As ondas bicolores representam o encontro das águas dos rios Negro e Solimões ou as ondas do mar? A discussão causa polêmica por toda a internet quando questionados sobre os pontos turísticos.
Quem adora “turistar” pelas cidades do Brasil e resolveu dar uma ‘passadinha’ por Manaus (AM), com certeza já foi conhecer alguns dos principais cartões postais da cidade: o Teatro Amazonas e o Largo de São Sebastião. O Largo possui o piso semelhante ao encontrado em outro famoso ponto turístico, mas na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o calçadão de Copacabana.
Ou será que é o inverso? Será que o calçadão “imitou” o símbolo do largo? Ou o largo copiou um dos principais pontos turísticos do Brasil?
O Portal Amazônia responde a polêmica turística: Afinal, quem veio primeiro: o Largo ou o Calçadão?
O escritor amazonense Milton Hatoum, em seu texto sobre Manaus, publicado no livro ‘Brasil Imperdível’, conta que o desenho da calçada do Largo São Sebastião serviu de referência para um dos mais famosos cartões postais do Brasil.
Mas antes de confirmar ou não essa declaração de Hatoum, vamos conhecer um pouco sobre cada um deles:
Localizado no centro histórico de Manaus, o Largo de São Sebastião ou carinhosamente chamado de apenas Largo, abriga bares, museus e casarões antigos na área ao redor da Praça de São Sebastião. No local, fica a Igreja de São Sebastião, construída em 1888, além do Teatro Amazonas, inaugurado em 1896.
Veja mais: Você conhece a história do monumento que existe no centro do Largo Sebastião, em Manaus? Saiba mais
Já na Praça de São Sebastião, de onde se pode ver a igreja e o teatro, fica, ao centro, o famoso Monumento à Abertura dos Portos, do escultor italiano Domenico de Angelis. A calçada da praça faz parte de um conjunto de obras viabilizado pelos magnatas da época áurea da borracha, no Amazonas.
Um dos símbolos mais conhecidos do Rio de Janeiro, o calçadão de pedras alvinegras possui mais 4km de extensão e emoldura um dos mais belos trechos da orla do Rio de Janeiro, partindo da praia do Leme até o Forte de Copacabana, finalizando antes do acesso à ponta do Arpoador.
Por conta do sucesso, os calçadões na cidade se estenderam até o final da praia da Barra da Tijuca, conhecido como Pontal, com diferentes padronagens em cada praia, exceto o da praia de São Conrado, que segue o mesmo traçado de Copacabana. O calçadão surgiu a pedido do então prefeito da cidade, Paulo de Frontin, para fazer parte da primeira obra de ampliação da avenida Atlântica que havia sido realizada naquela época.
Fatos históricos
Pois bem, agora vamos aos fatos históricos, a partir do crescimento do “ouro branco” da Amazônia, a borracha. A Praça de São Sebastião possui mais de 3.478,04 m² de ladrilhos com desenho que lembra o vai e vem do encontro das águas barrentas do Rio Solimões com o morno Rio Negro.
De acordo com a obra ‘Entidades e Monumentos do Amazonas’, de Gaitano Antonaccio, o granito em preto e branco começou a ser projetado em 1867, cerca de 17 anos antes do assentamento da pedra fundamental do Teatro Amazonas (em 1884). Os granitos europeus chegaram na época em que Manaus estava no auge da produção da borracha, no final do século XIX, onde ganhava contornos da arquitetura europeia, financiados pelos grandes empresários da borracha. Tanto que passou a ser conhecida como a “Paris dos Trópicos”.
Na obra ‘História do Monumento da Praça São Sebastião’, do historiador Mário Ypiranga, há um capítulo totalmente dedicado ao que ele batizou como o “Calçamento Ornamental” da praça. Das páginas 42 a 44, Ypiranga explica que o contrato de execução do serviço do calçamento foi publicado no Diário Oficial de 29 de outubro de 1899, assinado por Antônio Augusto Duarte.
