Ferrogrão: entenda sobre o projeto de ferrovia que promete impulsionar o escoamento de grãos no Norte

Ferrovia deve consolidar corredor logístico para baratear o frete e impulsionar escoamento de grãos pelos portos do Norte

O bilionário projeto logístico do governo federal para expandir a malha ferroviária e impulsionar o escoamento de grãos do Centro-Oeste pelos portos do Arco Norte tenta prosperar em meio a questionamentos legais. O Ministério da Infraestrutura (Minfra) aposta que o leilão para concessão da Ferrovia Ferrogrão EF-170 deve acontecer em breve, apesar dos entraves judiciais que barram o andamento do plano.

Há um ano, o projeto foi encaminhado para análise do Tribunal de Contas da União (TCU), passo essencial para que o edital do leilão possa ser publicado. Ocorre que os trâmites relacionados ao projeto foram suspensos em março pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Temos tudo para superar as questões judiciais da Ferrogrão e lançar na praça o edital. A Ferrogrão é um dos projetos de logística mais importantes do Brasil, estamos tocando com muita firmeza. Estamos falando de um investimento de grande porte. É uma ferrovia que vai ser o grande regulador de tarifa no Brasil”, declarou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em evento no início de julho sobre o balanço de ações da pasta referentes ao primeiro semestre deste ano, mas sem dar previsão de quando poderá acontecer.

Foto: Divulgação/Ministério da Infraestrutura

A promessa é de que a construção da ferrovia consolide, a longo prazo, um corredor logístico capaz de reduzir distâncias e aliviar o bolso de quem paga para exportar produtos como soja e milho, tendo em vista que a estimativa é de recuo de 30% a 40% no preço do frete.

A estrada de ferro também deve ajudar a diminuir as emissões de carbono quando assumir o papel desempenhado por caminhões movidos a diesel, que atualmente realizam o transporte de grãos pela BR-163. Conforme o Poder Executivo, a Ferrogrão também tem potencial para obter o “selo verde” e seguir os parâmetros da Climate Bond Initiative (CBI), organização internacional que certifica iniciativas sustentáveis.

O projeto da ferrovia, que vem sendo discutido há mais de quatro anos e é muito aguardado pelo setor do agronegócio, faz parte do Programa de Parceria de Investimentos (PPI). O valor estimado do investimento é de R$ 12 bilhões. Os recursos serão injetados pela iniciativa privada e o prazo de concessão é de 69 anos.

Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), caso o cronograma de publicação do edital siga o curso previsto, o contrato que permite colocar o trem nos trilhos pode ser assinado já no primeiro semestre de 2022. Assim, a expectativa do governo é de que a EF-170 esteja em operação daqui a dez anos.

“Quanto maior a produtividade agrícola nessa região, mais viável é a ferrovia. E já temos a declaração pública de investidores interessados em estudar a ferrogrão, ou seja, não é um objetivo só do governo, mas a iniciativa privada vê isso e o governo federal trabalha com essa estratégia de repassar ativos à iniciativa privada, pois vivemos um momento de escassez de recursos públicos que não vai se resolver tão cedo. Prevendo isso, o objetivo do estado é garantir uma infraestrutura boa, estável e que não demande recursos públicos que precisam ir à educação, saúde e segurança”, argumenta Rose Hofmann, secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e à Desapropriação do PPI.

Os 933 quilômetros da Ferrogrão irão acompanhar o traçado da BR-163. Os trilhos da ferrovia vão ligar o município de Sinop (MT) ao distrito de Miritituba (PA), nas margens do rio Tapajós. Com isso, em vez de caminhões, os grãos passarão a chegar ao local em vagões de trem e em maior quantidade. Atualmente, cerca de 70% do escoamento da safra mato-grossense de soja e milho é feita por portos do sul e sudeste, apesar de estarem localizados a mais de dois mil quilômetros da origem.

A assessora técnica da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Elisângela Lopes, avalia que o envio de produtos agrícolas aos portos do sul e sudeste resulta em altos custos de frete, situação que pode ser atenuada com a melhoria da infraestrutura para fazer o escoamento pelo Norte do país.

“Pelo Arco Norte, a gente só transporta 31,9% do que é produzido nessas regiões de novas fronteiras agrícolas, que inclui o centro-norte do país, em especial Mato Grosso, que é o maior produtor de soja e milho. Então há uma necessidade latente de se aumentar a infraestrutura de acesso a esses terminais e portos de forma que a gente possa ter um desempenho melhor no sentido de transportar esses produtos para os terminais que estão mais próximos a eles, ou seja, os terminais que compõem o Arco Norte”, pontua.

