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Sexta, 03 Mai 2024

Nem todo herói usa capa: conheça animais que nos ajudam com diferentes serviços dos ecossistemas

Nós, seres humanos, aproveitamos diversos benefícios da natureza, como o ar que respiramos e a água que bebemos, mas esses benefícios, também conhecidos como serviços dos ecossistemas, vão muito além disso e alguns animais são prós na arte de nos ajudar, inclusive na prevenção de doenças.

Antas – Regeneração de Florestas 

As antas (nome científico Tapirus terrestres) são animais que podem chegar a 300 quilos e 2,42 metros de comprimento. Esses animais se alimentam de frutos (dieta frugívora) e apresentam um papel muito importante na dispersão de sementes. Esses animais ingerem quantidades significativas de sementes, dado que são atualmente o maior mamífero terrestre da América do Sul, chegando a comer quase 3000 sementes por hectare por ano. 

Isso faz por si só que as antas prestem um grande serviço de manutenção das florestas onde vivem. Porém o que faz desses animais verdadeiros heróis é que a capacidade de dispersar sementes desses animais é ainda maior em florestas que sofreram queimada. As antas conseguem não só comer mais, cerca de 11.057 sementes por hectare/ano, como dispersar sementes maiores e em florestas degradadas. Além disso, apresentam vantagem em frente a outros bons dispersores de sementes, como os macacos, que é passar sem grandes problemas por áreas com pasto e plantações, o que permite o fluxo de espécies entre florestas fragmentadas. 

Em pesquisa realizada por cientistas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), foi verificado que as antas acabam por usar mais as florestas degradadas, devido à presença de plantas jovens com folhas mais saborosas, para fazer cocô e assim espalhar as sementes das quais se alimentam, o que faz da anta o principal dispersor de sementes em áreas que já foram queimadas, por exemplo.

Anta (Tapirus terrestris) uma ótima aliada na restauração de florestas degradadas. Foto: Charles J. Sharp

Coruja-das-torres – Controladora de Pragas

A coruja Tyto furcata, popularmente conhecida como suindara, coruja-de-igreja, coruja-das-torres ou rasga-mortalha é uma espécie de ave que pode habitar florestas, porém, têm preferência por áreas abertas e campos, sendo facilmente encontrada em locais antropizados, ou seja, próximo a cidades, por exemplo. 

A Suindara é considerada também como uma espécie oportunista, o que faz com que ela consuma animais que tenham maior disponibilidade no ambiente naquele momento. Pequenos mamíferos, em especial, os roedores, formam a base principal de sua dieta, e viver próximo de cidades favorece que elas se alimentem principalmente de ratos e camundongos, e fazem com que elas sejam ótimas controladoras desses animais. 

Em alguns projetos de conservação, o uso de veneno e armadilhas para controle de pragas foi substituído pela instalação de caixas-ninho para corujas, que se mostrou um método eficaz de controle de roedores. Em algumas florestas tropicais, são usadas caixas de nidificação para aumentar o número de corujas-das-torres nas áreas de cultivo de arroz, onde os roedores causam muitos danos à plantação.
Coruja-das-torres (Tyto furcata) uma predadora oportunista que nos ajuda no controle de pragas como roedores urbanos. Foto: Marcia Sidrim

Mucuras – Reguladoras de doenças

As mucuras (Didelphis marsupialis), cujo nome vem do Tupi-guarani wa-ambá, que significa "mama oca" ou "seio oco", são marsupiais, ou seja, possuem o marsúpio, uma espécie de bolsa onde os filhotes ficam alojados e se alimentam até o final de seu desenvolvimento. Apesar de muitas vezes serem confundidas com ratos, na realidade são parentes mais próximos dos cangurus, por exemplo. 

E apesar de aparentar ser um animal medroso, usando como estratégia de defesa se fingir de morto (tanatose), elas são no fundo verdadeiros heróis. Elas percorrem grandes distâncias pelas florestas, e durante o percurso, os carrapatos aproveitam para pegar uma carona, e por isso elas são consideradas `armadilhas ecológicas`. 

Porém a carona pode ter um preço bem elevado para os carrapatos. Isso porque as mucuras gostam de se manter bem limpas e por isso matam um a um os carrapatos que pegam carona nela, ingerindo alguns, que servem como fonte de proteína. Elas podem consumir milhares deles por semana e passam um número muito baixo de carrapatos que consigam infectar os seres humanos com a doença do carrapato, prevenindo assim a propagação dessa doença, que voltou a ser noticiada com preocupação no Brasil. Além de carrapatos as mucuras alimentam-se de cobras, pequenos insetos, animais peçonhentos.
Mucura (Didelphis marsupialis) se alimenta de milhares de carrapatos e nos ajudam com a prevenção da doença do carrapato, por exemplo. Foto: Zbyszek Boratynski

Cobras peçonhentas – Recursos Medicinais

Apesar da injusta má fama, as cobras do gênero Bothrops e Crotalus, conhecidas popularmente como jararacas e cascavéis na região amazônica, são verdadeiras fontes de fármacos importantes para os seres humanos. Um exemplo é o Captopril, um dos remédios mais usados do mundo por pessoas com doenças circulatórias e cardíacas, foi descoberto na década de 60 a partir do isolamento de um princípio ativo do veneno presente em uma espécie de jararaca. 

Um outro exemplo de benefício obtido a partir do veneno das serpentes, é uma cola cirúrgica superpotente chamada Selante de Fibrina. Pesquisadores da UNESP (Universidade Estadual Paulista), desenvolveram uma cola biológica a partir do veneno da cobra cascavel (gênero Crotalus). A supercola é composta por uma complexa mistura de enzimas, toxinas e aminoácidos com diversas atividades biológicas, e foi testada com sucesso em aplicações como colagem de pele, de nervos, gengivas e na cicatrização de úlceras venosas, entre outras. 

A cola é baseada no mesmo princípio natural da coagulação do sangue, e além de tudo, apresenta um baixo custo e por ser um componente biológico é facilmente absorvido pelo corpo e altamente eficaz na cicatrização de tecidos, sendo um ótimo substituto as suturas tradicionalmente utilizadas.
Jararaca (Bothrops atrox). Espécies do gênero Bothrops e Crotalus são reconhecidamente fonte de compostos utilizados para o desenvolvimento de medicamento e de colas cirúrgicas. Foto: Luciana Frazão

É imprescindível falar que os serviços dos ecossistemas estão sob ameaça, principalmente devido as mudanças climáticas, que por exemplo, potencializam a proliferação de pragas e doenças e a fragmentação dos habitats, que faz com que muitos animais fiquem ameaçados. 

Dessa forma, é muito provável que haja uma perda de benefícios da natureza que se quer descobrimos ainda. E como vocês viram, alguns animais são verdadeiros heróis e nos ajudam a atenuar alguns efeitos dessas mudanças climáticas!

É isso pessoal! Espero que tenham gostado de conhecer um pouco mais sobre alguns serviços potenciais dos ecossistemas de animais que ocorrem na Amazônia. Abraços de sucuri para vocês e até ao próximo texto com informações sobre a nossa exuberante fauna da amazônica!

Sobre a autora

Luciana Frazão é pesquisadora na Universidade de Coimbra (Portugal), onde atua em estudos relacionados as Reservas da Biosfera da UNESCO, doutora em Biodiversidade e Conservação (Universidade Federal do Amazonas) e mestre em zoologia (Universidade Federal do Pará).

*O conteúdo é de responsabilidade da colunista 

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