A Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Amazonas lançou a 38a edição da publicação Conflitos no Campo Brasil, no dia 30 de agosto, apontando o balanço dos dados da violência ligada a questões agrárias no país e no estado ao longo de 2023.
O lançamento faz parte da programação da “Caravana dos Direitos Humanos”, que começou no dia 28 de agosto e contou oficinas de mobilização social e um ato público, em parceria com a Arquidiocese de Manaus, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES), Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) e outras entidades.
No primeiro ano de governo do terceiro mandato do presidente Lula, foram registrados os maiores números desde o início dos levantamentos, em 1985: ao total, foram 2.203 conflitos no país, contra 2.050 do ano anterior e 2.130 do ano de 2020, até então o ano com o primeiro lugar em conflitos. O caderno está disponível para aquisição em versão impressa e online pelo site www.cptnacional.org.br.
Destes conflitos, 1.034 ocorreram na Amazônia Legal, o que corresponde a quase metade do total. A região compreende quase 60% do território brasileiro, abrangendo os sete estados da região Norte, além de parte do Maranhão e do Mato Grosso.
Dentre os 5 estados com os maiores números de conflitos no país, 3 estão na área da Amazônia Legal: Pará (226 ocorrências), Maranhão (206) e Rondônia (186). Analisando as regiões do país, a região Norte foi a que mais registrou conflitos no campo em 2023, com 810 ocorrências. No estado do Amazonas, foram contabilizados 96 conflitos envolvendo mais de 75 mil pessoas, sendo 82 conflitos por terra, 4 ocupações e retomadas e 10 conflitos por água.
Conflitos por Terra – Dentre os 82 conflitos por terra no estado, os que mais atingem as famílias amazonenses são os despejos (803 famílias) e ameaças de despejo (2.293), tentativas ou ameaças de expulsão de seus territórios (1.039), pistolagem (7.316) e invasão de territórios (12.446 famílias atingidas).
Conflitos por Água – Estes conflitos estão mais concentrados em regiões como a Terra Indígena Vale do Javari, atingida com situações de pesca predatória, destruição e poluição das águas, além da TI Gavião Real, que sofre com as ameaças do Complexo do Azulão nos projetos de exploração do gás natural.
Trabalho – Ao contrário do que se pode observar em todo o país, com números recordes de registros de trabalho escravo rural e pessoas resgatadas, principalmente nas regiões sudeste e sul, houve uma queda acentuada na Amazônia Legal, sendo o Amazonas um dos estados que não registrou nenhum dado sobre este tipo de conflito. Estes números podem ser explicados pela diminuição ou a fragilidade de fiscalização na região, uma vez que as atividades de maior risco para a escravidão continuarem ativas, como o desmatamento de madeira, manejo florestal, pecuária e garimpo.
Violência contra a pessoa – Do total de 1.467 pessoas vítimas de algum tipo de violência individual registrado pela CPT em 2023, 1.108 (ou 75,5%) estavam na Amazônia Legal quando tal violência ocorreu. O Pará lidera com 459 vítimas, seguido de Rondônia (217) e Roraima (149).
Perfil das Vítimas – As principais vítimas dos conflitos na Amazônia são pequenos proprietários (26,4% dos registros), ao lado de indígenas (24,7%). Seguem-se trabalhadoras e trabalhadores sem terra (18%), posseiros (14%) e seringueiros (5%).
Perfil dos Causadores – Mais da metade dos conflitos são causados por fazendeiros (54,4%), seguidos de grileiros (11,3%), garimpeiros (9,7%) e empresários (9%). Em menor proporção, estão os agentes dos governos federal (4,2%), estadual (2,5%) e municipal (2,2%), além das hidrelétricas (2%). No Amazonas, as áreas indígenas têm sido atingidas por mineradoras e garimpeiros em projetos de exploração mineral, principalmente na exploração de gás nos municípios de Silves e Itapiranga, e de potássio em Autazes, com o apoio do governo do Estado.
Mulheres vítimas – Dos 180 registros de mulheres vitimadas pela violência no campo no país, 120 foram na Amazônia Legal, o que significa quase 70% dos casos.
Assassinatos – Das 31 pessoas atingidas fatalmente pelos conflitos no campo, 19 estavam na região Amazônica, o que corresponde a mais de 60% dos casos. No Amazonas, ocorreram 4 mortes, sendo de 1 sem terra e 3 posseiros, nas regiões de Canutama e Humaitá, no sul do estado (divisa com Rondônia).
As tentativas de assassinato ocorridas na região são as maiores do país (49), com destaque para os estados do Pará (16), Roraima (13) e Rondônia (8). As mortes em consequência (49) também são quase 75% do total do país (66). Esta também é a região com o maior número de pessoas ameaçadas de morte (148), com destaque para os estados de Rondônia (55), Pará (39), Maranhão (19) e Amazonas (18). Uma triste estatística também se concentra nos casos de prisões (48 das 90 do país) e agressões 123, de um total de 172 em todo o Brasil)
Amacro – A violência tem crescido na região da tríplice divisa dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia (chamada de Amacro ou Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira). Ao todo, foram 200 conflitos na região, que abrange 32 municípios. No caso dos assassinatos, das 31 mortes no país, 8 foram nesta região, sendo 5 causadas por grileiros. Dentre as 9 vítimas sem terra, 5 delas são dessa região.
Relatório – Elaborado anualmente há quase quatro décadas pela CPT, o Conflitos no Campo Brasil é uma fonte de pesquisa para universidades, veículos de mídia, agências governamentais e não-governamentais. A publicação é construída principalmente a partir do trabalho de agentes pastorais da CPT, nas equipes regionais que atuam em comunidades rurais por todo o país, além da apuração de denúncias, documentos e notícias, feita pela equipe de documentalistas do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc) ao longo do ano.
*Com informações da CPT Amazonas