Pesquisadores iniciam campanha de captura científica de onças-pintadas na Amazônia

Barcos, antenas e armadilhas preparadas: os pesquisadores do Instituto Mamirauá estão prontos para a primeira campanha de captura de onças-pintadas deste ano na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM), no Amazonas. O trabalho do Grupo de Pesquisa Ecologia e Conservação de Felinos na Amazônia (GP Felinos) do Instituto Mamirauá teve início nesta semana e deve se prolongar pelo período de enchente nas várzeas (florestas alagáveis) da reserva.

As capturas e instalações de colares com rastreadores fazem parte de uma linha de pesquisa do instituto chamada de “Ecologia do Movimento de Felinos na Amazônia”.
 

Pesquisadores iniciam campanha de captura científica de onças-pintadas em reserva na Amazônia. Foto: Bernardo Oliveira/Instituto Mamirauá 

Através da técnica de telemetria, com a qual é possível monitorar, no caso desse estudo, por VHF (um sistema de rádio com frequência muito elevada) e GPS, a posição e movimentação dos animais em vida livre, o GP Felinos tem criado um banco de dados do posicionamento das onças-pintadas na reserva Mamirauá ao longo do tempo. Dessa forma, pode-se compreender melhor o comportamento da espécie nas florestas de várzea da região, cujos ambientes podem ficar até quatro meses do ano debaixo da água.

“A ideia é entender por onde as onças-pintadas se movimentam, por que elas se movimentam nesses locais e qual é a área de vida que elas necessitam para executar suas atividades diárias. ”, comenta Emiliano Esterci Ramalho, líder do GP Felinos e Diretor Técnico-Científico do Instituto Mamirauá, uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

Graças às pesquisas, foi possível confirmar uma particularidade possivelmente única às onças de Mamirauá: descobriu-se que esses indivíduos não deixam a região no período da cheia, quando a floresta está alagada. Em vez disso, passam meses em cima das árvores, onde caçam, comem dormem e se reproduzem.

“Constatamos isso há oito anos, quando conseguimos acompanhar pela primeira vez uma fêmea durante o ano todo. Ela ficou aqui na várzea em todo esse período e criou o seu filhote com sucesso. ”, relata Emiliano Ramalho. Isso comprova para a ciência o que o conhecimento tradicional, passado de geração em geração, das comunidades locais já descrevia há muito tempo.
 

Onça-pintada registrada em armadilha fotográfica da pesquisa. Foto: Divulgação/Instituto Mamirauá 

Apesar da dinâmica da água, o ambiente das várzeas é tão favorável à espécie que a região possui uma das maiores densidades populacionais de onças-pintadas do planeta, com aproximadamente 10 onças a cada 100 km² (quilômetros quadrados). As pesquisas contam com apoio da Fundação Gordon and Betty Moore.

Como acontecem as capturas

Para instalar os colares nos pescoços dos animais, os pesquisadores do instituto utilizam armadilhas de laço, projetadas para prender a pata dos felinos, sem machucá-los. O equipamento é posicionado em trilhas monitoradas pelos pesquisadores. A época enchente é a escolhida por reduzir a área por onde as onças-pintadas caminham.

Para cada laço, duas armadilhas fotográficas – câmeras utilizadas para registrar o momento em que o animal cai no laço e observar remotamente o comportamento dos felinos na floresta – são colocadas em árvores próximas para registrar o momento em que o animal cai no laço e observar seu comportamento. Um transmissor de rádio é conectado à armadilha para que os pesquisadores chequem à distância, através de uma antena, se algum dos aparelhos foi ativado.

Com a onça no laço, um dardo carregado com substância anestésica é disparado no animal, através de um rifle próprio para esse uso. Após o verificar o animal no laço, o animal é anestesiado utilizando dardos, aplicados através de rifle. Assim é realizado o processo de coleta de material biológico, exame clínico, pesagem, biometria, e instalação do colar. O trabalho leva cerca de uma hora para ser concluído.

A perspectiva para as capturas deste ano é desafiadora, mas tem também aspectos positivos. “[O rio] está enchendo muito rápido. Isso é ruim porque diminui a área na qual as armadilhas podem ser posicionadas. Por outro lado, também limita o espaço por onde as onças podem circular. ”, afirma o pesquisador.
 

Pesquisadores iniciam campanha de captura científica de onças-pintadas em reserva na Amazônia. Foto: Bernardo Oliveira/Instituto Mamirauá 

Um modelo de sucesso

Há 10 anos, os pesquisadores do Instituto Mamirauá vêm capturando onças-pintadas e instalando colares com rastreadores, que, depois de um ano, automaticamente se soltam dos animais. Ao todo, mais de 25 onças já foram acompanhadas pela pesquisa.

“As informações coletadas são muito valiosas porque nos permitem conhecer melhor a ecologia do animal e saber quais são as necessidades dessa espécie. ”, explica Emiliano Ramalho.  “O trabalho é essencial para que determinemos as áreas prioritárias para a conservação e qual é o tamanho de área que precisamos conservar para proteger populações viáveis dessa espécie.”

Além disso, com os colares instalados, as onças podem ser encontradas com facilidade e passam a fazer parte das ações do Programa de Turismo de Base Comunitária do Instituto Mamirauá, que apoia a gestão da Pousada Uacari – projeto de ecoturismo gerido em parceria entre o instituto e dez comunidades da reserva Mamirauá. Anualmente, um pequeno grupo de turistas acompanha os pesquisadores do instituto à procura do maior felino das Américas na “Expedição Onça-Pintada”, gerando renda para as comunidades locais.

Segundo Emiliano Ramalho, o sucesso da pesquisa com onças-pintadas do instituto está em sintonia com os objetivos do Instituto Mamirauá: conservação da biodiversidade regional, através de ciência bem-feita, e melhoria da qualidade de vida das populações humanas locais. “Isso mostra que o modelo criado por Márcio Ayres (biólogo e um dos idealizadores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e do Instituto Mamirauá) funciona.”
 

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