#NÃOMEAFETA: Campanha amazonense busca esclarecer o que é o vitiligo

Na última semana, em Manaus (AM), muitas pessoas se engajaram em derrubar uma página de memes no Facebook. O motivo: uma postagem preconceituosa com portadores de vitiligo, doença caracterizada pela perda da coloração da pele. Na imagem, uma moça que tem a doença, está de biquíni e a mensagem, supostamente cômica, era: “Quando VC não mexe o toddy direito”.

“Eu estava em casa aproveitando um momento de ócio para conferir minha timeline no Facebook quando de repente vejo a Carol compartilhando um post preconceituoso em que ela pedia na legenda para que as pessoas denunciassem. O post era explicitamente discriminatório e ofensivo para as pessoas portadoras de vitiligo. Imediatamente eu também compartilhei o post da página responsável pela publicação criminosa e pedi para que as pessoas também denunciassem”, contou o designer e fotógrafo Bruno Lopes ao Portal Amazônia.

‘Carol’ é a psicóloga Ana Carolina Sequeira, amiga de Lopes, portadora da doença, desde os 18 anos. “Eram poucas manchas, nas pontas dos dedos, ao redor da boca e no ombro direito. Fui diagnosticada na Fundação Alfredo da Mata e iniciei o tratamento”, contou.

Foi a partir do pedido de Carol que uma parceria ainda maior entre os dois surgiu. Trata-se da campanha #NÃOMEAFETA, em que Lopes produziu um ensaio fotográfico com a ajuda da designer de moda Paula Monteconrado. “O objetivo da campanha é a conscientização das pessoas em relação ao estigma, ao preconceito, falar sobre a doença, tirar algumas dúvidas. Para com os portadores é passar a mensagem da autoaceitação, do amor próprio, da autovalorização e também da questão da autoexclusão, porque o portador do vitiligo já sofreu tanto preconceito na vida que ele se exclui”, explicou Carol.

Foto: Bruno Lopes/Cedida

E a campanha não poderia ser em um momento mais significativo: dia 25 de junho, próximo domingo, é celebrado mundialmente o dia de combate ao preconceito e estigma do portador de vitiligo. É nesta data que a campanha #NÃOMEAFETA será, de fato, lançada nas redes sociais. “Não temos um público direcionado, nossa campanha artística busca ter uma visão ampliada do processo saúde-doença-aceitação. É através da informação que conseguimos combater o preconceito”, justifica a psicóloga.

O início da campanha

“Tenho um carinho especial pela Carol e o fato de ela ter se tornado minha amiga me permitiu empatizar com a causa do vitiligo, pois através dela tive a oportunidade de ver com meus próprios olhos o quanto o portadores da doença sofrem com o preconceito e discriminação”, revelou o designer Bruno Lopes.

Revoltado com o cunho pejorativo da postagem da página de memes, Lopes passou a enfrentar o administrador da página, com o intuito de descobrir sua identidade. “Infelizmente não conseguimos identificá-lo. Porém, no dia seguinte todos recebemos uma notificação do Facebook informando que a página havia sido removida. Também não conseguimos identificar a moça que aparece na foto usada indevidamente pela página mas fizemos o que estava ao nosso alcance para defender os direito dela”, informou.

Para o fotógrafo, o maior problema é o senso de que a internet “é terra de ninguém” tem crescido entre os usuários das redes sociais. “Um lugar onde as pessoas acham que podem xingar, ofender, humilhar e falar o que quiserem a respeito de outra pessoa e que ‘vai ficar por isso mesmo’. Mas isso não pode ser permitido. É preciso enfatizar que o que acontece em muitas dessas situações são crimes e verdadeiros atentados contra a dignidade das pessoas que são expostas sem a menor chance de se defender contra os ataques de injúria e difamação”, defendeu.

“Acredito que quando vemos uma publicação preconceituosa como essa em uma rede social e deixamos passar despercebido, sem denunciar, estamos contribuindo para que novos casos aconteçam. Por que é a falta de mobilização das pessoas frente a esses casos que encoraja os agressores”, assegurou o fotógrafo.

