Em mais de quatro séculos de exploração, Sumaj Orcko perdeu 200 metros de sua “magnífica colina pontiaguda”

O ‘Cerro Rico’, na Bolívia, foi explorado sem parar e, em 1987, para preservar sua estrutura, foi declarado Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade pela Unesco.

Diego Huallpa descobriu,, numa noite de 1545, os fios de prata deixados pelas brasas fumegantes da fogueira que acendeu para combater o frio na montanha que o mundo mais tarde conheceria como o ‘Cerro Rico de Potosí’, na Bolívia.

Era tão rico que nesse mesmo ano, depois de confirmar que as veias estavam no chão, um grupo de espanhóis liderados pelo capitão Juan de Villarroel tomou posse da montanha e com ela firmou o estabelecimento imediato de uma vila.

O capitão espanhol tinha, como milhares de outros soldados espalhados pela América, a incumbência da Coroa de chegar a ‘El Dorado’, aquele país que os conquistadores, acreditando ser um empório de riquezas incalculáveis, avidamente procuravam.

Primeira imagem da famosa colina em 1553. A gravura corresponde ao conquistador, explorador e cronista espanhol Pedro Cieza de León. Foto: Divulgação/ABI

De um punhado de soldados, a Villa de Potosí estava três anos depois com quase 5.000 pessoas e em condições de enviar à Coroa a primeira grande carga de minério precioso.

“E por essas terras esquecidas, em 1548, passou o primeiro carregamento de prata que vomitou no ventre do Sumaj Orcko. Uma escolta de cem soldados espanhóis, mil tropeiros índios e 2.000 lhamas transportaram 7.771 barras de prata para Arequipa”, contam as crônicas da época, que estão guardadas na Casa da Moeda de Potosí.

Depois de deixar a Vila Imperial, as forças espanholas tiveram que escalar a Cordilheira dos Andes por seis meses e transitar pelo altiplano dominado pelos Sajama para proteger a carga até chegarem a Arequipa.

O vice-Reino de Lima ordenou a instalação de um forte militar intermediário entre Potosí e Arequipa para o cuidado dos animais de carga e o abastecimento das tropas que tinham sob seus cuidados os carregamentos cada vez maiores e frequentes do metal precioso.

Curahuara de Carangas, em Oruro, foi o local escolhido e ali foi construída uma igreja, no século XVI, conhecida hoje como ‘a Capela Sistina do Altiplano’, que abriga os afrescos mais antigos da América do Sul.

1600

Dizem os cronistas que a descoberta do ‘Cerro de Plata’ desencadeou tamanha febre que por volta do ano de 1600, nas festas católicas, os moradores retiravam as pedras das ruas para colocar lingotes de prata para a passagem das procissões.

A imensa riqueza do ‘Cerro Rico’ e a intensa exploração a que os espanhóis o submeteram fizeram com que a cidade crescesse de forma espantosa até atingir uma população de 160.000 habitantes, mais que Sevilha, e ainda maior que Paris ou Londres.

Sua riqueza era tão grande que em sua obra ‘Don Quixote de la Mancha’, Miguel de Cervantes cunhou o ditado espanhol “vale un Potosí“, que significa “valer uma grande fortuna”.

Os espanhóis que viviam na cidade desfrutavam de um luxo comparável apenas à realeza europeia. No início do século XVII, Potosí já contava com 36 igrejas “esplendidamente decoradas”, outras tantas casas de jogo e 14 escolas de dança.

Havia salões de baile, teatros e palcos para festas que exibiam luxuosas tapeçarias, cortinas, brasões e ourivesaria. Damascos coloridos e fios de ouro e prata pendiam das varandas das casas.

1776 

A partir de 1776, Potosí passou a fazer parte do Vice-Reino do Rio da Prata e o metal deixou de ser embarcado para a Espanha pelos portos peruanos e passou a ser enviado por Buenos Aires: 55 dias a cavalo.

Em plena guerra de independência, no Alto Peru a população de Potosí havia caído para apenas 8.000 habitantes.

O Cerro Rico de Potosí. Foto: Reprodução/ABI

1825 

Simón Bolívar e o Marechal de Ayacucho, Antonio José de Sucre, chegaram à cidade entre arcos triunfais festivamente decorados e uma multidão animada. Pisar a Vila Imperial, na história dos dois heróis da independência, significou um final brilhante após 16 anos de guerra.

Na gélida cidade, a 4.000 metros acima do nível do mar, Bolívar e Sucre “criaram coragem” e partiram a cavalo ou mula, depois a pé, pisaram o cume da montanha que, após 280 anos de exploração, já havia perdido cerca de cem metros de sua “magnífica colina pontiaguda”.

Bolívar levantou as bandeiras da Colômbia, Peru e Venezuela no topo e disse: “Vencemos na costa atlântica e em 15 anos de luta de gigantes derrubamos o edifício da tirania silenciosamente construído em três séculos. De pé sobre esta massa de prata chamada Potosí, uma colina que brota prata, e cujos ricos veios foram o tesouro da Espanha por 300 anos, estimo esta opulência como nada quando a comparo com a glória de ter trazido a bandeira vitoriosa da liberdade das praias ardentes do Orinoco, para fixá-lo aqui, no pico desta montanha, cujo seio é o espanto e a inveja do universo”.

1826 

Constituída a República, Sucre ordenou ao Ministério das Finanças que realizasse um censo para determinar quanto o Sumaj Orcko havia produzido sob o controle espanhol.

O Tesouro publicou seu relatório no jornal boliviano El Cóndor e observou que “nos últimos 244 anos, de 1556 a 1800, as minas desta República produziram a soma líquida de 164.790.117 pesos, que resulta anualmente em 6.754.000 pesos”.

“E se esta imensa quantidade foi produzida pelas minas bolivianas em uma época de ignorância e em que faltavam as máquinas e o conhecimento que agora está difundido, o que acontecerá no futuro?”, questionaram no breve relatório.

Herança 

O “Cerro Rico” foi explorado sem parar e em 1987, para preservar sua famosa estrutura, foi declarado Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura (Unesco). Três anos depois, em 1990, o Estado o declarou Monumento Nacional.

Atualmente, os dados apontam que a “barriga” da montanha é perfurada por 619 entradas de minas, das quais 207 são inacessíveis. Autoridades da região mineira tentam salvar a montanha, ainda rica em jazidas de prata e zinco, e emblema do escudo nacional boliviano, da superexploração que não para há mais de 400 anos e tem causado o desaparecimento de pouco mais 200 metros de seu topo.

“Durante a colônia extraíram-se dois bilhões de onças de prata e hoje, daquele local, saem quatro mil toneladas diárias de concentrados de chumbo, prata, zinco, antimônio e estanho, dos quais se extrai 25%. de riqueza mineral e o resto é lixo”, informa a Agência Boliviana de Informação.

Cerca de 2.000 garimpeiros cooperativos trabalham nos túneis, muitos com furadeiras mecânicas, mas outros perfuram a rocha com um combo, como era feito na colônia. 

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