A espécie conhecida como piracatinga possui a capacidade de localizar corpos em decomposição, que quando somados às análises comparativas de DNA podem auxiliar na identificação de vítimas de acidentes na bacia amazônica.
A piracatinga (Calophysus macropterus) é um peixe-liso, sem escamas, com tamanho máximo de 40 centímetros e com grande presença na bacia amazônica. Mas além dessas características, é popularmente conhecida como urubu d’água doce. Isso porque possui habilidade em localizar restos mortais humanos ou animais.
Nesse contexto, surgem perguntas como “esse peixe é utilizado para consumo?”, “oferece ameaça para outras espécies?”, ” sua pesca é ilegal?”. O Portal Amazônia conversou com o professor do Curso de Engenharia de Pesca da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e doutor em Ciências Pesqueiras nos Trópicos, Esner Magalhães, para explicar mais sobre a espécie.
Qual a relação da piracatinga e o uso forense?
A espécie tem hábitos alimentares necrófagos, possuem arcada dentária e mandíbula bem estruturadas e são peixes marcados por se alimentarem em cardumes e pelo forte hábito territorial. No sistema digestivo da piracatinga frequentemente são encontrados restos de animais e até humanos.
Com agilidade, a espécie possui utilidade na localização de restos mortais de vítimas de afogamento na Amazônia, quando combinado com a análise comparativa de amostras de DNA de parentes do falecido. É um método que pode servir como ferramenta forense tanto para localizar restos mortais das vítimas quanto para identificação.
Pesca
É claro que não se pode falar de piracatinga sem lembrar dos embates que a sua pesca gera. Primeiro porque a pesca da espécie se tornou uma das ameaças para a extinção do boto-vermelho (Inia geoffrensis), tucuxi (Sotalia fluviatilis) e jacarés (Caiman crocodilus e Melanosuchus niger), animal utilizado como isca na pesca da piracatinga. Conforme o doutor Esner Magalhães: “Para se ter uma ideia, só no ano de 2014, já existia uma estimativa de que mais de mil botos haviam sido sacrificados para servirem de isca para a pesca da piracatinga”.
Por conta disso, a pesca e a comercialização desse peixe foram proibidas desde janeiro de 2015. Em todo território nacional, em julho de 2021, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) instaurou uma lei que proíbe a pesca, comercialização e também armazenamento da piracatinga. Conforme o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a lei vigorava até julho de 2022, mas já foi renovada até 2023.
O engenheiro explica que: “Sem efetividade na repressão dos crimes ambientais, aditivadas por uma constante pressão existente para a liberação da pesca, principalmente exercida sobre institutos de pesquisa e seus pesquisadores, a piracatinga segue sendo uma ameaça para os botos da Amazônia”.
Consumo
O consumo da espécie na alimentação humana não é comum no Amazonas, no entanto está presente em outros Estados. Pesquisas realizadas pelo Inpa, apontam a existência de fraudes nas vendas de piracatinga e os peixes acabam sendo comercializadas como ‘filé de surubim’ e de ‘tucunaré’. Nas regiões Sul e Sudeste do país, a piracatinga é comercializada como ‘douradinha’.
Magalhães detaca que: “Todo o tema ‘pesca da piracatinga’ não envolve apenas a necessidade de estudos mais aprofundados a rede que envolve os impactos ambientais sobre as populações de animais usados como isca, mas também tem um grande reflexo do ponto de vista social, econômico e ambiental, uma vez que existe uma pressão muito grande por parte de pescadores e empresários envolvidos com este tipo de exploração”.
Uma cartilha inclusive foi elaborada por pesquisadores no Inpa, o “Guia de identificação das principais espécies de peixes comercializados como douradinha“, com o intuito de instruir sobre legislação e proteção da fauna, a pesca da piracatinga, sua identificação e outros pontos que ajudem a minimizar os impactos causados por sua pesca.