Saneamento para o futuro: conheça o primeiro beco de palafitas a receber esgotamento sanitário em Manaus

O acesso à água e infraestrutura sanitária é um direito de todo cidadão. Com os desafios da cidade de Manaus, regiões de palafitas ganham esperança de melhorias com o sucesso da aplicação no Beco Nonato.

Com mais de dois milhões de habitantes, Manaus (AM) é a capital mais populosa da Região Norte do país e a sétima maior do Brasil. Os dados são do último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado este ano. Ao todo, a população cresceu 13,12% em mais de 10 anos.

Para além de questões como educação, saúde e infraestrutura, outro fator é crucial para o desenvolvimento socioeconômico da metrópole: o saneamento básico. E este, por sua vez, anda lado a lado com todos os outros.

Mesmo sendo direito garantido pela Constituição Federal e instituído pela Lei nº 11.445/2003, na prática, áreas com maior vulnerabilidade, tem mais dificuldades de receber saneamento adequado. É o caso de palafitas e lugares mais isolados.

Contudo, um ‘case’ de sucesso despertou a atenção inclusive da Organização das Nações Unidas (ONU): o Beco Nonato – ou Beco do Nonato, como é popularmente chamado – na Zona Centro-Sul da capital amazonense.

Beco Nonato ganha arte comemorativa após receber esgotamento sanitário. Foto: Divulgação/Águas de Manaus

Considerada a primeira área de palafitas a receber sistema de esgotamento sanitário em Manaus, a comunidade do local foi a primeira a ser contemplada no programa ‘Vem Com a Gente’, em 2018, focado na implantação de redes de água em áreas vulneráveis. O trabalho foi desenvolvido pela concessionária Águas de Manaus.

“O Beco do Nonato foi a primeira área de palafitas que, em 2018, nós fizemos redes de abastecimento. Em setembro de 2022, nós iniciamos um piloto de esgoto. Nós começamos a coletar o esgoto do Beco do Nonato. São mais de 200 famílias, aproximadamente 900 pessoas que moram naquela região. Passamos a coletar e destinar até uma estação elevatória e tratar na ETE [Estação de Tratamento de Esgoto] Educandos”,

pontuou Semy Ferraz, relações institucionais da Águas de Manaus.

Mas afinal, quais são os componentes do saneamento?

Tão importante quanto ver na prática um exemplo de sucesso é entender as etapas do saneamento. Confira no infográfico a seguir: 

Impacto social

As consequências positivas resultantes da implementação do saneamento básico no Beco Nonato são observadas na prática pelos mais de 900 moradores da comunidade, como citados anteriormente.

A aposentada Ivone Silva é uma das moradoras que corrobora essa afirmação. 

Ela conta que quando foi morar no local, há “algumas décadas”, havia água canalizada de cacimbas (escavação feita até atingir um lençol de água subterrâneo; poço). 

“Minhas filhas até tomavam banho de sol. Era muito bom. Mas depois desviaram o igarapé e nossos canos de água foram aterrando, aterrando na lama e até hoje não foi encontrada essa rede”, explica. 

“Antes a gente não podia beber dessa água aterrada na lama, não podíamos lavar uma roupa branca, as crianças viviam doentes, era diarreia, era vômito. Tudo por conta da água. Eu não tinha condições de comprar uma água natural, tinha prioridade de outras coisas. E mãe de muitos filhos, a situação era complicada”,

completa.

Ivone Silva. Foto: Reprodução/Amazon Sat

Outro ponto lembrado por Ivone é o forte odor que surgia devido aos dejetos que ficavam embaixo das casas. Isso, de acordo com Semy Ferraz, ganhou solução após a instalação do sistema de esgoto, gerando uma mudança na qualidade de vida dos moradores. 

“Hoje, visitando lá, a gente ouve depoimentos de pessoas falando: ‘agora posso trazer meus parentes pra visitar minha casa. Não tenho mais vergonha do mau cheiro, do odor’. A gente já vê uma comunidade com uma qualidade de vida melhor”,

assegura.

Tecnologia inovadora

Diferentemente de bairros planejados ou devidamente pavimentados e estruturados, montar uma estrutura adequada de saneamento básico em uma comunidade de palafitas requer soluções adaptadas.

O gerente de serviços da Águas de Manaus, Felipe Poli, relata que independente da infraestrutura encontrada na cidade, a concessionária precisa se adequar para conseguir levar o saneamento para quem precisa independente do local. 

“Quando a gente assumiu a concessão, encontramos essas áreas que a gente chama de ‘invisíveis’. A população passa e não consegue enxergar porque fica ‘escondido’ dentro da malha urbana. No caso do beco, é uma infraestrutura inovadora. Uma rede de esgoto padrão normalmente é aterrada, a gente deixa apenas a ligação na frente da casa dos moradores. Aqui a gente teve que inovar”,

explicou.

A infraestrutura do saneamento implantada consiste em uma rede aérea de esgoto, na qual a tubulação que normalmente ficaria embaixo das casas, se adapta às estruturas do palafitas e ficam visíveis ao lado das casas, tornando-se parte da paisagem urbana da comunidade.

Ao todo, são 350 metros de tubulações de rede coletora, uma elevatória para bombear o esgoto. O sistema de esgoto começou a operar no local no primeiro semestre de 2023.

A estrutura de água implantada no Beco foi replicada para outras regiões vulneráveis de Manaus e resultou na implantação de mais de 150 km de redes pela cidade.

“Manaus foi uma grande experiência pra gente pra implantação desse projeto em palafita. A gente começou com esse projeto colocando a rede de água e ganhamos um prêmio pela ONU”, menciona o gerente. O trabalho proporcionou o Prêmio Cases de Sucesso em Água e Saneamento, do Pacto Global das Nações Unidas. 

ODS 

“Vida. Significa vida. Água é vida. Eu nunca esperei essa melhoria no nosso beco, nós éramos esquecidos pelos órgãos públicos. Nós somos humildes, sim, mas merecemos coisas melhores”,

comemora a aposentada Ivone.

No contexto de projetos de impacto e sustentabilidade, pode-se dizer que o projeto do Beco Nonato busca cumprir algumas das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Os ODS, termo que tem se popularizado em meio ao intenso avanço das mudanças climáticas, surgiram em 2015, na ONU, após sucesso dos Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, criados em 2000. Diferente do antecessor, os ODS traçaram 17 objetivos até o ano de 2030.

O ODS 6 trata diretamente da questão de assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. Esse objetivo é dividido em algumas metas. Confira: 

A coordenadora de ESG no Grupo Rede Amazônica, Lilian Cortez, fala sobre a importância do sexto objetivo: 

Vale ressaltar que Manaus é referência no tratamento e distribuição de água potável, abastecendo 98% da cidade. Em relação à cobertura de esgotamento sanitário cresceu 40% nos últimos anos, chegando a 26% na capital.

Nos últimos cinco anos, a capital avançou 15 posições no Ranking do Saneamento, do Instituto Trata Brasil, saindo da colocação 98 para a 83 no estudo divulgado em março deste ano. Confira o documento completo aqui

Por fim, apesar dos ODS serem até 2030, o novo Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado em 2020, coloca como objetivo até 2033 a universalização e qualificação dos serviços no setor.  



*Matéria vencedora do terceiro lugar na categoria Webjornalismo da segunda edição do Prêmio Águas de Manaus de Jornalismo Ambiental, em 5 de dezembro de 2023

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