Como a pandemia afetou a economia em unidades de conservação na BR-319

Estudo realizado entre 2020 e 2021 fez levantamento de organizações de base comunitária em Unidades de Conservação em quatro municípios do Amazonas.

A pandemia agravou o cenário econômico já bastante desafiador em 13 Unidades de Conservação (UCs) nos municípios de Canutama, Humaitá, Lábrea e Manicoré, na região de abrangência da BR-319, no Amazonas. É o que mostra a Nota Técnica (NT) “A bioeconomia em Unidades de Conservação do Sul do Amazonas e o impacto da pandemia do novo coronavírus”, produzida pelo Observatório BR-319 (OBR-319). 

Ao todo, foram mapeadas 17 organizações de base comunitária, sendo 14 associações e três cooperativas, que realizam e apoiam atividades econômicas com produtos da sociobiodiversidade nas UCs de uso sustentável de Canutama, Humaitá, Lábrea e Manicoré. Todas ligadas a atividades de agricultura familiar, extrativismo, artesanato e pesca. “Essa nota aponta para a necessidade de organização e disponibilização de dados sobre quantas e quais são as organizações de base comunitária existentes nas Unidades de Conservação da BR-319. Sem esses dados é mais difícil pensar nestas organizações de forma estratégica e em políticas públicas para a região”, explica Paula Guarido, que coordenou a produção da NT.

(Foto: reprodução/Minfra)

 O estudo também buscou compreender a percepção social de lideranças locais sobre como a pandemia de Covid-19 impactou as atividades econômicas promovidas por estas organizações. São elas que, no sul do Amazonas, uma das regiões mais atingidas por desmatamento e queimadas no Brasil, sustentam uma economia que valoriza a floresta em pé, gera renda e funciona como barreira para o avanço da fronteira agropecuária predatória na Amazônia.

“O sul do Amazonas tem um grande potencial de desenvolvimento da bioeconomia, mas ainda é frágil, visto como a pandemia afetou as atividades de extração, transporte, comercialização, enfim, todas as etapas”, analisa Paula. “Isso mostra uma urgente necessidade de fortalecimento e de incentivo dessas organizações perante a crise atual e a novas crises globais que possam vir a surgir. Vale lembrar que 94% do Amazonas é formado por floresta nativa ou plantada”, destaca Guarido.

O processo de licenciamento para obras na rodovia segue avançando, mesmo em ritmo lento devido a pandemia. A finalização das obras da BR-319 vai ocasionar mudanças nas vidas das pessoas que vivem nas margens da rodovia ou em UCs, Terras Indígenas, Assentamentos e até mesmo em sedes municipais.

“Essas mudanças serão positivas e negativas, mas a proporção vai depender da implementação, ou não, da governança socioambiental na região. Não somente após a finalização da estrada, mas desde já”, alerta Paula. “Por mais que algumas pessoas acreditem que os moradores queiram a construção da rodovia a qualquer custo, esta não foi a realidade das respostas que obtivemos. Os comunitários sabem muito bem as ameaças que uma estrada feita a qualquer custo podem trazer aos seus territórios e eles querem mesmo é que ela seja bem-feita, com garantias de proteção ambiental e socioeconômica”, revela.

A NT traz cinco recomendações sobre maior participação dos moradores na elaboração de políticas públicas para a região; fortalecimento de organizações de base comunitária; presença efetiva do Estado; monitoramento constante dos casos de covid-19; e o fortalecimento de órgãos ambientais.. Além disso, apresenta trechos de relatos de lideranças comunitárias sobre problemas enfrentados pelos moradores das UCs, como caça e pesca ilegal, desmatamento, queimadas, garimpo, invasões do território, retirada ilegal de madeira e uso de recursos por não moradores.

A rodovia BR-319 tem 870 quilômetros de extensão e é a principal ligação rodoviária entre Manaus e o restante do Brasil. Ela corta uma das regiões mais biodiversas e intocadas da Amazônia, o interflúvio Purus-Madeira. Com o desmonte dos órgãos de comando e controle, e afrouxamento da fiscalização ambiental, a fronteira de desmatamento da Amazônia vem expandindo em direção à região, que já é um dos principais focos de grilagem de terras do país. “A recuperação do asfaltamento da estrada, se realizada sem a devida governança socioambiental, pode possibilitar o avanço do desmatamento no Amazonas, ainda concentrado na área abrangida pela fronteira com os estados de Rondônia, Mato Grosso e Pará, a uma área ainda bastante conservada da Amazônia brasileira”, finaliza Paula. Hoje, a região sul da rodovia, já sofre com reflexos dessa situação com municípios que possuem as mais altas taxas de desmatamento do Amazonas: Canutama, Humaitá, Lábrea e Manicoré.

Reprodução: Agência Brasil

 OBR-319

O Observatório BR-319 é formado pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Fundação Vitória Amazônica (FVA), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), WCS-Brasil, WWF-Brasil e Transparência Internacional Brasil

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