O projeto beneficia 12 escolas indígenas e cinco do campo. Foto: Diane Sampaio/PMBV
A Prefeitura de Boa Vista deu um passo importante para a inclusão digital e o fortalecimento da educação em áreas mais distantes da capital. Desde novembro de 2024, todas as 17 escolas da zona rural e comunidades indígenas do município contam com internet de alta qualidade, por meio da tecnologia Starlink, sistema via satélite de baixa órbita que garante conexão estável, mesmo em locais de difícil acesso.
Com o investimento de R$ 303.262,61, o projeto beneficia 12 escolas indígenas e 5 do campo. A iniciativa surgiu da necessidade de levar conectividade onde não havia viabilidade técnica para implantação de fibra ótica. O diagnóstico foi feito pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC), que priorizou as unidades com maior dificuldade de acesso.
“A gente consegue perceber alunos mais engajados, professores motivados e, de fato, uma melhor qualidade de ensino. Então fica claro, mais uma vez, que a tecnologia aliada à educação traz qualidade para professores ao longo de toda a rede municipal de ensino de Boa Vista”, destacou o secretário adjunto de Educação e Cultura, Issac Neto.
A conexão veloz garante o total aproveitamento das atividades pedagógicas. Foto: Diane Sampaio/PMBV
Além de facilitar o uso de ferramentas pedagógicas e plataformas online, a internet nas escolas têm refletido diretamente no rendimento dos alunos e na motivação dos professores. Com acesso permanente, é possível promover formações à distância, usar recursos como vídeos educativos e integrar sistemas de gestão escolar, como matrícula e frequência digital.
“Recentemente recebemos a Starlink e ela veio para garantir a conexão tanto aos professores quanto aos alunos. Antes, os profissionais enfrentavam dificuldades para fazer o lançamento de dados nas plataformas. Era muito lento e desgastante para eles. Hoje temos velocidade suficiente para acessar esses sistemas, o que melhora muito o nosso trabalho”, comentou a gestora da Escola do Campo Maria de Lourdes Dias de Abreu, Elizabete da Silva.
“Hoje temos velocidade suficiente para acessar esses sistemas, o que melhora muito o nosso trabalho”, afirmou Elizabete da Silva, gestora. Foto: Diane Sampaio/PMBV
Além do acesso aos sistemas administrativos, Elizabete destacou como outros investimentos em tecnologia da prefeitura têm impulsionado o aprendizado na educação infantil. “A PlayTable, por exemplo, trouxe um avanço enorme. As crianças podem trabalhar números, letras, alfabeto — tudo online. E temos ainda tablets e data show que os professores usam com as plataformas digitais. Tudo isso só é possível com a internet funcionando bem. Quem ganha é a comunidade”, disse.
Já a assessora pedagógica da SMEC, Thayná Barreto, reforçou a importância da conectividade para garantir a igualdade de oportunidades em toda a rede de ensino.
“A prefeitura tem essa preocupação de investir de forma igualitária, valorizando tanto a área urbana quanto as escolas indígenas e do campo”, contou Thayná Barreto. Foto: Diane Sampaio/PMBV
“Muitas dessas escolas não tinham internet ou possuíam apenas um sinal fraco. A chegada da Starlink garantiu uma conexão estável, permitindo o uso de plataformas como a Matrícula Online, o BV Cidadão e a sincronização de recursos pedagógicos como os tablets e a PlayTable. A prefeitura tem essa preocupação de investir de forma igualitária, valorizando tanto a área urbana quanto as escolas indígenas e do campo”, destacou.
Parque Nacional de Anavilhanas, no Amazonas. Foto: Ivo Brasil
A Lei n.º 15.180/2025, que institui a Política Nacional de Incentivo à Visitação a Unidades de Conservação, publicada nesta segunda (28), autoriza o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e os órgãos estaduais e municipais responsáveis pela execução do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) a contratar instituição financeira oficial para criar e gerir um fundo privado com o objetivo de financiar e apoiar a visitação nessas unidades. A nova legislação representa um marco para o fomento do turismo ecológico e a valorização do patrimônio natural brasileiro.
Com a sanção do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a publicação no Diário Oficial da União, a lei entra em vigor, estabelecendo como meta assegurar que os parques nacionais, estaduais e municipais cumpram sua função essencial de preservar ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica.
A norma também visa possibilitar a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação ambiental, interpretação da natureza, recreação ao ar livre e turismo ecológico.
A lei também objetiva proporcionar à coletividade a fruição das unidades de conservação brasileiras para fins recreativos, educacionais, culturais, religiosos, desportivos ou de lazer em geral, desde que compatíveis com os objetivos da unidade.
A ideia é promover a educação e a interpretação ambiental; a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico; promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais das unidades de conservação, de modo a conciliar a conservação da natureza com a geração e a distribuição de renda.
A norma traz diretrizes para a visitação, que deve incluir as comunidades locais, com participação ativa dos povos e comunidades tradicionais na gestão do turismo comunitário, a acessibilidade a pessoas com deficiência, a segurança do visitante, o uso de materiais sustentáveis, o uso de técnicas construtivas sustentáveis na infraestrutura das UC, articulação com a Política Nacional de Turismo com inserção das UC em roteiros turísticos, valorização da cultura local e patrimônio histórico, integração por meio de trilhas de longo curso, capacitação continuada, envolvimento dos Conselhos e monitoramento de impactos ambientais, socioculturais e econômicos da visitação nas unidades.
Um dos pontos mais inovadores da lei é a autorização concedida ao Instituto Chico Mendes e aos órgãos estaduais e municipais executores do Sistema Nacional de Conservação da Natureza (SNUC) para contratar uma instituição financeira oficial para criar e gerir um fundo privado.
