Futebol ‘queer’ na Amazônia: times LGBTQIA+ do Pará lutam por reconhecimento

O Portal Amazônia entrevistou participantes de times LGBTQIA+ do Pará para saber a realidade de um ‘queer’ ao entrar em campo.

O sonho de muitas crianças e jovens, seja menino ou menina, é se tornar jogador(a) de futebol profissional. Essa é uma conquista árdua e que exige bastante sacrifícios. Afinal, são anos de treinamento e abdicações para alcançar a excelência no universo futebolístico, mas há outro fator que pode dificultar a vida no campo: o preconceito. O futebol é um dos esportes mais conhecidos por não ser inclusivo.

Agora, já imaginou ser um jovem gay, orgulhoso e assumido, tentando ingressar no universo do futebol? A jornada com certeza terá muito mais obstáculos do que para um jovem heterossexual. Porém, mesmo com vários empecilhos, o número de times de futebol voltados para a comunidade LGBTQIA+, tem crescido. No Pará, por exemplo, os times se movimentam para ganhar visibilidade.

Time ‘Barcemonas’ é um dos representantes da comunidade LGBTQIA+ no futebol no Pará. Foto: Reprodução/Instagram-

Atualmente, 20 times queer do Pará estão confirmados na primeira edição da Copa Arco Íris, que acontece no dia 19 de março deste ano na cidade de Marituba (distante a 25 km de Belém).

As equipes participantes são: ‘As Capivaras’, ‘As Fênix’, ‘As Brasileiras’, ‘As Fogo no Rabo’, ‘As Packetes F. Gay’, ‘Barcemonas’, ‘As Poderosas’, ‘As Unicornias’, ‘Damas de Ferro’, ‘Desportivo Cultura da Diversidade’, ‘Divas de Ipê’, ‘Diva’s Futebol Gay’, ‘Diversidade Paracomonas’, ‘Gaychas F.G’, ‘Panteras F.C’, ‘Panteras Negras’, ‘Princesas Marajoaras’, ‘Rosas de Aço’, ‘Real Mdrinhas’ e ‘Vikings’.

De acordo com o responsável pelo evento e presidente do Barcemonas, Leivy Souza, a comunidade LGBTQIA+ sofre pelo preconceito e ignorância das pessoas.

“Criei o evento, pois não temos visibilidade. Somos uma classe esquecida pelos campeonatos, torneios, tanto masculino, quanto feminino. Então, por que não para o público LGBTQIA+?”,

explicou Leivy.

Alguns times LGBTQIA+ do Pará. Foto: Divulgação

Competência  

É no campo que o meio atacante e lateral esquerdo do time Barcemonas, Artur Menezes, consegue escapar dos problemas e estresse do dia a dia. Ele acredita que o esporte é uma válvula de escape e que lhe proporciona “momentos maravilhosos”.

Infelizmente, depois que se assumiu gay, algumas coisas mudaram, principalmente no campo. “Comecei a ouvir certos tipos de comentários e piadinhas, mas nada que tenha me abalado, pois sempre fui uma pessoa firme no que queria”, contou. E foi através do futebol que Artur ganhou o respeito e admiração das pessoas.

O jogador se considera um porta-voz LGBTQIA+ dentro do futebol. “É nas quatro linhas que posso mostrar que gay pode jogar bola sim, que podemos ser tão competentes quanto um “hétero”. Lutar pela comunidade é um dever de todos os seguimentos que existem. Eu faço parte dessa representatividade dentro do campo”, assegurou. 

Foto: Divulgação/Ju Vieira

Autoconhecimento 

Na busca da liberdade e de querer mostrar a própria identidade em um mundo machista, a transsexual Jhennyfer Dhully decidiu ingressar no time Barcemonas. Ela é zagueira do time. “Jogando em um time LGBTQIA+ posso mostrar quem sou, sem privações ou medo de sofrer bullying“, disse.

De início, Dhully não gostava de futebol. Porém, tudo mudou quando foi convidada para conhecer o time. “Sempre tive uma visão marginalizada sobre a modalidade. Na TV, a gente vê brigas e desentendimentos. Só que através do Barcemonas percebi que não é bem assim”, contou.

Para ela, o que mais chamou atenção no futebol foi a competitividade: 

“A emoção de ter um jogo marcado, esse confronto onde vamos lutar para dar o melhor e levar a vitória para o nosso time é muito bom. Fora que jogando com outras equipes LGBTQIA+, a disputa se torna de igual para igual. Sem preconceito ou ameaça”, 

destacou.

Jhennyfer (de rosa) participa do time Barcemonas. Foto: Jhennyfer Dhully/Arquivo Pessoal/Cedida

Novas equipes 

“Eu moro na beira do campo”, conta o atleta Cleison Soares, morador do município de Augusto Correa (distante a 229 quilômetros de Belém). Durante toda a infância, ele se sentiu excluído por amar futebol, mas “não ser aquilo que a sociedade espera”, ou seja, acabava não jogando com os amigos.

“Desde criança sofria dentro do esporte, cheguei a ser agredido verbalmente, principalmente, quando fazia gol. Em time hétero, jogar bem não significa aceitação. Essa é a realidade de muitos LGBTQIA+. Inclusive, fiquei um tempo sem jogar por causa deste comportamento tóxico”, revelou Cleison.
Equipe ‘Panteras Negras’. Foto: Cleison Soares/Arquivo Pessoal/Cedida

Em 2020, inspirado pelo surgimento de times queers no Pará, Cleiton decidiu criar a própria equipe que levou o nome de Panteras Negras’. “Cada comunidade da região tem o seu time, mas a maioria dos gays jogavam em equipes héteros, por esse motivo, criamos o ‘Panteras’ e tivemos a participação de diversos membros”, explicou.

Aos poucos, o time que completa dois anos em 2022, está conquistando espaço e os jogadores se surpreenderam com a repercussão. “Alguns times héteros já marcaram para uma disputa, ou seja, sabem do nosso potencial. Inclusive, algumas equipes tem receio de jogar conosco, uma vez que jogamos de igual para igual”, disse.

Referência 

Nos campos de Abaetetuba (distante a 126 quilômetros de Belém), quem se destaca é a equipe ‘Damas de Ferro’. Os jogadores se conheceram por meio de aplicativos de mensagens e decidiram criar um time com membros LGBTQIA+. “Sempre tivemos times de handebol, voleibol e outros, mas somos a primeira equipe de futebol com integrantes queer“, afirmou o representante do time, Heraldo Alcântara.

Equipe “Damas de Ferro”. Foto: Heraldo Alcântara/Arquivo Pessoal/Cedida

Na visão dele, o preconceito será uma constante na vida dos jogadores LGBTQIA+. “Sempre seremos notados nos jogos. Comentários baixos fazem parte da nossa vivencia. Porém, a revanche vem no campo, ainda mais quando ganhamos a partida. É uma maneira de dizer que somos tão bons quanto os héteros”, afirmou.

“Sempre seremos notados nos jogos. Comentários baixos fazem parte da nossa vivencia. Porém, a revanche vem no campo, ainda mais quando ganhamos a partida. É uma maneira de dizer que somos tão bons quanto os héteros”,

afirmou Heraldo Alcântara.

Para os jogadores, dentro do campo a sexualidade não interessa. O objetivo é marcar o gol e levar a vitória ao time. “Somos e sempre vamos ser resistência. O esporte não foi feito para um público específico, mas para todos aqueles que amam e gostam de vivê-lo em sua rotina diária”, declarou.  

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