Trabalhadores em área de manejo florestal na Amazônia. Foto: Israel Palestina
O boletim “Concessões em Florestas Públicas Tropicais: um olhar para a cooperação baseada nos desafios em comum entre os países da Aliança BIC”, produzido pela iniciativa de Legalidade Florestal sob a coordenação do Imaflora, analisa como Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo (RDC) podem trocar experiências e fortalecer as concessões florestais como uma ferramenta de manejo sustentável e geração de renda.
Com apoio da Good Energies Foundation, o estudo contextualiza os desafios compartilhados por essas nações, que juntas abrigam 540 milhões de hectares de florestas tropicais, mas enfrentam taxas alarmantes de desmatamento. Em 2021, essas bacias florestais perderam 2,3 milhões de hectares de florestas primárias, o equivalente a ¼ do desmatamento de florestas tropicais do planeta entre 2002 e 2022.e a equivale a ¼ do desmatamento de florestas tropicais do planeta entre 2002 e 2022.
Contexto e objetivos do estudo
A Aliança das Florestas, firmada em 2022 durante o encontro do G20 em Bali, formalizou a cooperação sul-sul entre Brasil, Indonésia e RDC. O estudo teve como foco as concessões florestais, um modelo que permite que empresas, cooperativas e associações de comunidades locais explorem, de forma sustentável, as florestas públicas por meio do manejo florestal. Essa abordagem promove tanto a conservação quanto a geração de benefícios socioeconômicos. “Nosso objetivo foi identificar desafios e oportunidades para fortalecer os sistemas de concessão, integrando experiências que contribuam para práticas mais inclusivas e eficazes”, explica Marco W. Lentini, um dos autores.
Além disso, a publicação destaca que o fortalecimento de concessões florestais não é apenas uma estratégia ambiental, mas também econômica.
“As concessões têm o potencial de integrar comunidades locais em cadeias produtivas legais, garantindo renda e incentivando práticas de conservação. O foco deve estar em criar um modelo que funcione para a floresta e para as pessoas que dela dependem”, ressalta Tayane Carvalho, pesquisadora e coautora do boletim. A ênfase em inclusão e benefícios sociais seria um dos pilares para o sucesso dessa abordagem.
Metodologia: um olhar multidisciplinar
O estudo foi desenvolvido com base em uma análise documental abrangente, entrevistas com 17 especialistas do setor florestal e um levantamento bibliográfico detalhado. Essas fontes permitiram traçar um panorama comparativo entre os sistemas de concessões florestais no Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo, destacando os desafios compartilhados e as particularidades de cada país. A metodologia adotou uma abordagem multidisciplinar, integrando perspectivas econômicas, sociais e ambientais para avaliar o impacto das concessões nas florestas tropicais e nas comunidades locais.
Além disso, o boletim incorporou uma análise crítica das políticas públicas e dos instrumentos de gestão florestal vigentes nos países BIC. O objetivo foi identificar lacunas institucionais e propor caminhos para aprimorar a governança, a inclusão comunitária e a eficiência das concessões. “Esse olhar amplo foi essencial para criar recomendações que sejam tanto realistas quanto transformadoras”, explica Luísa Falcão, analista de políticas públicas do Imaflora e coautora do boletim.
Achados revelam barreiras comuns
O boletim destaca que, embora as concessões florestais tenham se consolidado como uma das estratégias mais eficazes para promover o manejo sustentável e combater a exploração ilegal, os sistemas vigentes no Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo enfrentam desafios estruturais que limitam seu impacto. Uma das principais conclusões é que esses países compartilham barreiras comuns, como a falta de governança robusta, conflitos fundiários e a ausência de políticas públicas que priorizem a inclusão de comunidades locais.
No caso do Brasil, apenas 1,3 milhão de hectares estão atualmente sob concessões florestais, muito abaixo da meta do Serviço Florestal Brasileiro, por exemplo, de chegar a 5 milhões de hectares no Brasil para esse modelo de manejo. Desde 2011, a produção total de madeira em tora dessas concessões foi de 2,4 milhões de m³, uma quantidade insuficiente frente à demanda nacional de 10 a 12 milhões de m³ anuais.
Na Indonésia, 70% das florestas públicas estão sob concessões, mas a maioria é dominada por grandes empresas. “Apesar de avanços no mercado de carbono e na exportação de madeira legalizada para a União Europeia, o país enfrenta uma forte pressão do agronegócio, especialmente do cultivo de palma, que ameaça as áreas manejadas. Conflitos sociais e a falta de reconhecimento de direitos consuetudinários também são barreiras significativas”, conta Liviam Cordeiro-Beduschi.