Este Fundo de Incentivo à Visitação das Unidades de Conservação terá como objetivo financiar e apoiar planos, projetos e ações voltados para a estruturação, aprimoramento e incremento da visitação. Seus recursos poderão vir de doações nacionais e internacionais, rendimentos de aplicações, termos de ajustamento de conduta, convênios e outras fontes, com a ressalve de que não poderão ser utilizados para despesas administrativas gerais dos órgãos executores.
A criação do fundo garante maior transparência e foco nos investimentos diretamente relacionados à visitação, promovendo a autossustentabilidade e a capacidade de investimento nas investimento nas infraestruturas de apoio, como trilhas, centros de visitantes, museus, mirantes, e áreas para estacionamento, hospedagem e esporte de aventura.
A lei também classifica a visitação quanto ao grau de intervenção (baixo, médio e alto) e estabelece que, nos parques nacionais, estaduais e municipais, as áreas com restrição permanente à visitação pública não poderão ultrapassar 50% da área total da unidade de conservação.
Além disso, detalha as possibilidades de exploração do acesso e dos serviços de apoio à visitação, que poderão ser realizados pelo próprio órgão gestor, pela iniciativa privada (via concessão, permissão ou autorização), por entes de outras esferas da Federação, por organizações sociais ou por organizações da sociedade civil. A legislação prevê ainda a estipulação de gratuidades e valores diferenciados de ingresso para visitantes de baixa renda e populações locais, visando a universalização do acesso.
A Lei nº 15.180 entrou em vigor na data de sua publicação (28 de julho), e os órgãos executores do SNUC deverão adotar as medidas necessárias para o seu cumprimento, incluindo a adaptação dos planos de manejo das unidades sob sua gestão. Esta nova política promete fortalecer o papel das Unidades de Conservação não apenas como redutos de biodiversidade, mas também como importantes polos de desenvolvimento sustentável e educação ambiental para a sociedade brasileira.
Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entregam resultados do projeto desenvolvido por 12 anos. Foto: Reprodução/Acervo Floresta Nacional do Tapajós
Em julho, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) encerraram o Projeto Gestão Florestal para Produção Sustentável na Amazônia. O projeto foi desenvolvido ao longo de 12 anos e foi fruto de cooperação entre os governos do Brasil e da Alemanha, por meio do banco de desenvolvimento alemão KfW.
Durante esse período, foram conduzidas um conjunto de ações estruturantes no Serviço Florestal Brasileiro e no ICMBio que permitiram avanços significativos nas concessões florestais. Entre as ações, destacam-se a realização de inventários florestais, estudos de logística e de precificação, além da condução de consultas públicas com forte ênfase no diálogo com comunidades locais e povos indígenas.
Por outro lado, o fortalecimento da gestão das Florestas Nacionais, que culminaram da publicação dos Planos de Manejo das Florestas Nacionais e o pleno funcionamento de seus Conselhos Consultivos, criaram o ambiente institucional necessário para a concessão florestal dessas Unidades de Conservação.
Ao todo, foram investidos cerca de 15 milhões de euros, com contrapartida brasileira na ordem de 21 milhões de euros. O projeto atuou no fortalecimento institucional do ICMBio e do SFB para a gestão de 24 Florestas Nacionais (Flonas), localizadas na região da BR-163 e no interflúvio Purus-Madeira.
Hoje, 50% das Flonas apoiadas pelo projeto estão sob concessão florestal em execução ou em fase final de licitação e estruturação. Ao todo, são 1,2 milhão de hectares concedidos, em 19 contratos vigentes, que resultaram na produção de 1,9 milhão de metros cúbicos de madeira em tora entre 2013 e 2024. Todo esse processo é realizado com base em critérios de responsabilidade ambiental, geração de renda, desenvolvimento regional e monitoramento rigoroso.
Segundo o diretor do SFB, Garo Batmanian, o projeto também promoveu avanços importantes fora do campo produtivo.
“Esse avanço não se deu apenas no campo da produção, mas também no fortalecimento da base científica e tecnológica do Serviço Florestal Brasileiro. O projeto apoiou pesquisas com resíduos florestais, viabilizou a aquisição de equipamentos para o Laboratório de Produtos Florestais e ampliou a produção técnica e científica, com dezenas de publicações”, destaca Batmanian.
Entre os principais legados da iniciativa está a criação da Plataforma Saberes da Floresta: a ideia surgiu no projeto e se consolidou de forma expressiva. Disponibilizada de forma online pelo SFB, a plataforma já capacitou mais de 30 mil pessoas em todo o País, oferecendo cursos sobre manejo florestal, restauração, regularização ambiental e outros temas fundamentais para o futuro da gestão florestal no Brasil. Atualmente, o portfólio da plataforma conta com 20 cursos ativos, com novos conteúdos em constante desenvolvimento.
A coordenadora do projeto, Cristina Galvão, frisou que o encerramento do projeto marca o fim de um ciclo, mas deixa como legado uma base sólida para a continuidade da produção florestal sustentável na Amazônia. Ela também ressaltou a importância da atuação conjunta entre o SFB e o ICMBio, fundamental para garantir a efetividade das ações e o alcance dos resultados ao longo dos 12 anos de execução.
O projeto ‘Esperançar Chico Mendes’ realizou, no dia 15 de julho, o lançamento da oficina de construção da Casa Tradicional do Seringueiro, na comunidade Dois Irmãos, localizada na Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, em Xapuri (AC). A 180 quilômetros de Rio Branco, o município sedia a Casa de Chico Mendes, tombada pelo Iphan desde 2007, onde viveu e foi assassinado o líder sindical e ambientalista acreano.
