O poeta amazonense se tornou nacionalmente conhecido por seu engajamento na luta por direitos humanos. O Portal Amazônia reuniu outras obras que também marcaram a literatura nacional.
O poeta amazonense Thiago de Mello se tornou nacionalmente conhecido por seu engajamento na luta por direitos humanos e, por meio de sua poesia manifestava seu repúdio ao autoritarismo e à repressão no período da Ditadura Militar no País.
Nessa época, ele chegou a ser preso e passou anos em exílio em países como Argentina, Portugal e Chile, onde viveu com seu amigo Pablo Neruda. Em 1964 compôs um de seus poemas mais famosos, ‘Os Estatuto do Homem‘.
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Retornou ao Brasil em 1978 para sua cidade natal, Barreirinha, no interior do Amazonas. Ao todo, suas obras foram traduzidas para mais de 30 idiomas.
Thiago de Mello faleceu em 14 de janeiro de 2021 e o Portal Amazônia relembra outras de suas obras que deixam um legado para a literatura nacional:
Faz Escuro, Mas Eu Canto
Publicado em 1965, esse livro de poemas é sempre lembrado por seu autor como seu livro mais querido. Preso na Ditadura militar, se deparou com um de seus versos escritos na cela: “Faz escuro mas eu canto/ Porque a manhã vai chegar”. Era o sinal de que sua luta incessante pelo respeito à vida humana encontrava eco e precisava ser levada adiante.
Além de ‘Os estatutos do homem’, de 1977, este é um dos poemas mais famosos de Thiago de Mello. É inclusive um trecho de ‘Madrugada camponesa’ que teve a frase-título do livro lembrada como epígrafe na última Bienal de São Paulo, em 2021.
Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão,
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
a manhã já vai chegar.
Não vale mais a canção
feita de medo e arremedo
para enganar solidão.
Agora vale a verdade
cantada simples e sempre,
agora vale a alegria
que se constrói dia-a-dia
feita de canto e de pão.
Breve há de ser (sinto no ar)
tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longe seringal.
Já é quase tempo de amor.
Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,
minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto
porque a manhã vai chegar.
(Faz escuro, mas eu canto)
Thiago de Mello
Silêncio e Palavra (1951)
Publicado em 1951, ‘Silêncio e Palavra’ ocupa um lugar central na obra de Thiago de Mello. Marca a feliz estreia do poeta que, em reconhecimento ao seu talento, foi saudado com entusiasmo pela crítica da época, merecendo elogios de ensaístas do porte de Álvaro Lins, Otto Maria Carpeaux, Gilberto Freyre, entre outros. Obra marcada por intenso conteúdo humano, já evidencia toda a força e intensidade poética que marcam a sua poesia.
I
A couraça das palavras
protege o nosso silêncio
e esconde aquilo que somosQue importa falarmos tanto?
Apenas repetiremos.Ademais, nem são palavras.
Sons vazios de mensagem,
são como a fria mortalha
do cotidiano morto.
Como pássaros cansados,
que não encontraram pouso
certamente tombarão.Muitos verões se sucedem:
o tempo madura os frutos,
branqueia nossos cabelos.
Mas o homem noturno espera
a aurora da nossa boca.II
Se mãos estranhas romperem
a veste que nos esconde,
acharão uma verdade
em forma não revelável.
(E os homens têm olhos sujos,
não podem ver através.)Mas um dia chegará
em que a oferenda dos deuses,
dada em forma de silêncio,
em palavra transfaremos.E se porventura a dermos
ao mundo, tal como a flor
que se oferta – humilde e pura – ,
teremos então cumprido
a missão que é dada ao poeta.
E como são onda e mar,
seremos palavra e homem.Thiago de Mello
Poesia comprometida com a minha e a tua vida (1975)
Esta obra foi escrita enquanto Thiago de Mello estava exilado, então possui marcas bastante fortes desse tempo. Apesar de boa parte da vida ter passado em outros países, isso não significou um afastamento (emocional e lírico) entre Thiago de Mello e a sua terra natal.
Lançado em 1945, a obra dá uma ideia de ser direcionada às futuras gerações, para que soubessem de sua luta e que através dos escritos, a história não fosse apagada.
Para os que virão
Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular – foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
— muito mais sofridamente —
na primeira e profunda pessoa
do plural.Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo.Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.Thiago de Mello