Observação de aves: uma janela da Amazônia para o mundo

As práticas de observação de aves e interpretação ambiental fortalecem comunidades e a conservação do Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre.

Entre os dias 30 de maio e 3 de junho, 27 pessoas de comunidades tradicionais e indígenas participaram da Oficina de Observação de Aves e Interpretação Ambiental no Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre, na região mais a oeste do Brasil. 

Instrutores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Secretaria de Meio Ambiente do Acre e do Serviço Florestal dos Estados Unidos, trouxeram algumas práticas relacionadas ao turismo de observação de aves e ao conceito de interpretação ambiental que, segundo o ICMBio, é definido como um conjunto de estratégias de comunicação voltadas para revelar os significados dos recursos ambientais, históricos e culturais, com o objetivo de provocar conexões pessoais entre o público e o patrimônio protegido.

“A questão da interpretação ambiental pode ser usada para saber ler o ambiente, saber enxergar a nossa volta e não transferir apenas aquilo que é tangível, mas se aprofundar na mensagem que o ambiente passa para a gente. Isso é uma grande responsabilidade. É uma missão, na verdade, para nós que moramos aqui, passar essa mensagem. A partir de agora vou tentar aplicar no meu dia a dia, na minha vida. E me aprofundar mais para, daqui a uns dias, conduzir não só observadores de aves, mas todos os turistas que vierem aqui”, conta Izaías Gomes da Silva, um dos participantes, nascido na comunidade Pé da Serra. 

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Ana Júlia Lima Cavalcante, uma das participantes da comunidade Pé da Serra, conta que a oficina a fez olhar de forma diferente para o entorno e o dia a dia de onde vive.

“As aves, que antes a gente só escutava o canto, hoje, com esse curso, despertou em nós o interesse, a curiosidade de não só ouvir o canto, mas de observar. Então, foi uma janela que se abriu, uma janela de conhecimento e de bons frutos para a gente aqui da comunidade. Se antes nós já cuidávamos, agora nós vamos cuidar ainda mais, porque cada turista que vier para cá vai saber que aqui, os moradores que tem aqui nessa comunidade, eles têm esse conhecimento sobre a floresta, sobre as aves, sobre todos os seres aqui dessa mata”, disse Júlia . 

Berço de biodiversidade 

O Parque Nacional da Serra do Divisor também é considerado um hotspot de espécies de biodiversidade no mundo, um berço das aves da Amazônia, tendo em vista as características locais, vindas da sua formação geológica. A diversidade de relevos e a variação de altitudes, que é algo único para o estado do Acre, torna o lugar um diferencial para a prática de observação de aves, com diversas espécies endêmicas da região.

Segundo o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos, no Brasil existem 1971 espécies de aves, número que especialistas dizem que pode ser maior, pois ainda existem muitas espécies não registradas. Destas, mais de 1300 estão na Amazônia, sendo que mais da metade podem ser encontradas no estado do Acre. E a maioria, mais de 520 espécies, estão nos 843 mil hectares de área do Parque Nacional. Ou seja, o extremo Oeste do Brasil abriga quase metade das aves de toda a Amazônia.

Novos registros

Entre uma aula e outra da oficina, a turma praticava  a observação de aves junto aos instrutores quando tiveram uma surpresa. Eram duas novas espécies de beija-flores que ainda não tinham sido avistadas nem registradas na área do Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre. O beija flor rabo-de-espinho (Discosura langsdorffi) que possui como característica uma faixa branca na cauda, e o topetinho-verde-amazônico (Lophornis verreauxii), que agora somam-se à lista de espécies de aves que podem ser encontradas no parque. 

Turma passarinhando Foto Lorena Brewster USFS Brasil.jpg
 Foto: Lorena Brewster /USFS Brasil

Mas a ave-símbolo, que atrai a maioria dos visitantes que buscam a observação de aves, é a Choca-do-Acre (Thamnophilus divisorius). Uma espécie pequenina e que ocorre somente na parte alta da serra, perto do mirante do parque, em um trecho específico da trilha. Miro, morador da comunidade Pé da Serra, um dos pioneiros do turismo comunitário no local, tem facilidade em encontrar o pássaro por conta do seu conhecimento e por já ter escutado o canto dela, sem saber qual espécie era. A Choca-do Acre já atrai atenção de visitantes do Brasil e do mundo.