O projeto é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério da Cultura (MinC), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Universidade Federal do Acre (Ufac).
O Iphan participa do projeto por meio do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), um instrumento de identificação, documentação e difusão do Patrimônio Cultural Brasileiro. No INRC, os grupos sociais participam ativamente da sua construção. São eles que indicam o que é referencial para a sua cultura, memória e identidade – o que constitui o seu patrimônio cultural.
“Nosso compromisso é com a valorização do patrimônio cultural como um bem de toda a sociedade, construído de forma coletiva, participativa e contínua”, afirma Stênio Melo, superintendente do Iphan no Acre.
A oficina teve como objetivo a transmissão dos saberes tradicionais entre gerações e o fortalecimento do turismo de base comunitária. “O patrimônio ambiental local atua como instrumento de geração de trabalho e renda à comunidade extrativista, sendo uma ferramenta para subsidiar o turismo local por meio da cultura tradicional associada a práticas sustentáveis”, explica Stênio.
Ele ainda ressalta que a iniciativa fortalece o papel do Instituto na valorização e na proteção da diversidade sociocultural do Acre e do Brasil, ampliando o alcance das ações de preservação das referências culturais e promovendo uma maior integração das instituições públicas com a sociedade.
As atividades iniciaram por um resgate de referências culturais do território do seringueiro, como as técnicas de construção, o mutirão e a própria casa. “O começo será pela mente, tipo uma viagem aos tempos antigos, quando não se tinha alvenaria, pisos e nenhum tipo de madeira beneficiada”, relata o extrativista e mestre da oficina, Carlos Balbino.
A segunda parte do evento contou com atividades na mata, como a identificação de espécies da flora e ensinamentos de como manejá-las para um melhor resultado na sua extração e futuro uso na construção. O processo empolga Balbino: “Vamos fincar os barrotes, pôr os esteios, tirar as paxiúbas, esperar o tempo da secagem, juntar as paxiúbas nas paredes, colocar o telhado de palha, fixado com envira, e deixar prontinha, bonitinha para nossa admiração e de turistas que esperamos receber”.
A oficina terá continuidade em agosto, quando os materiais para a construção da Casa já terão sido retirados da mata e estarão prontos para uso.
Foto: Allen Ferraz
Resultado da oficina, a Casa do Seringueiro será um espaço para atividades, vivências e experiências de turismo na comunidade, podendo ser hospedagem, ponto de apoio e/ou lugar de valorização da cultura extrativista. A construção tradicional é feita de madeiras roliças encaixadas e amarradas, com cobertura de palha, sustentada em barrotes.
Os materiais principais (madeira, paxiúba, folhas de palmeiras e cipó envira) são provenientes da mata. A extrativista e líder comunitária Leide Aquino comemora o feito: “Essa etapa de construção da Casa pelos jovens da nossa comunidade representa muito para nossa história, pois muitos nunca viram como era essa casa”.
O projeto tem como objetivo central a aproximação das agendas de cultura e socioambiental por meio do reconhecimento, valorização e salvaguarda do patrimônio cultural e socioambiental dos territórios tradicionais, tendo pertencimento, identidade, empoderamento, respeito e valorização dos modos de vida tradicionais como princípios e o Turismo de Base Comunitária (TBC) como meio para geração de renda, de forma autônoma na economia da sociobiodiversidade.
Flutuantes no Tarumã em Manaus. Foto: William Duarte/Rede Amazônica AM
O Ministério Público do Amazonas (MPAM) informou que elabora, junto com a Defensoria Pública do Estado (DPE-AM), uma proposta com formas mais humanitárias para a retirada dos flutuantes da área do Tarumã-Açu, em Manaus. A ideia é que a desocupação ocorra em três etapas, com ações previstas até 2027.
O plano começou a ser construído após a Justiça determinar, no último dia 7 de junho, que a Prefeitura de Manaus apresente, no prazo de 30 dias, um cronograma detalhado para a remoção das estruturas irregulares.
A decisão da Vara do Meio Ambiente exige que o município também comprove a viabilidade financeira da execução. Caso não cumpra a medida, a Prefeitura poderá ser multada em até R$ 500 mil.
De acordo com a promotora de Justiça Lílian Maria Pires Stone, da 50ª Promotoria de Meio Ambiente, o plano será dividido em fases, começando pelo combate à poluição e pelo bloqueio à entrada de novos flutuantes — prática que segue ocorrendo, mesmo após decisão judicial proibindo.
“As etapas seguintes já trabalhariam as remoções de comércios e a propositura de uma lei municipal de organização do Tarumã-Açu, até finalmente a retirada de todas as moradias inadequadas daquela localidade”, explicou a promotora.
A proposta está sendo construída para garantir soluções efetivas sem maiores impactos para as comunidades ribeirinhas. “O objetivo é resolver a situação sem traumas para a população e respeitando a sentença já proferida em favor do MP”, afirmou Stone.
A Defensoria foi representada na reunião pelo defensor público Thiago Rosas. Além da Prefeitura, a Justiça também intimou o Governo do Amazonas a informar se existem planos de manejo para as bacias hidrográficas dos rios Tarumã-Açu e Puraquequara.
O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) deve apresentar dados atualizados sobre a qualidade da água e a presença de coliformes no Tarumã.
O Ipaam confirmou que já foi notificado e que irá reunir as informações em parceria com o Programa de Monitoramento de Água, Ar e Solos (ProQAS/AM), coordenado pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Segundo o instituto, o relatório mais recente, de 2023, mostrou redução em alguns parâmetros do Índice de Qualidade da Água (IQA), embora ainda haja pontos críticos de contaminação por coliformes.
