Primeiro macho de onça-pintada no país a ter sido resgatado é reintroduzido na Amazônia

A onça foi transferida para um recinto de reabilitação no estado do Pará. Ela permanecerá ali, usufruindo de um espaço de 15 mil m2, por até dois anos.  

Xamã está de casa nova. Depois de cinco meses em recuperação no Setor de Atendimento de Animais Silvestres do Hospital Veterinário (Hovet) da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a jovem onça-pintada (Panthera onca) foi transferida e chegou em janeiro de 2023 ao recinto de reabilitação no estado do Pará. Ele permanecerá ali, usufruindo de um espaço de 15 mil m2, por até dois anos. Vai ser apoiado no aprendizado dos comportamentos básicos da espécie, como caça e defesa, os quais não teve oportunidade de receber da mãe. Quando atingir a maturidade e estiver apto para a reintrodução na natureza, será liberado em uma área adequada e segura para voltar a viver uma vida selvagem. Ao completar esse processo, Xamã será o primeiro macho da espécie no país a ter sido resgatado e reintroduzido com sucesso na Amazônia.

“Empreender todos os esforços possíveis para tratar, reabilitar e devolver o Xamã ao ambiente de origem, onde ele poderá desempenhar na plenitude os seus comportamentos naturais, é tanto uma questão de responsabilidade coletiva quanto um ato de resistência contra o sistema alimentar e econômico insustentável que ameaça a existência de animais silvestres e humanos igualmente”, diz David Maziteli, gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial.

Recinto de reabilitação em que Xamã permanecerá por até dois anos – Foto: Noelly Castro/Proteção Animal Mundial

A experiência inédita de reintrodução de Xamã na Amazônia deve gerar conhecimentos científicos para a conservação de onças-pintadas em liberdade no bioma, e no país em geral, ajudando enfrentar pressões de desmatamento e incêndios florestais impulsionados pela expansão agropecuária, o avanço desordenado da urbanização, além de atividades ilegais de mineração, caça e tráfico de vida silvestre.

O Brasil é considerado um país chave para a conservação da espécie, uma vez que ainda concentra as maiores populações de onças-pintadas do mundo. Amazônia é o território mais importante para a conservação da onça-pintada em longo prazo. Entre outros aspectos, a presença das onças-pintadas, por sua vez, é estratégica para a preservação ambiental porque estes animais são muito sensíveis a perturbações ambientais e, por isso, são úteis no monitoramento da qualidade do habitat (espécie bioindicadora).

O resgate

Xamã foi resgatado na região de Sinop, município do Mato Grosso em agosto de 2022, quando tinha cerca de dois meses de idade e pouco mais de 10kg. Provavelmente havia se separado da mãe ao fugir de um grande incêndio florestal ocorrido nas imediações pouco antes. Ele estava sozinho e assustado em uma propriedade privada nas imediações do Rio Teles Pires. Havia sido acuado por cães e apresentava um estado geral de desnutrição e desidratação. 

“Xamã foi recebendo inicialmente reposição nutricional e apresentando uma melhora consistente do score corporal.
Gradualmente foram sendo introduzidos elementos de enriquecimento ambiental para que ele se sentisse seguro no recinto temporário, nesse novo local em que ele estava agora, sozinho, e para estimular o seu desenvolvimento”, relata a professora Elaine Dione. Com o passar do tempo, o mais importante, a equipe seguiu um protocolo cuidadoso e constatou que Xamã manteve instintos selvagens, como o comportamento arisco em relação à presença humana.

Para o objetivo de reintrodução na natureza este é um aspecto vital. Evitar o imprinting – grosso modo, a habituação ou apego aos humanos – é fundamental para garantir o sucesso no retorno à vida selvagem. Do ponto de vista do bem-estar de um animal, ou seja, da possibilidade de um indivíduo expressar plena e livremente todos os comportamentos naturais, o retorno à natureza é o caminho a ser seguido. Animais selvagens devem viver uma vida selvagem. 

Xamã após sedação e exames de pré-transferência –  Foto: Noelly Castro/Proteção Animal Mundial

Próximos passos

A partir de agora Xamã está sendo assistido permanentemente por uma equipe biólogos para ganhar os comportamentos básicos de sua espécie, como caça e defesa. Será estimulado a realizar o que teria aprendido da mãe até por volta de 17 meses de idade. Terá todo o recinto de floresta amazônica nativa densa e rica exclusivamente para ele. No dia a dia, o contato com humanos será mínimo e ele terá as movimentações essencialmente acompanhadas por câmeras.

Quando tiver atingido a maturidade e alcançado a autonomia para viver novamente na floresta e exercer seu papel ecológico, inclusive como macho saudável e fértil, podendo contribuir para o aumento populacional da espécie, será solto, mas seguirá ainda sob monitoramento remoto por algum tempo. Vai ganhar um rádio colar que permitirá aos especialistas acompanharem remotamente, por pelo menos um ano, aspectos como a sua movimentação, a atividade de delimitação de espaço e a marcação de território.

Xamã é flagrado pela primeira vez durante movimentação no recinto de reabilitação – Foto: Leonardo Sartorello/Onçafari

“Eu costumo dizer que a gente só faz uma parte do trabalho, o animal é que faz todo o resto”, diz Leonardo Sartorello, biólogo coordenador do Programa de Reintrodução do Onçafari e supervisor do projeto envolvendo Xamã a partir de agora. “Nós avaliamos o animal e o comportamento inicial dele foi excelente! Ele é um animal arredio mesmo, e isso é muito bom, porque sei que no futuro e não irá se aproximar de nenhuma propriedade e de nenhuma pessoa. Ele não tem medo de pessoas, mas respeito. Isso é bom para ele, uma vez que significa que irá se virar bem sozinho. Aprendendo a executar os comportamentos da espécie e a disputar o território dele, o ser humano não será um problema”, prossegue.

Sobre o pioneirismo do projeto Leonardo avalia: “O Xamã representa um desafio, pois será o primeiro macho reintroduzido na Amazônia, com todo treinamento e o monitoramento adequado para avaliarmos o sucesso do processo. Outras tentativas já foram feitas, mas não com essa abordagem desenvolvida com sucesso ao longo dos anos, e isso pode ser um grande divisor de águas para a conservação da espécie”.

Durante todo esse processo, Xamã gerará dados que indicarão a sua adaptação e que irão ajudar na reabilitação futura de outros machos da espécie, amparando, inclusive, decisões para políticas públicas. 

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