Foto: Lia R Domingues/ARSX
As sementes se dispersam de forma variada ao longo do tempo e do espaço. Essa é a conclusão de um estudo recente publicado na revista científica Restoration Ecology que fornece informações sobre produção de sementes de espécies arbóreas nativas na zona de transição Cerrado-Amazônia.
Liderada por Aline Ferragutti e uma equipe de pesquisadores, incluindo o pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Leandro Maracahipes, e o ex-pesquisador do IPAM e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Divino Silvério, a pesquisa poderá apoiar os esforços de restauração ecológica, especialmente em áreas impactadas pelo desmatamento e degradação da vegetação nativa, como a região estudada.
O estudo analisou dados da produção de sementes de 139 espécies de árvores coletados ao longo de oito anos na região de transição Cerrado-Amazônia, área de complexidade ecológica e vulnerável às atividades humanas. A região faz parte da Bacia do Xingu, que enfrenta crescente pressão do desmatamento, expansão agrícola e mudanças climáticas, tornando a restauração de áreas degradadas essencial.
De acordo com os dados, espécies de ambos os biomas apresentaram períodos prolongados de dispersão de sementes, especialmente no final da estação seca e início da chuvosa, quando as condições para o estabelecimento dos propágulos – estruturas celulares que desprendem-se de uma planta adulta para dar origem a uma nova -, são ideais.
Identificou-se que as variáveis climáticas, como temperatura e precipitação, desempenham um papel na regulação da dispersão de sementes. Quase dois terços das espécies estudadas mostraram uma correlação significativa entre a dispersão de sementes e as condições climáticas, indicando que as mudanças climáticas podem afetar os padrões naturais de dispersão de sementes, com possíveis consequências negativas para os esforços de restauração.
Restauração
A restauração de áreas degradadas na zona de transição Cerrado-Amazônia é uma parte crucial dos esforços mais amplos para mitigar o desmatamento no Cerrado e na Amazônia e aumentar a resiliência dos ecossistemas. A oferta de sementes é um ponto crucial para iniciativas de restauração em grande escala, e esta pesquisa oferece soluções práticas para melhorar as estratégias de coleta. Compreendendo o tempo e a variabilidade espacial da dispersão de sementes, iniciativas como a Rede de Sementes do Xingu podem otimizar os cronogramas de coleta para garantir um suprimento contínuo de sementes para projetos de restauração ao longo do ano.
A Rede de Sementes do Xingu, parceiro-chave nesta pesquisa, é um coletivo de mais de 500 coletores de sementes de 24 grupos da região, incluindo diversas comunidades indígenas, urbanas e de agricultores familiares. A rede desempenha um papel essencial no fornecimento de sementes para a restauração ecológica, gerando renda para as comunidades locais.
Ao incorporar as descobertas deste estudo, a Rede de Sementes do Xingu pode aumentar sua capacidade de atender à crescente demanda por sementes nativas, que deverá crescer à medida que o Brasil intensifica seus esforços para cumprir as metas de restauração estabelecidas na Lei de Proteção da Vegetação Nativa, no Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa), e em outros acordos internacionais.
Zona de transição Cerrado-Amazônia
As descobertas deste estudo colaboram com a busca por soluções inovadoras para restaurar ecossistemas sob a Década da ONU para a Restauração de Ecossistemas. A zona de transição Cerrado-Amazônia no Brasil – conhecida como “Arco do desmatamento” – é um ponto crítico de biodiversidade, lar de espécies únicas de plantas e animais cada vez mais ameaçadas pelas atividades humanas. A restauração dessa área contribui para a preservação da biodiversidade e para a manutenção de serviços ecossistêmicos vitais, como a ciclagem da água, o sequestro de carbono e a regulação climática.
Os esforços para restaurar áreas degradadas na região podem servir de modelo para outras regiões tropicais que enfrentam desafios semelhantes. O foco do estudo na importância da variabilidade espaço-temporal da dispersão de sementes ressalta a necessidade de estratégias de restauração adaptadas regionalmente, levando em conta as condições climáticas locais e os padrões reprodutivos específicos das espécies.
Fortalecimento de comunidades tradicionais/locais
Os resultados do estudo ressaltam a necessidade do investimento em redes de sementes de espécies nativas e no envolvimento das comunidades locais nos esforços de restauração.
Silvério enfatiza que “ao colaborar com comunidades indígenas e tradicionais, as iniciativas de restauração podem garantir o uso de maior diversidade de espécies nativas nos projetos de reflorestamento, aumentando a resiliência ecológica das áreas restauradas”.
Ainda, as redes de coletores lideradas por comunidades tradicionais garantem uma fonte de renda alternativa aos coletores.
À medida que a atenção global se volta para a restauração de ecossistemas degradados, esta pesquisa possibilita, por meio de esforços de restauração direcionados e informados, reverter os impactos da degradação em áreas de preservação permanentes, terras indígenas e de comunidades tradicionais nos dois maiores biomas da América Latina: a Amazônia e o Cerrado.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo IPAM, escrito por Camila Santana