Desde o ano passado, o órgão também suspendeu novos licenciamentos para atividades flutuantes no Tarumã-Açu, intensificou a fiscalização e passou a colaborar na elaboração do plano de gestão da bacia hidrográfica, em parceria com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) e a UEA.
Samuagü (à frente) e o filho Kope’i, do povo Kuikuro, testam armadilha em canal perto da aldeia Ipatse (MT). Foto: Carlos Fausto
Quem tem o português como língua materna no Brasil provavelmente nunca parou para pensar sobre seus direitos linguísticos. Sim, eles existem e foram organizados na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, um documento assinado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e por diversas organizações não governamentais em 1996, na cidade de Barcelona, Espanha. O texto reconhece o direito individual e coletivo de usar e manter uma língua, bem como a proteção de idiomas ameaçados de extinção.
No Brasil, além do português, são faladas mais de 200 línguas (ver Pesquisa FAPESP nº 335), como, por exemplo, indígenas, de sinais e afro-brasileiras. A língua portuguesa é a única oficial em âmbito nacional. Contudo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Ministério da Cultura (MinC) reconhecem sete línguas como Referência Cultural Brasileira, das quais seis são indígenas.
Entre elas, está a língua kuikuro, que ganhou neste ano um registro em dicionário, publicado por meio de uma parceria entre o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em Belém, e o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ). O trabalho de pesquisa teve o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Programa de Documentação de Línguas Ameaçadas (DoBeS) da Fundação Volkswagen.
Com caráter enciclopédico, o dicionário kuikuro-português busca registrar a cultura material dos Kuikuro. Organizada pelos antropólogos Bruna Franchetto e Thiago Braga Sá (ambos do Museu Nacional) e pela linguista Gélsama Mara dos Santos, da Universidade Federal do Amapá (Unifap), a obra teve a participação da comunidade e de professores kuikuros.
“A edição é destinada principalmente à própria comunidade”, diz Franchetto. O próximo volume, que registrará a flora do Alto Xingu, região no estado de Mato Grosso onde estão localizadas as aldeias kuikuros, começa a ser organizado neste ano.
Resultado de um trabalho de documentação iniciado há mais de 20 anos por Franchetto e Santos, o dicionário teve inúmeras versões digitais que circularam entre pesquisadores e comunidade. Já a criação da escrita alfabética da língua kuikuro, utilizada no volume, começou nos anos 1990, liderada por professores indígenas, com assessoria de Franchetto.
Segundo Braga Sá, uma das principais dificuldades desse tipo de trabalho está em sua complexidade. “O dicionário é uma forma de padronizar a língua, mas nesse caso estamos lidando com a cultura indígena, pautada pela multiplicidade de perspectivas”, observa.
Verbetes do primeiro volume do dicionário kuikuro-português, cujo título é Inhanhigü ou “feito com as mãos, artefato”. Fotos: Equipe do Dicionário Kuikuro-Português
Por isso, a participação ativa da comunidade é determinante. De acordo com o pesquisador, os professores das escolas kuikuros foram fundamentais durante todo o processo de pesquisa. “Desde o princípio, as versões iniciais do dicionário foram incorporadas ao ensino nas aldeias”, relata Braga Sá.
“A ideia é de que ele funcione como mais um instrumento de fortalecimento da língua kuikuro. As línguas indígenas são frequentemente associadas ao cotidiano das aldeias, mas não podemos esquecer que sobretudo nos últimos anos elas também circulam pelas universidades, produzindo e registrando conhecimentos”.
O primeiro volume do dicionário tem como título Inhanhigü, palavra que que significa “feito com as mãos, artefato”. Estão reunidos 363 verbetes, divididos em cinco seções temáticas:
“Kengikogu” (coisas),
“Kengikõdohogu” (adornos),
“Tühatinhü” (materiais),
“Iku” (pinturas ou grafismos)
e “Üne” (casa).
Além da tradução da palavra para o português, cada verbete apresenta exemplos de uso e imagens. Na introdução, Franchetto explica os aspectos estruturantes da fonologia e da sintaxe da língua kuikuro.
Os Kuikuro estão entre os povos indígenas mais populosos do Alto Xingu. Atualmente, reúnem cerca de 1.200 pessoas, em nove aldeias. “Nossos alunos são alfabetizados primeiramente na língua materna e depois na língua portuguesa”, conta Sepé Ragati Kuikuro, professor e liderança da aldeia Ipatse, que participou da elaboração do dicionário.
Além de apoiar a publicação do dicionário kuikuro-português, o Museu Goeldi desenvolve outros projetos de documentação de línguas indígenas. Entre eles estão os dicionários multimídia de livre acesso, depositados no site da instituição. Até o momento, sete línguas de povos da região amazônica contam com esse registro digital: Kanoé, Oro Win, Puruborá, Sakurabiat, Salamãi, Wanyam, além do dicionário de lugares sagrados do povo Medzeniakonai.
O projeto começou em 2019, a partir de uma demanda de José Augusto Kanoé, cacique da comunidade Kanoé, da Terra Indígena Rio Guaporé, em Rondônia. “Ele solicitou aos pesquisadores do museu uma ferramenta de estudo da língua que incluísse a possibilidade de ouvir o som das palavras. Por isso, a ideia do registro multimídia”, explica a linguista Ana Vilacy, pesquisadora do Museu Goeldi e uma das coordenadoras do projeto. Nos dicionários, que podem ser baixados em formato PDF e HTML ou então acessados on-line, é possível ouvir o som e ver as imagens associadas às palavras.
