É! Policiais também são vítimas.
Semana passada, no dia 21 de abril, foi comemorado o dia das polícias do Brasil, e um tema bastante debatido foi a vitimização policial, ou seja, as mortes de policiais.
Mas antes de abordarmos os dados estatísticos da vitimização policial, quero render minhas homenagens às organizações policiais do Brasil.
Dia 21 de abril, dia de Tiradentes, patrono das polícias brasileiras. Nesse dia celebra-se um símbolo de luta, sacrifício e liberdade. Tiradentes foi tudo isso. As polícias não poderiam ter outro patrono. A razão de ser das Polícias é lutar e se sacrificar por uma sociedade livre, que goze de seus direitos fundamentais.
Parabenizo as valorosas Polícias deste imenso e complexo país e seus integrantes, valorosos homens e mulheres que, diuturnamente, combatem o crime, defendendo a sociedade. O maior patrimônio de uma instituição permanente são seus recursos humanos, sua tropa, aqueles que materializam os valores éticos e morais imprescindíveis para que a missão da instituição seja fielmente cumprida.
Recentemente escrevi nesta coluna um artigo intitulado Policiais Militares: Não sois máquinas, homens é que sois. Nele falamos da pressão que sofrem na atividade. O artigo foi direcionado aos policiais militares, mas também se aplica aos demais policiais de outras organizações.
Muito se fala da letalidade policial – mortes provocadas por policiais – mas pouco se fala sobre os policiais mortos no serviço ou em razão dele. As mortes ocorrem em razão da violência epidêmica. Vivemos em um país violento: violência doméstica, violência social, violência no trânsito, dias de fúria – estresse, depressão – decorrente de diversos fatores. Não dá para discorrermos em poucas laudas a causa da violência na sociedade brasileira. Talvez tratemos disso em outra ocasião. No entanto, vamos aqui mencionar uma que merece especial atenção: a cultura da resistência, do desacato e da desobediência. Essas condutas, em regra, são fruto da falta de respeito que se tem para com o Estado, representado por seus agentes públicos, ou de um Estado desacreditado que não se dá ao respeito. Infelizmente, resistir à prisão ou a abordagens policiais tem sido comum no Brasil. Essa resistência caracteriza crime descrito no art. 329 do Código Penal, in verbis:
“Art. 329 – Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio: Pena – detenção, de dois meses a dois anos”.
Nenhum agente de crime quer ser preso. Ninguém comete um crime pensando em ser preso. Ocorre exatamente o contrário: por acreditar na impunidade, que a polícia não vai descobrir a autoria do crime e encontrá-los, as pessoas praticam o crime. Se soubessem que seriam presas, não os praticariam. Infelizmente as ações voltadas para a prevenção geral não funcionam eficientemente, restando para os organismos policiais as ações repressivas, ou seja, prender. Como ninguém que ser preso, acabam por resistir a prisão, e nesse confronto de forças pé comum haver mortes, de policiais e de criminosos.
Em outro artigo que escrevemos nesta coluna, tratamos da violência epidêmica, ocasião que informamos que a região norte do Brasil é a mais violenta do país, com a mais alta taxa de homicídios por 100 mil habitantes Para combater a ”violência epidêmica” precisamos, mais do que ”política de segurança pública”, de uma ”política pública de segurança”. Essa violência reflete tanto na letalidade policial quanto na vitimização policial. Morrem dos dois lados.
Segundo o Monitor da Violência do G1, em artigo publicado em 22 de abril último, 2020 foi um “ano marcado pela alta nas mortes de agentes, mesmo em plena pandemia. Foram 198 vidas perdidas, um acréscimo de 10% em relação a 2019”i. O estudo revela, ainda, que “o número de pessoas mortas pela polícia, por sua vez, teve ligeira queda (-3%), contrastando com a alta no número de agentes assassinados e de crimes violentos no geral. Ainda assim, é um número alarmante: 5.660 pessoas foram mortas por forças policiais no Brasil”.
A taxa de pessoas mortas pelas polícias em 2020 no Brasil foi de 2,7 por 100 mil habitantes.
Observa-se, com exceção de Rondônia e Tocantins, todos os estados da região norte estão com taxas próxima média nacional ou acima: Acre (2,9) Amazonas (2,3), Roraima (2,4), Amapá (12,8) e Pará (5,5). Estes últimos bem acima da média nacional.
Amapá, segundo o Monitor da Violência, “figura novamente como a UF com a maior taxa de mortes provocadas por policiais. Com 110 vítimas, a taxa chegou a 12,8 mortes para cada 100 mil habitantes, 374% superior à média nacional. O estado, além de ter sido duramente afetado pela crise sanitária, sofreu com o apagão que deixou toda a população no escuro por três semanas e tem ainda a polícia mais letal do país. Uma soma de vulnerabilidades que deviam colocá-lo no centro do debate nacional”.
