O ESG na Amazônia morreu?

Os projetos de ESG frequentemente se concentraram em satisfazer demandas de relatórios anuais ou para gerar conteúdo atraente para redes sociais

Nos últimos anos, a região Amazônica tornou-se um símbolo global da luta contra os efeitos nefastos da mudança climática, transformando-se em um verdadeiro campo de batalha onde o destino do planeta parece ser decidido. Consequentemente, foram inúmeras as ações, as menções e os projetos sobre esta região ímpar do nosso planeta que envolveram o mundo de Norte ao Sul.


Dentro desse contexto, os projetos e as boas práticas de ESG (Governança Social, Ambiental e Corporativa) surgiram como faróis de esperança, prometendo conciliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade e equidade social. No entanto, à medida que o tempo passou, a realidade desses projetos começou a ser questionada, levantando dúvidas sobre sua eficácia e, mais profundamente, sobre sua verdadeira intenção, demonstrando que diversas organizações no Brasil e mundo afora se apropriaram indevidamente da demandas de extrema relevância dos Povos da Amazônia como ferramenta de alavancagem financeira e boas matérias nos meios de comunicação.
Reprodução | Shutterstock

A verdade incômoda é que, para muitos, o ESG na Amazônia morreu. A promessa de um desenvolvimento sustentável, que respeita a biodiversidade única da região e valoriza o conhecimento ancestral de seus Povos Originários, parece ter se perdido em meio a relatórios de sustentabilidade estilizados, campanhas de marketing vazias e as revelações de greenwashing – onde empresas e projetos exageram ou falsificam suas credenciais ecológicas.

Não poderia haver consequência pior ao ser humano amazônico – aquele que habita a região da Amazônia, do que ser submetido à descrença generalizada diante de tamanha atenção para questões ambientais urgentes, ao mesmo tempo que questões sociais e de governança – como igualdade de gênero, saneamento básico, meios de subsistência e educação – se mantém com os piores índices de qualidade no cotidiano amazônico devido à apropriação sorrateira de instituições e de organizações.

A tempo, é preciso reconhecer a existência de projetos importantes e iniciativas sérias que majoritariamente foram impactadas pelo efeito greenwashing e pela nossa falta de iniciativa em nos apropriarmos e nos posicionarmos como Amazônidas – aqueles que não apenas vivem na Amazônia, mas que também compartilham da identidade cultural, social e histórica.

Mas, tudo isso aconteceu por causa do greenwashing? Não, claro que não. Isso tudo aconteceu porque somente uma irrisória quantidade de organizações da Amazônia foram capazes de navegar em um rio tão caudaloso como o Rio Amazonas usando canoas com pequenos motores em meio às grandes tempestades de projetos e ações fantasiosas. E, fica ainda pior quando, ao olhar para o cenário atual, os projetos remanescentes e os que surgem, por incrível que pareça, ainda estão dissociados da visão sistêmica corporativa e do saber amazônico. É inacreditável!

Amazon Jungle Village. Reprodução | Envato

É de extrema importância reconhecer que o maior ativo da nossa região não é a floresta e tão pouco a dimensão territorial, e sim a sabedoria ancestral. Os povos originários, os ribeirinhos, o ser humano amazônico e os amazônidas, têm mantido e gerenciado essa terra por milênios, desenvolvendo conhecimentos profundos sobre a conservação de seus recursos.

Então, pergunto ao estimado leitor: qual projeto você conhece que buscou ou busca preservar, valorizar ou ao menos manter essa riqueza maior?

Essa sabedoria tem sido amplamente ignorada ou subutilizada pelos projetos de ESG, que muitas vezes impõem soluções de cima para baixo, sem levar em conta as necessidades ou o conhecimento local. São diversas as oportunidades e as possibilidades de transformar a percepção global, seja pela música, pela gastronomia, pelo artesanato, pela linguagem, pelos costumes e/ou pelas tradições etc.

Fazendo uso da sabedoria de Heráclito – um filósofo pré-socrático considerado o “Pai da dialética” que dizia: “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio… pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem”. Precisamos olhar para frente e reconhecer que um dos principais problemas é a ausência de uma visão estratégica de longo prazo para a Sociedade 5.0 na Amazônia.