Para Lidia Sakurabiat, que mora na aldeia Koopi, pertencente à Terra Indígena Rio Mequéns, em Rondônia, e participou da elaboração do dicionário sakurabiat-português, a possibilidade de acessar sons e imagens permite que o material seja utilizado não só por quem frequenta as escolas indígenas, mas também pelas famílias: “Além dos professores, os pais e irmãos mais velhos ensinam as crianças”, relata Sakurabiat. Ela trabalhou por sete anos como agente de saúde indígena em sua própria comunidade e hoje utiliza o dicionário multimídia para transmitir a língua ao filho, aos irmãos e a quem mais tiver interesse em aprender.
De acordo com Vilacy, os dicionários multimídias do Museu Goeldi são pensados como uma tecnologia social, desenvolvida em diálogo com as comunidades para ajudar a resolver demandas locais. A metodologia dos pesquisadores da instituição também inclui a elaboração dos softwares em código livre. Um manual com scripts de passos semiautomatizados está disponível ao público que deseja replicar o modelo, o que dispensa conhecimento avançado de programação.
Documentação de línguas dos povos Makurap (à esq.) e Puruborá realizada em Rondônia pelo Museu Goeldi. Fotos: Acervo do Projeto de Documentação da língua e cultura Makurap | Acervo do Projeto de Documentação da língua Puruborá
Em abril deste ano, uma turma de alunos indígenas da licenciatura intercultural indígena da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) entrou em contato com o museu para utilizar a metodologia na produção de seus próprios dicionários. Essa é outra frente de trabalho dos pesquisadores do Goeldi: a capacitação de membros das comunidades indígenas para realizar o registro de suas línguas. No caso da parceria com a UFMA, foi oferecida uma oficina aos professores da disciplina de produção textual para que eles orientassem os alunos na reprodução da metodologia de feitura dos dicionários.
Segundo o linguista brasileiro Joshua Birchall, da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, que assina a coordenação do projeto de dicionários multimídia com Vilacy, a documentação das línguas orais envolve frequentemente a criação de um alfabeto, um processo que durou séculos em línguas como português e inglês. “Nesse caso, é preciso reproduzir essa transformação histórica em apenas alguns anos, o que envolve um grande trabalho conjunto de linguistas, antropólogos, professores e toda a comunidade”, constata Birchall em entrevista a Pesquisa FAPESP.
Apesar dos esforços de pesquisadores, a preservação das línguas indígenas no Brasil enfrenta desafios. Para a linguista Altaci Kokama, responsável pela Coordenação de Promoção à Política Linguística do Ministério dos Povos Indígenas (CPPL-MPI), além do reconhecimento e da valorização simbólica, é fundamental avançar na implementação de políticas públicas estruturantes, contínuas e territorializadas. Entre as principais medidas, ela destaca a cooficialização das línguas indígenas nos municípios com presença dos povos originários e a contratação de agentes bilíngues para fins de acessibilidade. Tais iniciativas são fundamentais para garantir o acesso dessa população ao sistema judiciário, à saúde e à educação.
Kokama faz parte do conselho consultivo do Centro de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas Antônio Kanajó, inaugurado em maio na capital paulista. A instituição foi criada por meio da parceria entre o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) e o Museu da Língua Portuguesa (MLP), com apoio da FAPESP. A ideia partiu da própria fundação em razão da Década das Línguas Indígenas, instituída em 2022 pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A meta é que o centro desenvolva atividades em três linhas: pesquisa e documentação; construção do repositório digital de acesso gratuito; e ações de mediação intercultural e de difusão. Segundo a antropóloga Maria Luísa Lucas, professora do MAE e coordenadora do setor de antropologia do centro, a articulação com as comunidades e pesquisadores indígenas foi pensada em todas as etapas da criação da instituição: da formação do conselho consultivo à chamada de bolsas de mestrado e doutorado, que priorizará candidaturas indígenas.
O primeiro ano de trabalho será dedicado à construção do repositório digital, mas já está prevista para novembro a realização de um seminário internacional no Museu da Língua Portuguesa, como parte da programação do Ano Cultural Brasil-França 2025. “A preservação das línguas indígenas não é apenas uma ação técnica, mas um compromisso ético e político”, destaca Kokama.
A reportagem acima foi publicada com o título “Por escrito” na edição impressa nº 353, de julho de 2025.
Projeto Subsídios para instalação do Centro de Documentação Indígena ‒ Ações do Museu de Arqueologia e Etnologia (nº 24/17181-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Projetos Especiais; Pesquisador responsável Eduardo Góes Neves (USP); Investimento R$ 3.398.673,52.
Livro FRANCHETTO, B. et al. Dicionário Kuikuro-Português. volume temático I: Inhanhigü. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2025.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Revista Pesquisa Fapesp, escrito por Ana Beatriz Rangel. Leia completo AQUI.
Dois livros produzidas com a participação de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) e publicadas pela Editora do instituto foram selecionadas como finalistas da 2ª edição do Prêmio Jabuti Acadêmico.
Promovido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), o prêmio objetiva reconhecer e valorizar a produção científica nacional, destacando conteúdos que contribuem para a divulgação do conhecimento de forma acessível.
O livro ‘Espécies de Aves do Rio Cubate: Terra Indígena do Alto Rio Negro’ concorre na categoria ‘Ciências Biológicas, Biodiversidade e Biotecnologia’ e o livro ‘Ariá: um alimento de memória afetiva’ concorre a duas categorias: ‘Divulgação Científica’ e ‘Ilustração’.
Para o editor chefe da Editora do Inpa, o pesquisador Mario Cohn-Haft, a participação da editora em concorrer pelo prêmio já é uma tradição, devido à importância do conteúdo científico produzido pelos pesquisadores do Instituto e seus colaboradores.