Foto: Marcos Santos/Agência Pará

O distrito de Miritituba possui estação de transbordo de carga, de onde os grãos podem ser distribuídos para terminais portuários do Arco Norte, como Itacoatiara (AM), Santana (AP), Barcarena e Santarém (PA), a fim de serem exportados.

Além disso, portos do Arco Norte continuarão recebendo grãos produzidos em Rondônia e no noroeste do Mato Grosso, escoados pela BR-364 até o terminal de Porto Velho, de onde são distribuídos para terminais que fazem a exportação. Essa rota não será afetada pela Ferrogrão.

Quando a ferrovia estiver funcionando, a assessora técnica da CNA Elisangela Lopes acredita que será possível escoar desde o começo pelo menos 20 milhões de toneladas de produtos. “Ou seja, já há uma mudança da geografia, do destino desses grãos, que hoje vão para o sul e sudeste, para os portos e terminais do arco norte. E até o final da concessão as projeções indicam um aumento superior ao dobro, chegando até 48 milhões de toneladas”.

(destacar) “Acreditamos sim que, se houver uma expansão da infraestrutura destinada a essas novas fronteiras agrícolas que cresceram a sua produção exponencialmente, porém não foram acompanhadas na mesma proporção com relação a investimentos em infraestrutura, é possível que haja um abortamento da produção. Então é necessário que se invista em infraestrutura, especialmente em infraestruturas de baixo custo”, reforça Elisangela Lopes.

 Impactos ambientais

Flávio Acatauassú, presidente da Associação dos Terminais Portuários da Bacia Amazônica (Amport), afirma que a Ferrogrão vai proporcionar o que ele denomina de “redenção” dos impactos ambientais causados pela BR-163. A rodovia foi construída na década de 1970 justamente para ligar o estado de Mato Grosso ao Pará.

“Toda vez que se abre uma rodovia, por menor que ela seja, cria-se as chamadas espinhas de peixe, que são aquelas vicinais transversais a essa rodovia troncal. Se nós insistirmos nos próximos 30 anos em transportar commodities ou qualquer outro tipo de mercadoria pelo modal rodoviário dentro do bioma amazônico vai ser inevitável a formação das espinhas de peixe, a grilagem e o desmatamento”, explica.

A ideia do governo é de que o projeto seja amplamente sustentável, sob critério técnico, econômico, social e ambiental.

(destacar) “O que se busca é o equilíbrio para cada região, para cada contexto, uma solução diferente. Não é tudo ou nada, mas um equilíbrio na matriz que prima pela sustentabilidade em todos os seus componentes”, reforça Rose Hofmann, secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e à Desapropriação do PPI.

Mas o projeto enfrenta obstáculos judiciais. Em março deste ano, acolhendo pedido de liminar protocolado pelo partido PSOL, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos da lei 13.452/2017, resultante da Medida Provisória 758/2016, que modifica os limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, o que acabou por paralisar os trâmites da Ferrogrão.

A decisão ainda será analisada pelo plenário da Corte. O ministro entendeu que o traçado da nova ferrovia cruzaria a unidade de conservação federal e que a alteração nos limites da área para possibilitar a obra não poderia ser tratada por meio de uma medida provisória.

Outro entrave envolve o Ministério Público Federal (MPF). A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do órgão emitiu uma nota técnica recentemente cobrando consulta prévia, “livre e informada” aos povos indígenas e comunidades atingidos pelo projeto.

No comunicado, o colegiado afirma que mesmo com a grandiosidade do projeto e os impactos socioambientais, não houve a oitiva dessas populações conforme prevê a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Essas pessoas têm direitos e esses direitos precisam ser preservados. Independente da gente questionar a relevância do empreendimento, a necessidade do empreendimento, o quanto o nosso país necessita de infraestrutura. O que está em discussão é um tratado internacional do qual o Brasil é signatário e foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico por uma norma também aprovada no Congresso Nacional”, explica a coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e subprocuradora-geral da República, Eliana Torelly.

Entretanto, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) entende que a consulta aos atores envolvidos deve ser feita no momento da elaboração do licenciamento ambiental. “E até isso a gente considera paralisado hoje em função dessa decisão do STF. Mas tão logo seja revertida, e tenho uma visão bem otimista, pois nós temos argumentos bem fortes em relação a isso, daremos prosseguimento ao debate e o leilão poderá acontecer naturalmente”, concluiu Rose Hofmann.

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