerado um tipo de arte visual, o grafismo surgiu da cultura indígena. Mas, atualmente, faz parte de diversas manifestações artísticas como nos artesanatos, quadros, tatuagens, roupas, acessórios, entre outros. Nos desenhos de grafismo, as linhas seguem um equilíbrio e ritmo constantes, formando imagens que identificam povos indígenas.

Foto: Lucas Bonny/FAS

Durante os encontros semanais, na sede da associação, as artesãs fazem uma roda de conversa, fazendo um resgate da história de cada uma; abordando o que faziam em suas comunidades; os ensinamentos de seus pais e dos anciões das aldeias; além das danças, comidas e costumes. Todas as informações são abordadas durante as atividades, fazendo, literalmente, um levantamento histórico da ancestralidade e legado do povo de cada artesã.

Para a secretária da AMARN, iniciativas como o Parentas que Fazem são importantes para estimular a nova geração de mulheres indígenas.

Ela explicou que a associação recebe mulheres indígenas de diversas aldeias localizadas no interior do Amazonas. Em Manaus, muitas dessas mulheres precisam se adaptar e passam por uma série de problemas como preconceito, falta de emprego, aprender a falar o português, abusos, violências, entre outros. A associação se torna um refúgio para muitas delas e os ensinamentos sobre o artesanato são uma forma de gerar renda para elas.   

Intercâmbio de saberes

Foto: Lucas Bonny/FAS

Outra oficina importante executada pelo projeto Parentas que Fazem foi a produção de artesanato com a arte do teçume de arumã, considerada uma tradição milenar indígena. Teçume é como as artesãs, ou teçumeiras da Amazônia, chamam o ato de tramar as fibras vegetais, criando peças a partir dos talos de arumã. O arumã é uma espécie de cana de colmo liso e reto, que possui superfícies planas, flexíveis e que suportam o corte de talas milimétricas. No processo do teçume, o colmo da planta é descascado/raspado, areado e pode ser tingido ou mantido na cor natural.

Entre os momentos marcantes dessa atividade, houve a apresentação de desenhos que representam como é feito o manejo de tucum em cada comunidade, inclusive, com fluxogramas sobre a forma que eles fazem o manejo. Divididos em grupos, os participantes apresentaram seus desenhos e compartilharam suas práticas, desafios e soluções, fazendo uma grande troca de saberes.

Um dos nomes brasileiros mais promissores da moda no mundo, o estilista Maurício Duarte, que estreou no São Paulo Fashion Week, em 2023, com uma moda sofisticada que valoriza o legado dos povos originários, também participou de ações do projeto Parentas que Fazem, a convite da FAS.

Foto: Lucas Bonny/FAS

Maurício, que é do povo Kaixana, acompanhou a oficina de teçume de arumã realizada na aldeia Yabi, do povo Baré, em São Gabriel da Cachoeira, município a 852 quilômetros de Manaus. Além disso, ele promoveu uma troca de conhecimento com as artesãs, ensinou técnicas e fez rodas de conversas, promovendo um grande intercâmbio. 

O estilista foi recepcionado ainda na aldeia Yabi com o ritual Dabucuri, tradição milenar dos povos indígenas do Alto Rio Negro que celebra a fartura e a união entre diferentes povos, além de ser uma celebração de boas-vindas.

“Foi uma experiência muito incrível, é uma forma de fortalecimento muito grande do trabalho. A maioria das pessoas envolvidas são mulheres, o que deixa muito claro a força feminina e o trabalho na comunidade para o fortalecimento da cultura indígena”, disse Maurício.

Ele também esteve na sede da AMARN, em Manaus, onde encomendou algumas peças, conversou com as artesãs, fez troca de saberes, entre outras ações. Maurício conheceu mais sobre o processo de grafismo e tecelagem com a fibra de tucum, e também levou seus conhecimentos sobre moda e confecção de roupas. 

O futuro nas raízes culturais

A supervisora da Agenda Indígena da FAS, Rosa dos Anjos, destaca o papel das oficinas como uma forma de valorização e resgate das culturas e tradições indígenas. 

“Ao promover essa troca de saberes, nós contribuímos para a perpetuação das tradições e conhecimentos ancestrais por meio das expressões culturais como o grafismo, o artesanato, a tecelagem. Isto é uma forma de manter as culturas indígenas vivas, valorizando o trabalho das mulheres artesãs e disseminando-a para o mundo. Sabemos que o artesanato é uma importante fonte de renda para esses povos, e o Parentas que Fazem vem para fortalecer esse trabalho, levando autonomia para as organizações femininas da Amazônia indígena”, declarou.