“Essas duas obras mostram lindamente o quanto a ciência dialoga com a vida do dia a dia na Amazônia; a pesquisa traz o olhar dos que vivem em proximidade da natureza da região”, acrescenta.
Coprodução do conhecimento
A obra ‘Espécies de Aves do Rio Cubate’ reúne registros de 310 espécies de aves observadas na Terra Indígena do Alto Rio Negro, no Amazonas. O livro busca promover a valorização da biodiversidade local, por meio do diálogo entre ciência e saberes tradicionais. Também visa contribuir com ações de conservação e educação ambiental em territórios indígenas, reforçando o papel da ciência como ferramenta de apoio à gestão socioambiental.
Além das descrições e fotografias das aves, o livro evidencia a importância da participação ativa das comunidades no processo de construção do conhecimento científico, como uma coprodução do conhecimento.
Um dos coautores, Dzoodzo Baniwa, da comunidade Baniwa, destaca que a pesquisa vai além do registro da fauna local.
“O livro não retrata apenas a diversidade das aves, mas também constrói conhecimento a partir da valorização dos saberes locais em diálogo com a ciência”, afirma.
Conforme a pesquisadora Camila Ribas ressalta, a obra é fruto da coletividade dos pesquisadores e das comunidades tradicionais. “As informações para o livro foram geradas em oficinas realizadas na comunidade onde também decidiram o formato e o conteúdo, através de votação no centro comunitário”, conta Ribas. A tradução da obra para a língua indígena Nheengatu foi feita pela professora Gracilene Bittencourt.
A obra ‘Ariá: um alimento de memória afetiva’ tem como protagonista o tubérculo amazônico conhecido como ariá (Goeppertia allouia), comum na culinária regional. A publicação combina relatos pessoais, informações botânicas e registros culturais sobre o alimento, revelando sua importância não apenas nutricional, mas também afetiva e simbólica para as populações amazônidas.
O livro possui 12 autores, entre indígenas e não indígenas, e a ilustração é de Hadna Abreu. A iniciativa surgiu a partir da pesquisa do jovem Eli Minev Benzecry, que buscava informações sobre o tubérculo, mas estavam dispersas em fontes acadêmicas de difícil acesso e entendimento para o grande público.
Segundo a coautora e organizadora da obra, a pesquisadora do Inpa, Noemia Ishikawa, a publicação também se destaca por seu compromisso com a diversidade linguística. O livro é bilíngue Português e Tukano. A tradução para língua indígena Tukano, falada na região da Cabeça do Cachorro, no Alto Rio Negro, foi realizada por Rosilda Cordeiro.
“Estes livros são atravessados por histórias, memórias e sistemas de conhecimentos diversos, mas sobretudo escritos e produzidos também em línguas indígenas com o auxílio do aplicativo LINKLADO que possui grafemas e caracteres que respeitam os sons/fonemas destas línguas”, comentou, Ana Carla Bruno, pesquisadora em Antropologia Linguística do Inpa.
O prêmio Jabuti Acadêmico teve sua primeira edição em 2024. Nele, as obras finalistas e premiadas passam a fazer parte da Jabuteca, uma biblioteca própria dos prêmios Jabuti onde são levadas aos principais eventos literários mundiais por meio Brazilian Publishers, um projeto que fomenta a exportação de livros brasileiros ao exterior.
Os vencedores do Prêmio Jabuti Acadêmico serão revelados em uma cerimônia no Teatro Sérgio Cardoso, no dia 5 de agosto, em São Paulo.
Não se pode falar em justiça climática sem falar nos povos indígenas que são os guardiões das florestas dentro dos seus territórios e fora deles. Foi o que reforçou a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) durante a abertura do III Seminário de Justiça Climática, no dia 29, com o tema ‘O papel central dos povos indígenas e seus territórios nas estratégias de mitigação’. O evento segue até esta quinta-feira (31) em Brasília (DF).
“A gente acredita que no Brasil ainda há uma esperança de mitigar os efeitos da emergência climática e essa esperança começa pelos povos indígenas. Sem eles não há possibilidade de transformar essa triste realidade [da emergência climática] que atualmente afeta a humanidade, principalmente, os povos indígenas, chegando ao ponto de perderem suas vidas pela preservação das florestas e de sua ancestralidade”, evidenciou a presidenta substituta da Funai, Mislene Metchacuna.
Para Mislene, mais do que guardiões da floresta e barreiras para o desmatamento e demais ações nocivas que degradam os territórios, os povos indígenas têm uma importância fundamental que precisa ser reconhecida não só no Brasil como também no cenário internacional.
“A gente vem para o seminário com essa expectativa de que a gente possa discutir sobre a autodeterminação dos povos indígenas e demarcação dos territórios, que ainda é o desafio que enfrentamos por constantes ameaças de prosseguir com as etapas do processo, em razão de legislações e propostas legislativas que ameaçam os direitos indígenas”, frisou a presidenta substituta.
Além de Mislene Metchacuna, participaram da abertura do seminário a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara; o secretário Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Aloisio Melo; o secretário adjunto de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Adriano Santhiago; o diretor-executivo da Apib, Kleber Karipuna; a diretora-executiva da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), Joziléia Kaingang; e a co-presidente do Caucus Indígena da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) e coordenadora Nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC), Sineia do Vale.
Foto: Mayra Wapichana/Funai
O seminário
O evento é uma realização do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). E conta com o apoio da Funai; do MMA; da Cooperação Técnica Alemã no Brasil (GIZ); do Instituto Clima e Sociedade (iCS); e do Environmental Defense Fund (EDF).