Os projetos de ESG frequentemente se concentraram em objetivos de curto prazo, buscando resultados imediatos, muitas vezes para satisfazer demandas de relatórios anuais, debêntures verdes ou para gerar conteúdo atraente para redes sociais. Essa abordagem inócua e limitada subjuga o potencial extraordinário da Amazônia e, diretamente, demanda uma transformação profunda e sistêmica que alinhe os negócios com os objetivos de sustentabilidade a longo prazo.

Reprodução | Envato

Para assegurar um futuro próspero e sustentável para as iniciativas de ESG na Amazônia, é imperativo que as reimaginemos, transcendendo os paradigmas atuais em busca de soluções genuínas e de profundo significado. Logo, os projetos de ESG precisam ir além das métricas e relatórios e enraizar-se na realidade complexa da região.

A reestruturação do ESG na Amazônia é um imperativo moral e estratégico. É tempo de abandonar a superficialidade em favor de uma perspectiva que valorize a profundidade, a conexão e o respeito genuíno pela terra e suas pessoas. Somente assim podemos esperar construir um futuro que seja verdadeiramente sustentável, justo e próspero para todos.

E, quando me refiro a todos, proponho a seguinte reflexão ao estimado leitor: quando você lê a palavra “Amazônia”, que imagem surge em sua mente?

Na grande maioria das vezes que faço essa pergunta, surge sempre como resposta a imagem de uma vasta extensão verde, rios serpenteantes e um lindo céu azul. O ponto aqui é: por que nunca conseguimos ter um “olhar” por baixo da copa das árvores? Será que você se reconhece como um dos 29,5 milhões de habitantes da região amazônica (IBGE, Censo 2022)?

Muito se fala sobre a importância de manter a floresta em pé por meio de narrativas – públicas e privadas, insinceras e, por vezes, enfadonhas que são parte integrante de campanhas de marketing fantasiosas. Mas, a grande verdade é que, você e eu, frequentemente não nos permitimos enxergar que nos confins dessa floresta, onde a vida pulsa em cada árvore, em cada criatura, dentro da terra ou no movimento caudaloso de cada rio, existe vida e que se não fizermos a nossa parte, estaremos contribuindo para um silêncio eterno que ecoará pelas gerações.

A Amazônia clama por uma atitude consciente e transformadora, que começa com a valorização de suas riquezas naturais e culturais. Agir agora é não apenas preservar um ecossistema, mas garantir o futuro da humanidade. Portanto, convido você a repensar suas atitudes, a abraçar práticas mais sustentáveis e a se tornar um agente de mudança.

Os verdadeiros projetos de ESG devem integrar verdadeiramente a sabedoria e as necessidades dos povos, trazer respostas para os impactos das mudanças climáticas, adotar uma visão de longo prazo que antecipe e modele a sociedade futura permeada pelas deep techs (inovações radicais baseadas em avanços científicos e tecnológicos disruptivos), e abraçar uma abordagem holística que veja a sustentabilidade como parte integrante de todos os aspectos dos negócios onde as empresas tornem-se protagonistas na defesa da riqueza ambiental, cultural, social e histórica da região e não apenas como uma ferramenta de relações públicas.

A janela de oportunidade para desviar o curso de nosso impacto no clima e na biodiversidade está se fechando. É hora de reimaginar o futuro da Amazônia, e esse futuro começa com a ação de cada um de nós. Juntos, podemos construir um legado de conservação e respeito, assegurando que a voz da Amazônia continue a ser ouvida, forte e clara, por todos os cantos do mundo por aqueles que verdadeiramente a representam, nós – Amazônidas! Não deixemos que o amanhã nos acuse de inação; o momento de agir é agora.

Portanto, estimado leitor, a sua escolha será pela ação ou pela inação?

Vitor Raposo é fundador da Hayashi Consultoria e sócio-diretor da TravelCorp e Sala VIP Harmony Lounge, com mais de 20 anos de experiência em gestão. Articulista no Portal Amazônia, criador e apresentador do Ser Humano Podcast e do Amazonia Forest Summit. Doutor em Administração e Mestre em Ciências da Educação para a Sociedade 5.0 pela FICS, com especializações em Strategic Foresight, Futurismo, Inovação, Gerenciamento de Projetos e Gestão Estratégica de Negócios. Atualmente, preside o Conselho Fiscal da Fundação Opção Verde e do PMI Amazonia Chapter. 

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