Indígena Sabanê “prega” retorno às raízes

Antônio nasceu na cidade, mas optou por viver na comunidade indígena no município de Vilhena.

Muitos indígenas hoje vivem nas cidades e se desconectaram de seus modos de vida genuínos. São os chamados “desaldeiados”. São centenas deles. Mas também há quem faça o caminho inverso. É o caso de um funcionário da Fundação Nacional de Saúde, que trabalhou durante 22 anos como agente na instituição. Antônio Sabanê nasceu em 1968 na antiga Vila Vilhena, no núcleo urbano que na época era um distrito pertencente a Porto Velho e com uma população insipiente.

Antônio é agente de saúde. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

A cidade de Vilhena foi emancipada em 1977. Antônio foi testemunha ocular do surgimento e progresso do mundo não-indígena no Sul de Rondônia. “Minha infância eu passei em Vilhena vendendo colares e outros objetos que tecíamos, quando eram apenas duas ruas existentes”, relata. “Hoje, são mais de 100 mil habitantes e a gente até se perde. Os campos que, naquela época, eram cheios de frutas e ervas medicinais, hoje estão loteados”, constata o nativo.

Roberty gosta de estar conectado e de futebol. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Com o tempo, Antônio sentiu vontade de sair da cidade e ir morar na mata. “Como recomendava meu avô que sempre dizia que as nossas raízes são o que há de mais importante”, afirma ele. Há cerca de 20 anos, Antônio vive na comunidade indígena Sowaintê. Tem sete filhos. Dois moram em Sapezal (MT). Uma cursa faculdade de Enfermagem em Vilhena.

“A gente estuda, aprende, mas sem deixar de valorizar em primeiro lugar o que somos e o nosso lugar. Eu tenho orgulho de ser indígena, mantendo inclusive meu beiço furado. Nossa cultura, nossa língua, nossas crenças são importantes. Eu sou da área de saúde, cursei ensino médio, mas dou valor às tradições, às ervas e às raízes medicinais, por exemplo”, explica nosso anfitrião, uma espécie de pajé contemporâneo que mistura informações acadêmicas com seus conhecimentos ancestrais.

A estradinha precária que leva à comunidade indígena. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Rio Roosevelt

Às margens do lendário Rio Roosevelt — por onde passaram em 1914 o ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, acompanhado pelo militar Cândido Rondon e sua comitiva — está a comunidade indígena Sowaintê, dos indígenas Sabanê. São 18 famílias e 52 pessoas que vivem nessas terras.

Localizada a 70 km do centro de Vilhena, a comunidade indígena fica no Parque Indígena Aripuanã — área com 2,7 milhões de hectares, em que moram diversas etnias de Rondônia e do Mato Grosso, além dos Sabanê.

Mulheres indígenas pescando. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

A língua Sabanê pertence à família Nambiquara, etnia fortemente presente na história de Vilhena, mencionada em diversos trabalhos antropológicos e em relatos de viagens de brasilianistas. O termo Sabanê foi mencionado pela primeira vez em 1914 em um relatório do general Cândido Mariano da Silva Rondon, responsável pela construção da linha de telégrafo na região e líder da Expedição Científica Rondon-Roosevelt.

O acesso a comunidade indígena é difícil; em vários trechos da estrada, dominam os ‘areiões’. Às margens dos caminhos que levam aos povos indígenas, veem-se muitas belezas naturais, gado, sítios, mas também latifúndio, devastação e queimada. O bioma é o de cerrado, com características de savana e de transição para o campo e a Floresta Amazônica.

Recepção na casa de “seu” Antônio. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Chegando à reserva, há uma ponte de madeira — que sempre acaba encoberta nos tempos de chuva — com cerca de 200 metros. A reivindicação dos indígenas é que seja construído um pontilhão de concreto elevado que favoreça, inclusive, a retirada de futuras produções agrícolas. Ali está o icônico rio que um dia foi conhecido como “Rio da Dúvida”, rebatizado como Roosevelt após a expedição de 108 anos atrás.

Cada uma das famílias Sabanê que estão na reserva vive afastada uma da outra. Não há uma vila central. Mas elas mantêm atividades coletivas, tanto no entretenimento como nos roçados de mandioca, banana e abacaxi que servem apenas para a subsistência dos moradores. Também há pesca, caça e criação de galinhas. Na ponte precária do caudaloso Rio Roosevelt encontrei três mulheres pescando em meio ao paraíso, naquele fim de tarde de estio — apesar de no Brasil estarmos, oficialmente, no inverno; na Amazônia, dizem que só há duas estações: inverno (chuva) e verão (seca).

O Rio Roosevelt. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Na comunidade indígena, Antônio Sabanê é uma referência e o mais falante do grupo, é esclarecido e conhece muitas histórias da região. Foi o meu anfitrião. Tudo acontece perto de sua casa: ali está uma escola estadual de ensino médio, com 21 alunos, e um posto do Ministério da Saúde. Também ao lado de sua moradia há um campo de futebol e uma área com barraquinhas que os moradores usam para realizar eventos, como a tradicional Festa da Menina-Moça que faz parte da cultura indígena rondoniense.

Antônio mostrou o interior de sua casa feita de tábuas. Ambiente limpo, fogão à lenha, vasilhas de alumínio bem areadas, simplicidade, aconchego, apesar da rusticidade! Na parede, um velho rádio — com aparência de peça de antiquário — leva as notícias de Vilhena para os adultos que têm pouca afinidade com tecnologias e mídias mais atualizadas. Alguns preferem mesmo os programas radiofônicos em vez da internet.

O velho rádio traz as notícias da cidade. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Os adolescentes usam — e amam — os smartphones conectados com o Wifi do “postinho” de saúde. Mas, não são “escravos” do mundo virtual como muitos “urbanóides”. Eles se movimentam bastante em suas brincadeiras e gostam de futebol. É o exemplo de Ronaldy, de 17 anos, neto de Antônio Sabanê que gosta de jogar bola e s sempre arranja um tempo para espiar o celular.

Nas casas, as meninas aprendem a fazer artesanatos e a valorizar as tradições seculares do seu povo. As cestas e balaios chamam atenção pelo esmero e são vendidas aos visitantes; custam, em média, R$ 20. “Ensinamos também na escola da comunidade a fazerem cestas e outros artefatos, e contamos nossas histórias”, explica Antônio, reiterando seu objetivo de perpetuar os costumes, usos e habilidades de seu povo. 

A placa à beira da estrada: aqui passou a comitiva Rondon-Roosevelt. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Sobre o autor

Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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