O objetivo do seminário é dar visibilidade ao processo de revisão e elaboração do Plano Clima para integrar a visão dos povos indígenas nas ações e metas do eixo voltado para a mitigação. Para os organizadores do evento, incluir os povos indígenas no processo de construção do referido plano promove a justiça climática enquanto pilar da política climática.
Foto: Mayra Wapichana/Funai
Avançar no processo de demarcação e de recuperação das áreas degradadas em territórios indígenas também é fundamental, segundo os organizadores.
Plano Clima
O Plano Clima é uma iniciativa do Governo do Brasil para enfrentamento à mudança do clima no país até 2035. Sua elaboração é conduzida, desde o segundo semestre de 2023, pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), integrado por representantes de 23 ministérios, pela Rede Clima e pelo Fórum Brasileiro de Mudança do Clima.
O Plano Clima terá dois pilares. O primeiro é voltado à mitigação, ou seja, à redução das emissões de gases de efeito estufa, cuja alta concentração na atmosfera provoca o aquecimento global. O segundo trata da adaptação dos sistemas naturais e humanos aos impactos da mudança do clima.
Plantação de soja em fazenda de Roraima. Foto: Raquel Maia/Rede Amazônica RR
As áreas de plantio de soja estão se aproximando do ponto de colheita na maior parte das fazendas de Roraima. Para alcançar a produtividade esperada, agricultores como Thales Lucietti têm apostado em uma prática cada vez mais comum no estado: o controle biológico.
Nesse modelo de produção, o combate as pragas e doenças é feito utilizando fungos, bactérias e até vírus. É a partir desses microorganismos que são feitos os produtos biológicos, ou bioinsumos.
Lucietti, que também é agrônomo, plantou 400 hectares de soja em Mucajaí, no Sul de Roraima. Toda a área recebeu o manejo biológico para combater pragas na lavoura.
“O uso dos biológicos aqui em Roraima tem se mostrado uma ferramenta importante para o avanço da produção agrícola. Eu tinha muito problema com mosca branca [praga que ataca a soja] e hoje não tenho a presença dessa praga lavoura”, afirma o produtor.
De acordo com agricultor, os produtos biológicos, além de combater pragas nas lavouras ajudam a melhorar a qualidade e recuperação de nutrientes do solo, como é o caso das bacterias Rhizobium e Bradyrhizobium, responsáveis pela fixação biológica de nitrogênio, elemento essencial para o desenvolvimento da soja.
Thales Lucietti é produtor rural de soja em Mucajaí, interior de Roraima. Foto: Raquel Maia/Rede Amazônica RR
“Na safra passado esse talhão alcançou 78 sacas por hectares. É um resultado muito expressivo e eu atribuo ao manejo que fizemos com os biológicos”, conta.
O uso de fungos e bactérias na agricultura cresceu no Brasil impulsionado pela busca de práticas mais sustentáveis. É o que afirma o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, Marcos Faria. Com essa tecnologia é possível reduzir o uso de defensivos químicos e isso resulta numa produção agrícola mais sustentável, afirmou o pesquisador.
Apesar dos benefícios, um dos principais desafios do controle biológico é a compatibilidade com produtos químicos. O uso combinado, ou seja, a mistura dos produtos, exige orientação técnica para que as substâncias não percam eficácia.
“O químico, muitas vezes, pode prejudicar a ação do biológico se não houver uma estratégia bem definida para a aplicação conjunta”, alerta o pesquisador.
Segundo o pesquisador da Embrapa, a tendência nacional é aumentar o uso do manejo biológico e para o futuro novos estudos serão realizados para ampliar a eficiência dos produtos oferecendo tecnologias mais sustentáveis para o campo.
Durante cerimônia em Minas Gerais, foram políticas para povos indígenas e populações do campo, das águas e das florestas. Foto: Ricardo Stuckert/PR
Ao lado do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e outros ministros, a ministra Sonia Guajajara participou da solenidade de lançamento de um conjunto de políticas públicas e ações do governo federal, no dia 24, para a melhoria da educação indígena e quilombola. A cerimônia foi realizada em durante o I Encontro Regional de Educação Escolar Quilombola do Sudeste, em Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Um dos destaques foi o anúncio do investimento de R$1,17 bilhão pelo governo federal para a construção de 249 novas escolas voltadas a comunidades indígenas e quilombolas, no âmbito do Novo PAC, além de 22 obras emergenciais em escolas dos territórios Yanomami e Ye’Kwana.
A ministra dos Povos Indígenas ressaltou a relevância histórica dos anúncios, que representam o compromisso do governo federal em criar ferramentas para superar as desigualdades educacionais e sociais do país. “Hoje está sendo feita a maior entrega de todos os tempos para a educação escolar indígena. Todas as entregas anunciadas não são apenas simbólicas, são políticas públicas estruturantes, que estão previstas na Constituição Federal ou em leis específicas”, destacou a ministra.
O presidente Lula valorizou os conhecimentos tradicionais e a contribuição dos movimentos sociais para o avanço nas políticas públicas. “Hoje venho aqui fazer uma coisa sagrada, reconhecer os valores do povo dessa região. Reconhecer o valor dos indígenas, dos quilombolas, das mulheres, daquelas pessoas que trabalham de sol a sol para construir sua própria vida e da sua região”, disse.
Na ocasião, foram assinadas as portarias que instituem a Política Nacional de Educação Escolar Indígena e a Política Nacional de Educação do Campo, das Águas e das Florestas (Novo Pronacampo). Por meio da implementação dos Territórios Etnoeducacionais, a primeira vai promover a organização e a oferta de qualidade da educação escolar indígena, com respeito às especificidades e organizações etnoterritoriais dos povos indígenas.