A RDC, por sua vez, apresenta um cenário mais crítico. Cerca de 90% da madeira explorada no país circula em mercados informais, sem qualquer tipo de regulamentação ou controle. Grandes companhias estrangeiras dominam as concessões, enquanto comunidades locais raramente são incluídas nas cadeias produtivas formais. “A governança na RDC é um desafio central. Sem mecanismos que garantam a rastreabilidade e a inclusão social, o modelo de concessões florestais enfrenta sérias limitações”, aponta Marco W. Lentini, um dos autores.
O estudo também revelou que as três nações enfrentam dificuldades em diversificar o uso das florestas além da madeira. Produtos não madeireiros, como óleos, sementes e resinas, têm um grande potencial econômico, mas permanecem subexplorados devido à falta de infraestrutura e apoio técnico. Outro ponto comum é a necessidade de integrar as concessões a mecanismos globais, como o REDD+, para atrair financiamento e incentivar a conservação das florestas.
Apesar das barreiras, o boletim destaca que há um espaço para melhorias, especialmente por meio da troca de experiências entre os países. A adoção de tecnologias de monitoramento, como satélites e sistemas de rastreabilidade digital, é apontada como uma solução compartilhada que pode fortalecer a transparência e combater a ilegalidade em larga escala. “Se conseguirmos alinhar as lições aprendidas nos três países, criaremos um modelo replicável de concessões florestais tropicais, com benefícios ambientais e sociais duradouros”, conclui Lentini.
Propostas: uma agenda para a transformação
As propostas são construídas a partir das melhores práticas observadas nos três países e buscam superar os desafios institucionais, sociais e econômicos que limitam o alcance das concessões.
Um dos pilares das recomendações é o fortalecimento da governança florestal. O estudo sugere a criação de políticas públicas que integrem as comunidades locais nas cadeias produtivas de forma efetiva, reconhecendo seus direitos territoriais e garantindo acesso aos benefícios gerados pelas concessões. “É essencial que as concessões sejam mais inclusivas, transformando as comunidades em protagonistas da conservação e do manejo sustentável. Isso fortalece a floresta e melhora a qualidade de vida das pessoas que dependem dela”, destaca Maryane Andrade, coautora do boletim.
A adoção de tecnologias de ponta é outra prioridade. Ferramentas como monitoramento por satélite, sistemas de rastreabilidade digital e drones são apontadas como soluções para aumentar a eficiência na fiscalização e garantir que a madeira comercializada seja de origem legal. No Brasil, por exemplo, plataformas como a Timberflow já demonstraram impacto positivo na rastreabilidade, mas ainda precisam ser ampliadas e integradas em escala nacional.
O boletim também propõe ampliar a escala das concessões florestais, especialmente em áreas públicas subutilizadas. No Brasil, isso significa acelerar a liberação de editais para concessões de cerca de 5 milhões de hectares e criar modelos de concessão não onerosa que favoreçam comunidades locais. Na Indonésia e na RDC, é essencial que os governos priorizem a regularização fundiária e promovam mecanismos que evitem a concentração de terras em grandes empresas.
Outro eixo importante é o financiamento de iniciativas sustentáveis, incluindo a integração das concessões florestais a mecanismos globais de pagamento por serviços ambientais, como o REDD+. Esse tipo de programa pode atrair investimentos internacionais, incentivando práticas de conservação e manejo responsável. “O futuro das concessões depende de sua capacidade de se conectar a mercados globais que valorizam a sustentabilidade e recompensam a conservação”, afirma Marco Lentini, autor do estudo.
A diversificação de produtos florestais também é uma recomendação central. Além da madeira, produtos não madeireiros, como resinas, sementes e óleos essenciais, têm potencial para ampliar a geração de renda e reduzir a dependência econômica do setor madeireiro. Para isso, é necessário investir em infraestrutura, capacitação técnica e fomento ao empreendedorismo comunitário.
Por fim, o boletim destaca a necessidade de fomentar a cooperação internacional. A troca de experiências entre Brasil, Indonésia e RDC pode acelerar a implementação de boas práticas, além de fortalecer o diálogo político em fóruns globais. “Esses países compartilham desafios semelhantes e têm muito a aprender uns com os outros. O alinhamento estratégico é uma oportunidade para criar um modelo global de concessões florestais tropicais”, conclui Lentini.
De acordo com os autores, as recomendações apontam um caminho para transformar as concessões florestais em uma ferramenta efetiva de conservação e desenvolvimento sustentável, capaz de promover benefícios duradouros para as florestas e para as populações que delas dependem.
*Com informações da Imaflora