Projeto Sonhação busca reconhecimento da Medicina Indígena no Brasil

A proposta do movimento é que as medicinas indígenas sejam reconhecidas como efetivamente uma Medicina e façam parte da rede de cuidados do Sistema Único de Saúde (SUS).

O Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), a Associação Rede Unida e a Rede Unida Itália encabeçam, no Brasil, um movimento nacional pelo reconhecimento da Medicina Indígena como um sistema de saúde, que há milênios atende e cura povos indígenas. As diferentes medicinas indígenas ainda permanecem vivas e ativas em diferentes territórios brasileiros, sem muito apoio das políticas públicas. 

A proposta do movimento que envolve especialistas, pesquisadores indígenas e não-indígenas, movimentos sociais é que as medicinas indígenas, como parte dos conhecimentos e saberes dos povos tradicionais indígenas sejam reconhecidas como efetivamente uma Medicina e façam parte da rede de cuidados do Sistema Único de Saúde (SUS), não só para povos indígenas como também aos “brancos”, que precisarem de cuidados para diversos tipos de doenças.

O Projeto Sonhação, como é chamada a iniciativa desenvolvida em parceria pela Fiocruz, a Rede Unida e outras instituições do Brasil e da Itália, trouxe para Manaus um grupo de pajés, conhecidos como especialistas da Medicina Indígena, para participar do Fórum de Medicina Indígena dentro do 6º Encontro da Regional Norte da Rede Unida, que ocorreu entre os dias 18 e 21/10, em Manaus. 

Um grupo do projeto da Itália também participou do fórum, juntamente com representantes dos Estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Espírito Santo e Rio Grande do Norte. Durante dois dias, no Centro de Medicina Indígena Bahserikowi, localizado no Centro de Manaus, foram realizadas discussões em torno dos métodos utilizados pela Medicina Indígena. Há um diálogo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, para que as medicinas indígenas façam parte das práticas de saúde nos territórios indígenas do País.

Foto: Reprodução/Fiocruz Amazônia

“Entendemos a Medicina Indígena como a arte da cura e quando falamos de arte de cura reconhecemos que todos os povos têm suas práticas de cuidado com a saúde e cura. O que queremos é mudar o conceito. Ao invés de medicina tradicional ou medicina alternativa ou milenar, termos a Medicina Indígena, porque ela é um sistema, tem instituição de ensino, que submete o especialista a passar por um processo próprio de formação e aprendizagem, tem as suas tecnologias, então não tem como dizer que não é Medicina”, 

explica o antropólogo João Paulo de Lima Barreto, da etna Tukano, fundador do Centro de Medicina Indígena, em 2009.

Autor de tese premiada pela CAPES em 2022, Paulo observa que a partir das vivências de cuidados prestados por especialistas indígenas nos seus territórios é possível fazer a conexão com a medicina ocidental. No Centro de Medicina Indígena, fundado em 2009, já foram atendidas mais de 12 mil pessoas, a maioria não indígena, tendo como carro-chefe o atendimento com o pajé, chamado de Kumu. “O atendimento é feito de imediato e muita gente vem de fora. A consulta é seguida de tratamento, sem distinção de gênero nem idade”, afirma Potira Sakuena, da etnia Baré.

“Estamos recebendo nesta oportunidade todas as pessoas que compõem o projeto Sonhação, que é um termo de cooperação entre Brasil e Italia, que permite um intercâmbio entre os dois países. Nós estivemos na Itália para conhecer o sistema de saúde em cidades italianas e agora o grupo, tanto do Brasil, quanto da Itália, veio para Manaus para essa discussão acerca das medicinas indígenas”, explica Potira. 

Segundo ela, as medicinas indígenas são discutidas a partir das vivências de cada território e dos especialistas “que nos ensinam e são nossos doutores e doutoras”. 

“Nos dois dias do evento, trabalhamos diferentes conceitos, começando pela comida que para nós também é parte do sistema de saúde, também é um cuidado de saúde. Trouxemos os especialistas e as especialistas de vários lugares, tikunas de Tabatinga, yanomamis de São Gabriel da Cachoeira e os Arautés de Altamira (PA), pela primeira vez, além de parteiras do Baixo Tapajós, para esse diálogo e para que a pudéssemos entender o que é saúde a partir desses lugares”, comenta Potira.

Cuidado coletivo 

Na Medicina Indígena, o cuidado de saúde não está preso a padrões de gêneros. “Cuidado de saúde para nós, povos indígenas, é um cuidado coletivo, que considera o processo de formação e acolhimento de mulheres e homens, com proteção, promoção, prevenção, cura e tratamento. Aqui, no Centro de Medicina Indígena, não olhamos gênero, cuidamos de pessoas, cuidamos dos corpos”, afirmou a representante Baré, reforçando que o Centro de Medicina Indígena é a consolidação de um sonho que virou uma ação. 

Potira, juntamente com o pesquisador da Fiocruz Amazônia, Júlio César Schweickardt e João Paulo de Lima Barreto participam de um grupo de trabalho da SESAI, composto por especialistas tanto da Academia quanto dos territórios indígenas para a construção de uma câmara técnica, para aprofundar a discussão acerca desse acolhimento pelo SUS.

Júlio César Schweickardt lembra que o temário central do 6º Encontro Norte da Rede Unida foi ‘Florestania: descolonizar, respeitar, reconhecer e aprender com as práticas de cuidado na Amazônia’, exatamente com a finalidade de propor espaços de discussão, articulação e produção científica compartilhada em torno de temas como o da medicina dos povos da floresta, políticas de saúde e educação, projetos participativos que envolvem as instituições de ensino, sistema de saúde e movimentos sociais no âmbito local, regional e nacional.

Caminhos

“O Encontro de Medicina Indígena, com os pajés de vários territórios, faz parte do projeto Sonhação, e depois de cursos e formações realizadas, estamos entrando com a etapa da vivência com pajés tikuna, ianomâmis, uaretés. A ideia é fazer escutas sobre como eles pensam saúde, como se formam e qual a metodologia que utilizam. Ficarmos escutando os caminhos de como fazem saúde em cada território nos leva a entender que essas várias medicinas estão atuantes, são vivas, e elas acontecem no dia-a-dia das comunidades, e as políticas públicas não podem ignorar isso nem achar que isso não existe”, salienta Schweickardt, acrescentando que a luta do movimento político junto à SESAI é para que as medicinas indígenas possam ter um espaço de direito e de atuação junto às equipes. A causa já é defendida nos 34 DISEIS do País.

Presente no encontro, o pajé tikuna Oscar Angelo Guilherme, vindo do Alto Solimões conta que pela primeira vez participa de um evento com pajés e parteiras. “Muito bom ver o resultado do que queremos tornar-se realidade. As autoridades já sabem tudo e junto com SESAI vão melhorar as condições de trabalho para nós. Não ganhamos nada, não temos salário e isso é muito triste para todo mundo”, afirma o pajé. 
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