O Calçamento com paralelepípedos de granito, fornecidos pelo governo, ficou orçado em seis mil réis o metro quadrado e seria colocado no centro da praça, assim como nas ruas José Clemente, 10 de Julho e entre a Avenida Eduardo Ribeiro e a praça São Sebastião.
Já o Calçadão de Copacabana é composto de pedras portuguesas pretas, brancas e vermelhas, importadas de Portugal. O desenho das ondas foi criado pelo engenheiro Pinheiro Furtado, em Portugal, no início do século XIX para o largo do Rossio de Lisboa.
Historiadores modernos apontam que o calçamento da praça foi entregue em 1901, dois anos após o contrato de execução do serviço do calçamento ter sido publicado no Diário Oficial de 29 de outubro de 1899.
Essa data é confirmada na segunda edição do livro ‘Entidades e Monumentos do Amazonas’, onde o escritor Gaitano Antonaccio defende o estudo feito pelo historiador Genesino Braga, na obra ‘Chão e Graça de Manaus de 1982’.
Gaetano afirma que, a partir do estudo feito por Braga, o piso implantado no chão da praça São Sebastião foi colocado antes do calçadão de Copacabana. Para Genesino, as ondulações construídas com o granito preto e branco simbolizam o “Encontro das Águas” e não o mar que banha as praias cariocas.
De acordo com as datas, o Calçadão de Copacabana surgiu em 1905, portanto quatro anos depois do pavimento manauara. No início, os desenhos eram diferentes, com uma faixa muito estreita onde o desenho corria de forma perpendicular ao mar. Porém, na década de 1920, as águas do mar invadiram a orla e a calçada carioca foi destruída. Assim, eles reconstruíram um novo passeio nos anos 30 e dessa vez seguindo o modelo amazonense. As calçadas também tiveram sua orientação alterada e passaram a ser paralelas ao mar.
O artista e doutor em História Social, Otoni Mesquita, aponta que duas décadas separam a construção do piso da praça São Sebastião do calçadão de Copacabana.
“O desenho do piso da praça São Sebastião é uma tradição portuguesa que você pode encontrar em Lisboa e em outras cidades. Mas o de Manaus é de 1901 e o de Copacabana é de 1922. Portanto, pelo menos 20 anos antes, ele foi aplicado aqui, mas pode ter sido aplicado em outros lugares também”, apontou.
Reviravolta
Acontece que apesar de teoricamente a praça de São Sebastião surgir primeiro que o Calçadão de Copacabana, essa arquitetura veio anos antes em um outros locais do mundo. Composta de pedras de calcita branca e basalto negro, a calçada Portuguesa teve o seu início em meados do século XIX com uma tecnologia de construção e uma herança histórica semelhante aos mosaicos Romanos. A calçada é o tipo de pavimento mais usado em espaços públicos e principalmente em passeios, não só em Portugal, mas também em países lusófonos (ex-colônias portuguesas).
Segundo pesquisa do historiador José-Augusto França, o granito em formato de ondas foi colocado em 1848, por iniciativa do General Eusébio Pinheiro Furtado, no calçamento da praça Dom Pedro IV, mais conhecida por Rossio, em Lisboa, Portugal. De acordo com França, o desenho das pedras feitas em basalto e calcário, foi um dos primeiros mosaicos deste formato a ser implantado nas praças portuguesas.
As primeiras calçadas foram executadas por presidiários, chamados na época de “grilhetas”. Atualmente, em Portugal, os trabalhadores especializados na colocação deste tipo de calçada são denominados mestres calceteiros.
Com a popularidade e o aperfeiçoamento, outros países lusófonos, como o Brasil, trouxeram essas formas para cá. Existem várias cidades brasileiras que possuem essa marca registrada das calçadas portuguesas, como é o caso do ‘Monumento aos 18 do Forte’, assinado pelo escultor Maurício Bentes, na cidade de Palmas, capital de Tocantins.