Sítio-Escola no Pará estimula interação entre estudantes internacionais para prática arqueológica na Amazônia

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A fim de promover o estudo de materiais arqueológicos na região amazônica, a Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e instituições internacionais, realizou uma atividade de sítio-escola de Arqueologia, na Comunidade do Jacarequara, localizada na Ilha de Trambioca, em Barcarena.

A experiência foi uma oportunidade para os estudantes de graduação e pós-graduação de Belém vivenciarem a formação prática nos métodos arqueológicos em um ambiente de convívio intercultural com moradores da área de pesquisa, professores e discentes de outras nacionalidades.

O sítio-escola foi desenvolvido por meio da disciplina “Métodos e Técnicas de Investigação em Arqueologia”, ofertada aos discentes do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/UFPA), do Programa de Pós-Graduação em Sociodiversidade (PPGDS/MPEG), da École du Louvre e da Graduação em Arqueologia da Universidade Estadual do Tenesse, nos Estados Unidos. 

A atividade tem o intuito de apresentar os pressupostos básicos da pesquisa arqueológica por meio da realização de prospecções geofísicas para o resgate e estudo de materiais arqueológicos que possam ajudar na compreensão do processo de formação e da história da ilha. Além dos pesquisadores, os próprios moradores da comunidade e crianças também tiveram a oportunidade de atuar ativamente nas escavações da região.

A expectativa é que, além de promover uma troca de informações entre os moradores locais e os pesquisadores, a experiência também possa vir a ter o potencial de aproximar crianças da ciência e despertar nelas um interesse no aprofundamento desse conhecimento adquirido no futuro.

Intercâmbio de experiências

Integrante da atividade de Sítio-Escola, a mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) Gisele Rosa comenta que a experiência conjunta de estudantes de diversos países também foi um fator que possibilitou novas perspectivas sobre a prática arqueológica. 

Durante a atividade, todos os pesquisadores também puderam ter contato com o aprendizado de métodos arqueológicos diferentes, utilizados por pesquisadores de fora do Brasil.

“Como estudante de doutorado francês, tive a oportunidade de escavar com estudantes brasileiros da UFPA e com estudantes americanos da Universidade do Tennessee. Conversamos sobre nossas diferenças e vínculos culturais e pudemos discutir metodologias de escavação e estudo, que podem variar de um país para outro”, apontou a pesquisadora Ninon Bour, da École du Louvre, da França.

“A UFPA e o MPEG são instituições de referência na pesquisa, sendo base para muitos pesquisadores estrangeiros que atuam e atuaram na arqueologia amazônica e, portanto, do intercâmbio de conhecimentos. O diferencial do sítio-escola, como o desenhamos, é que esse intercâmbio se dá com o desenvolvimento da pesquisa na Amazônia, por instituições amazônicas, focado na formação de discentes daqui, em conjunto com os discentes estrangeiros”, lembra a professora Daiana Alves. 

Sobre o projeto

Hoje, objeto de estudo do Projeto “Florestas Culturais e Territorialidades na Amazônia Oriental Pré-Colonial”, o Sítio Sambaqui Jacarequara é pesquisado pelo Museu Emílio Goeldi desde 2012. 

Dados prévios indicam, inclusive, que construções como os sambaquis eram lugares importantes para moradia, para realização de festas e rituais e para descarte de restos de comidas e outras coisas do dia a dia que demarcam uma territorialidade.

Nesta região, por exemplo, os pesquisadores apuraram que os antigos habitantes possuíam uma alimentação bastante diversificada e que eles próprios foram os responsáveis por construir o território da comunidade, o que gera orgulho, até hoje, para os moradores que têm interesse em conhecer os estudos e as pesquisas relacionadas à história de Jacarequara. 

Desse modo, já foram encontrados registros arqueológicos de uma diversidade de animais, entre eles, estão: antas, guaribas, porcos-do-mato, preguiças, tracajás, veados e uma grande variedade de peixes.  

Hoje, coordenado pelas professoras Daiana Travassos, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA); Helena Lima, do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Sociocultural do MPEG; e Pedro José Tótora, também do PPGA da UFPA, o projeto tem o objetivo de aliar os pilares de formação em pesquisa, ensino e extensão em torno da herança arqueológica do local, que faz parte do conjunto de bens culturais produzidos pelos seres humanos, com preservação, proteção e cuidados garantidos pela legislação brasileira.

*Com informações da UFPA