A situação do Amapá é muito preocupante e precisa ser objeto de estudo por parte da secretaria de Segurança Pública. Não se pode atribuir essa alta tão grande, 374% superior à média nacional, apenas à crise sanitária ou ao apagão energética de três semanas. As altas taxas de homicídios no estado do Amapá vem de longa data.
Entre os sete Estados brasileiros com maior taxa de mortes por mil policiais, três estão na região norte: Pará (0,7), Rondônia (0,6) e Amazonas (0,6). Taxas próximas a do Rio de Janeiro, que vive algo parecido com uma guerra civil entre policiais e traficantes.
Um dos fatores que contribuem para essas taxas altas na região norte pode ser a guerra travada com as facções criminosas que atuam na região norte, disputante território pela hegemonia do tráfico de drogas na região. Alguns especialistas, no entanto, creditam esse aumento de mortes de policiais por causa do aumento de armas circulando pelo país.
“Com o crescimento do número de armas em circulação e a alta no número de licenças expedidas pelos órgãos federais, a tendência é que conflitos banais sejam solucionados na bala. Assim, um policial que atende uma ocorrência de violência doméstica ou briga de trânsito está cada vez mais exposto ao risco de que os envolvidos estejam em posse de arma de fogo, o que pode resultar no crescimento de policiais mortos.i“
É uma explicação razoável, pois quanto mais armas nas mãos da população, maior a possibilidade de violência na resistência às ações da polícia. Juliana Martins, em artigo publicado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, informa que “em relação ao instrumento utilizado pelo agressor, 90,9% dos policiais morreram por disparo de arma de fogo, percentual bastante superior à média nacional, que é de 72,5%”i. Essa informação dá força à tese de que mais armas nas ruas expõem os policiais á risco de morte.
Segundo MARTINS, a vitimização é maior na Polícia Militar do que na Polícia Civil, e policiais continuam a morrer mais na folga do que em serviço. Ela explica que
“Isso se deve às especificidades funcionais que expõem o policial militar a um grau mais elevado de risco do que o policial civil, e ajudam a explicar as diferenças entre as corporações quando o assunto é vitimização, percebe-se que o policial militar é especialmente afetado pela violência quando não está em serviço. Estudos associam essa tendência ao fato de que o PM, pela natureza de seu trabalho, está alerta e vulnerável à violência praticamente durante todo o tempo. Não se deixa de ser policial na folga”.
A violência está relacionada a uma série de fatores, alguns dos quais já mencionamos aqui. Mas podemos acrescentar outros, tais como: deficiência na seleção, formação e aprimoramento técnico dos policiais; efetivo reduzido, abaixo do previsto nos quadros de organização; falta de equipamentos de proteção individual, tais como coletes a prova de balas e escudos balísticos, e de armas não letais. Enfim, falta investimento nas policiais.
Além de tudo isso, existe o que ZAFFARONI chama de cultura bélica e violenta: A civilização industrial implica uma inquestionável cultura bélica e violenta. É inevitável que, apesar de não ser formulada hoje em termos doutrinário nem teóricos, a comunicação de massas e grande parte dos operadores das agências do sistema penal tratem de projetar o exercício do poder punitivo como uma guerra à criminalidade e aos criminosos. A imprensa costuma mostrar os inimigos (execuções sem processos) e também soldados caídos (policiais vitimados. [..] Entretanto, isso costuma ser exibido como signo de eficácia preventiva. Por outro lado, as agências policiais descuidam da integridade de seus operadores mas, em aso de vitimização, providenciam um estrito ritual funerário de tipo militarii.
As mortes resultantes dos combates entre policiais e criminosos não pode ser vista como eficácia preventiva. Se a prevenção tivesse funcionado não haveria crime e em havendo o crime, não haveria resistência e combate. Os policiais querem cumprir com sua missão constitucional, combatendo a criminalidade e protegendo a sociedade sem precisar matar ou morrer. O ideal seria prevenir o crime, salvar a vítima, prender o agente e voltar vivo para sua casa e família. É isso que eles querem, ao invés de honras fúnebres.
Obviamente, nem sempre é possível evitar o combate, mas deve ser almejado. Se houvesse uma política pública de segurança eficiente, as mortes, em ambos os lados, seriam bem menores.
Como dizia Sun Tzu, “a suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”. Mas para isso as políticas públicas para a segurança pública precisam ser fruto de um planejamento estratégico eficiente, eficaz e efetivo. Sobre isso, discutiremos em outra ocasião.
i Monitor da Violência. https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2021/04/22/numero-de-policiais-mortos-cresce-em-2020-o-de-pessoas-mortas-em-confrontos-tem-ligeira-queda-no-brasil.ghtml
ii Monitor da Violência. https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2021/04/22/numero-de-policiais-mortos-cresce-em-2020-o-de-pessoas-mortas-em-confrontos-tem-ligeira-queda-no-brasil.ghtml
iii MARTINS, Juliana. Quando a vítima é policial. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Pág. 76.
iv ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 57/58.
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.
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