Ciclo de reprodução de peixes na Amazônia é determinado pelos rios; biólogo explica

Entre os peixes amazônicos, há uma ampla variedade de estratégias reprodutivas. Algumas espécies realizam longas migrações, outras adotam desova múltipla ou prolongam o período reprodutivo ao longo de meses.

Foto: Marco Aurélio Esparza/Wikimedia Commons

Os peixes da Amazônia apresentam padrões de reprodução fortemente conectados com o ciclo hidrológico da região. A cheia (enchente), a seca (vazante) e as flutuações da vazão dos rios influenciam diretamente o momento em que muitos peixes se reproduzem.

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Em ambientes amazônicos, os peixes precisam sincronizar a desova com momentos favoráveis — seja para garantir alimento abundante aos alevinos, seja para proporcionar locais seguros de abrigo. Em alguns casos, o início da estação chuvosa sinaliza o momento crítico para a reprodução. Em outros, certas espécies adaptam-se a períodos mais prolongados.

A inundação das margens, a expansão das águas nos igarapés e várzeas e a migração de adultos para diferentes habitats são elementos que determinam “quando” e “como” os peixes se reproduzem. Por isso, estudar a reprodução de peixes na Amazônia é observar muito mais que a biologia individual: é compreender a dinâmica dos rios, da floresta e dos ciclos sazonais.

O Portal Amazônia buscou por estudos e pesquisas recentes que apontam esse vínculo entre os peixes amazônicos e o ambiente para a reprodução, com especial atenção aos fatores ambientais e aos diferentes padrões reprodutivos, e também conversou com o biólogo Edinbergh Oliveira.

Ambiente e disparadores da reprodução dos peixes

Pesquisas sobre espécies de riachos amazônicos mostram que variáveis como profundidade do canal, condutividade elétrica, revestimento de folhagem no leito e pluviometria influenciam a atividade reprodutiva dos peixes. Um estudo com Helogenes marmoratus, pequeno peixe de riacho amazônico, identificou um período reprodutivo estendido entre julho de 2019 e março de 2020. A pesquisa apontou que a profundidade e a condutividade explicaram cerca de 32% da variação no índice gonado-somático (GSI) das fêmeas.

Em rios principais e na plataforma continental, outra espécie, Lutjanus purpureus (o pargo-vermelho do Atlântico Norte e bacia amazônica), apresentou picos de desova identificados em períodos de maior descarga do rio: o mais relevante entre janeiro e março, com uma possível segunda onda em outubro.

Leia também: Portal Amazônia responde: os peixes sentem sede?

Esses estudos reforçam que os peixes amazônicos dependem de janelas sazonais — geralmente ligadas à cheia ou ao início da inundação — para iniciar a reprodução. A inundação amplia os habitats, disponibiliza recursos alimentares para larvas e juvenis e oferece abrigo contra predadores.

O biólogo Edinbergh Oliveira explica que o processo de enchente tem um papel fundamental:

“A enchente dos rios amazônicos constitui o principal gatilho para a maioria das espécies de peixes migradoras, ou seja, que sobem grandes distâncias rio acima para desovar. No entanto, um menor número de espécies migradoras de curtas distâncias e que fazem movimentos laterais dos lagos para o canal principal do rio desovam tanto na enchente quanto na vazante”, detalha.

Padrões reprodutivos são diversos entre os peixes

Entre os peixes amazônicos, há uma ampla variedade de estratégias reprodutivas. Algumas espécies realizam longas migrações, outras adotam desova múltipla ou prolongam o período reprodutivo ao longo de meses.

De acordo com o biólogo, os grandes migradores (como tambaqui, jaraqui, sardinha, aracu, cubiu, pacu, piramutaba, surubim, piraíba e mandi) desovam durante os meses de enchente.

Larva do cubiu ( Hemiodus spp) mede 3,7 mm de comprimento padrão. Foto: Edinbergh Oliveira/ Laboratório de Ecologia Aquática do ICB/ UFAM

Já espécies como sardinha (Família Engraulidae), pescada, mapará, acará, tucunaré, aruanã e pirarucu desovam tanto na enchente quanto na vazante.

Larva de mapará ( Hypophthalmus marginatus ) de 3,2 mm de comprimento padrão. Foto: Edinbergh Oliveira/ Laboratório de Ecologia Aquática do ICB/ UFAM

Leia também: Portal Amazônia responde: como funcionam os processos de enchente e vazante dos rios?

O artigo Natural History of Amazon Fishes descreve que alguns peixes se reproduzem uma única vez na vida e depois morrem (semelparidade), enquanto outros se reproduzem várias vezes ao longo da vida (iteroparidade). Essa diversidade mostra como os peixes da Amazônia adaptam a reprodução às condições ambientais e ao tipo de habitat ocupado.

Locais com alta variabilidade hidrológica favorecem espécies com estratégias mais flexíveis ou prolongadas, enquanto ambientes mais estáveis permitem janelas mais definidas.

Defeso e conservação das espécies

Tambaqui é uma espécie de peixe amazônico que desova durante as enchentes. Foto: Siglia Souza/ Embrapa

O entendimento dos padrões de reprodução tem implicações diretas para a pesca, a aquicultura e a conservação. Quando a reprodução dos peixes está fortemente ligada a janelas sazonais — como durante a enchente — a pesca fora desses períodos pode comprometer a renovação das populações.

Para Oliveira, o período de defeso é uma ferramenta essencial para mitigar os impactos da pesca sobre as espécies reprodutoras, embora ainda careça de aprimoramento e fiscalização.

“A Lei do Defeso, baseada no Decreto Federal 221 de 1967 e na Portaria 48 de 2007 do Ibama, é uma ferramenta importante de manejo da pesca, não que seja a ideal, mas é a que existe hoje e possibilita mitigar em parte os impactos, pois protege as espécies durante os meses da enchente. Além disso, há o lado social: o salário-defeso pago aos pescadores cadastrados entre novembro e março, período de proibição da captura das espécies comerciais”, explica.

“Mas ainda falta fiscalização das autoridades estaduais e municipais e consciência dos consumidores para evitar o consumo das espécies protegidas. Assim, poderemos reduzir a pressão sobre os estoques pesqueiros e viabilizar uma pesca com manejo mais sustentáve”, finaliza

Alterações no ambiente — como construção de barragens, desmatamento das margens e mudanças na vazão — também podem interferir diretamente nos disparadores naturais da reprodução. A ausência de dados biológicos históricos sobre reprodução ainda dificulta a adoção de medidas mais eficientes de manejo para muitas espécies.

Em resumo, os peixes amazônicos dependem fortemente da dinâmica ambiental para a reprodução. A enchente, a vazante e as variações de nível dos rios definem o momento e o local da desova. A diversidade de estratégias — desde desova única até períodos prolongados — demonstra a complexa adaptação dos organismos aquáticos ao ambiente amazônico.

O biólogo defende que compreender esses padrões e fortalecer instrumentos como o defeso e a fiscalização são passos fundamentais para garantir a conservação e o uso sustentável dos recursos pesqueiros da maior bacia hidrográfica do planeta.

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