A Política Nacional dos Territórios Etnoeducacionais é orientada pelo Decreto nº 6.861/2009, que dispõe sobre a Educação Escolar Indígena e define a organização e a oferta de qualidade da educação específica, diferenciada e intercultural aos povos indígenas.
“A pessoa indígena tem o direito ser alfabetizada e ser competitiva no mercado de trabalho. Mas, acima de tudo, tem o direito de se tornar um cidadão dentro de sua Terra Indígena com os aprendizados próprios que fazem sentido para seu povo, em sua cosmovisão e em harmonia com a Terra”, defendeu a ministra Sonia Guajajara.
O ministro da Educação, Camilo Santana, lembrou que são 289.477 estudantes matriculados em Terras Indígenas no Brasil, de acordo com o Censo de 2022. Em seu discurso, o ministro se comprometeu com o fortalecimento dos Programas de Saberes Indígenas na Escola e de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (Prolind).
“Queremos melhorar a formação de professores e a produção de material didático nas línguas indígenas das escolas brasileiras. Também vamos universalizar o programa de bolsa permanência para alunos quilombolas e indígenas nas universidades”, reforçou o ministro. De acordo com o ministro, atualmente são 8.670 bolsas para esse público, que serão ampliadas para 17.300 bolsas.
Em seu discurso, a ministra ressaltou a desigualdade nas oportunidades ainda vivenciada pelos povos indígenas na educação. Os dados do Censo de 2022 apontaram que a taxa de analfabetismo entre indígenas é o dobro da média nacional. Enquanto a população geral brasileira tem o percentual de 7% de analfabetos maiores de 15 anos, entre a população indígena esse percentual é de 15,05%.
A realidade também é desafiadora para a estrutura educacional, a ministra lembrou que 26% das escolas indígenas não possuem esgotamento sanitário, 27% não possuem água potável, 55% não possuem conexão com a internet, 90% não contam com biblioteca e 94% não contam com quadra de esportes.
Outro dado importante apontado pela ministra foi sobre a carreira dos professores indígenas: 78% dos profissionais têm modelos de contratação temporários, sem estabilidade na carreira. “O caminho ainda é um tanto longo para chegarmos a um modelo equitativo, que ofereça igualdade de oportunidade para as pessoas indígenas e mais ainda para chegarmos a um modelo culturalmente adequado. Portanto, a implementação do Plano de Educação Escolar Indígena nos Territórios Etnoeducacionais, que estamos lançando, é um passo essencial para a superação dessa defasagem na educação escolar indígena”, defendeu Sonia Guajajara.
Infraestrutura
Com o investimento de R$1,17 bilhão, serão construídas 249 escolas, sendo 179 indígenas e 70 quilombolas. Por meio do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), em 2024, já foram entregues 13 escolas indígenas e nove quilombolas. A partir deste ano, serão construídas ainda 117 escolas indígenas e 48 quilombolas. Outras 49 escolas indígenas e 13 quilombolas estão previstas, a partir de parceria entre o Ministério da Educação (MEC) — por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) —, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) — por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) — e o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops).
Além disso, também serão realizadas obras emergenciais para os territórios Yanomami e Ye’Kwana, que preveem a construção de sete escolas, dez espaços de saberes, quatro casas escola e um centro de formação de professores.
“Por meio do novo PAC, o governo vai enfrentar o problema da infraestrutura e vai construir mais de cem escolas indígenas com um projeto bonito e com arquitetura adequada. Essas escolas vão levar dignidade para os professores e para as crianças indígenas”, disse a ministra durante a cerimônia.
Universidade Indígena
No evento, também foi celebrada a publicação, nesta quinta-feira (24), da Portaria nº536 no Diário Oficial da União pelo MEC, que institui o grupo de trabalho para subsidiar a formulação da proposta de criação e implementação da Universidade Indígena.
O GT vai realizar debates e estudos técnicos que servirão de base para a formulação da proposta de criação da Universidade Indígena, seu impacto orçamentário, a definição de diretrizes do projeto pedagógico institucional e do seu modelo de governança, entre outras competências. O coletivo se reunirá mensalmente e a previsão é que os trabalhos sejam finalizados até 30 de junho de 2026, quando será apresentado relatório final ao MEC com a proposta.
O grupo de trabalho será formado por 24 representantes do Ministério da Educação, três representantes do Ministério dos Povos Indígenas, três representantes do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, três representes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), oito representantes da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 13 membros indicados pelo Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI), sete professores de instituições parceiras da Educação Escolar Indígena, quatro membros indicados da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI), um membro do Fórum Nacional de Educação (FNE).
Foram realizados 21 seminários nos diferentes biomas do país, para promover ampla consulta aos povos indígenas e participação social. As contribuições sistematizadas nestes encontros irão subsidiar a formulação da proposta da instituição de ensino.
Os avanços para a criação da Universidade Indígena são fruto da reivindicação histórica dos povos indígenas para uma educação superior adequada às necessidades e particularidades dos povos indígenas, rompendo com a violência epistemológica e intelectual sofrida por esses povos historicamente, como defendido pelo antropólogo e professor Gersem Baniwa, durante o evento.
“Assumimos o compromisso de continuar trabalhando em conjunto com o MEC por uma educação indígena de qualidade e do nosso jeito, com nossos saberes, nossas línguas, nossos modos de vida, nossos modos de educar, aprender e ensinar, atendendo os sonhos de mais de 4 mil escolas indígenas, mais de 20 mil professores indígenas e 300 mil estudantes indígenas em todo o Brasil”, disse o professor.