“É uma espécie que a gente descobriu junto com o Ricardo Plácido e é muito rara, as pessoas vem de muito longe para ver essa ave”, conta.  

Com a oficina, as pessoas que participaram puderam conhecer espécies para além da Choca-do-Acre, descobrindo a riqueza e o potencial ao redor da floresta.

“Eles ampliaram os conhecimentos para perceber o mundo de outra forma e ver que é possível a gente incluir mais e mais pessoas, na tentativa de ampliar a atividade, e assim as portas se abrirem para outras comunidades, a gente fazer mais registros de pássaros e atrair mais pessoas para visitarem o parque, tornando a dinâmica aqui auto suficiente”, explica Ricardo Plácido, biólogo da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Acre, autor do Guia de Aves e um dos instrutores da oficina. 

Para Greg Butcher, um dos instrutores da oficina pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos, a conexão das comunidades com as florestas é um diferencial para quem busca as aves ao redor do mundo.

“Você não apenas vê as aves, mas você ouve elas cantando, isso realmente ajuda a construir esses laços. E de forma prática eu acho que há muitos observadores de aves que querem visitar este lugar. E isso só funciona se tem pessoas na comunidade que possam ajudá-los a encontrar as aves que eles querem ver”. 

A turma de participantes encerrou a oficina com planejamento para um futuro próximo. Eles já organizaram um grupo para fazer passarinhadas uma vez ao mês e em outubro pretendem participar de um evento global de Observação de Aves, o Global Big Day, representando o Acre, o que vai trazer ainda mais visibilidade, visitação e proteção para o Parque Nacional da Serra do Divisor.

Histórico  

Foto: Ricardo Plácido

O evento foi uma parceria do Instituto Chico Mendes, da Secretaria de Meio Ambiente do Acre, da Secretaria de Turismo do Acre, do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e da Associação de Condutores do Pé da Serra, por meio da iniciativa do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) e apoiada pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), e complementa uma série de atividades que já estão acontecendo no Parque, como o monitoramento da biodiversidade. 

Desde 2016, o Parque vem recebendo visitantes atraídos pela observação de aves e, por isso, é importante que condutores comunitários recebam formação para melhor atender esse público. Em 2018, as comunidades participaram do Curso de Condutores em Ecoturismo, ofertado pelo Instituto Federal do Acre (IFAC), em parceria com o ICMBio. Também já foram realizadas formações pelo Governo do Estado para melhorias em outros aspectos da atividade turística. A expectativa é que as parcerias continuem ofertando cursos, oficinas e capacitações, para aprimorar ainda mais o atendimento e a condução dentro do parque e melhorar a experiência do visitante. A oficina também marca a celebração do aniversário de criação da Unidade.

Neste mês de junho, dia 15, o Parque Nacional da Serra do Divisor completa 35 anos. 

“Essas formações tanto valorizam o local quanto trazem mais segurança, mais confiança para o condutor e para todos aqueles que fazem o turismo acontecer aqui, desde o barqueiro até a cozinheira, além do pessoal das pousadas que fazem o atendimento. O aumento da visitação gera um aumento da renda, do trabalho, o envolvimento de mais pessoas, como condutores ou em outras áreas tão necessárias para o bom atendimento do visitante”, reforça Tiago Juruá, analista ambiental do Instituto Chico Mendes.

Guia de Aves  

O Guia de Aves do Parque Nacional da Serra do Divisor, lançado em 2022, é uma das ferramentas do curso, também produzido no âmbito da parceria, e será utilizada pelos condutores e poderá ser apreciado pelos visitantes, facilitando o trabalho de condução e tornando-a mais interpretativa, por meio das histórias e características das aves e do local.

*Com informações do Ministério do Meio Ambiente

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