Mas post de difamação se transformou em inspiração para a campanha. “Percebemos que um dos efeitos negativos daquela publicação seria reforçar a ideia de que pessoas com vitiligo não podem frequentar praias ou que não podem usar roupas de banho comuns como biquínis e maiôs em espaços públicos destinados ao lazer. Ao mesmo tempo que isso se apresentava como um problema, foi também a solução de como deveríamos pensar nesse ensaio. Resolvemos então colocar a Carol num maiô e mostrar o quanto alguém com vitiligo pode sim ficar muito a vontade com seu próprio corpo”.

O ensaio foi feito no domingo (18) e desde a segunda-feira (19), Carol, Bruno e Paula passaram a publicar algumas postagens já chamando a atenção para a campanha. “Vamos colocar frases que um portador de vitiligo está acostumado à escutar, o que elas falam sempre. Eu, junto com o Bruno e Paula, vou escrever sobre a situação, informações sobre a doença, que é restritamente estética”, informou Carol.

Foto: Bruno Lopes/CedidaFoto: Bruno Lopes/Cedida
Foto: Bruno Lopes/Cedida

Processo de aceitação 

Quando descobriu que tinha a doença, Carol Sequeira tinha poucas manchas. Estudante de psicologia, pouco sabia sobre doenças psicossomáticas, que são causadas ou agravadas por problemas emocionais. A jovem buscou tratamentos com diversos médicos, mas nenhum dava o resultado desejado.

Com o passar do tempo e cansada de gastar tempo e dinheiro sem ter uma resposta positiva, a jovem desistiu de tentar algo para reverter a doença. Nessa época, o avô de Carol morreu e, como consequência psicológica, o vitiligo aumentou. “Eu fui começando a sentir vergonha porque as pessoas olhavam e perguntavam. Isso me incomodava bastante. Quando terminei a faculdade em 2012, resolvi ir até o Rio de Janeiro, em uma clínica especializada, buscar me informar sobre os tipos que existem. Tive uma resposta muito boa com o tratamento, porém era uma logística muito grande, cansativa. Na época consegui repigmentar cerca de 80% das manchas”, lembrou.

Mas a demanda psicológica é um fator determinante. Há um ano e meio, o pai de Carol faleceu e as manchas voltaram. “Para mim foi muito difícil e o vitiligo começou a aumentar. Em novembro do ano passado voltei com o médico no Rio, que me passou um tratamento novo, mas eu não quis fazer. Optei por deixar assim. O que me fez deixar dessa forma foi o fato que todas as vezes que eu estiver de frente com uma situação de estresse o vitiligo vai aumentar”, comentou.

Para isso, Carol passou a ter acompanhamento psicológico. “Isso ajudou muito na repigmentação, mas também na aceitação do meu corpo na forma como ele se apresenta. Independente das manchas ou de estar acima do peso. Hoje sou muito bem resolvida com meu corpo”, contou a Miss Amazonas Rara Beleza 2016.

Foto: Bruno Lopes/Cedida

Agora, a jovem investe em cuidados com a pele, como o uso de protetor solar, além de se engajar na divulgação de dados sobre a doença. “Hoje eu me cuido mais, acho meu vitiligo muito bonito, a forma como ele se apresenta no meu corpo. Resolvi não fazer mais nenhuma terapia medicamentosa, mas conversei com meu médico e decidimos apenas fazer controle”, explicou.

O infectologista Noaldo Lucena também tem a doença e contou que descobriu apenas depois de passar por um momento traumático. “Na verdade eu não tinha percebido, as pessoas é que chamaram a atenção para os meus dedos das mãos. Tenho vitiligo próximo as unhas. Como trabalho utilizando muito as mãos, no começo ficava envergonhado porque as pessoas pensam que vitiligo pode ser algo contagioso e os ‘olhares’ que demonstram o preconceito sempre incomodam”, revelou o médico.

Lucena revelou que o preconceito é tão grande que algumas pessoas “claramente não querem apertar sua mão quando percebem o vitiligo”. Ele também buscou tratamentos, mas não obteve sucesso. “Depois que me aprofundei no assunto descobri que tinha muito a ver com o emocional e hoje não tenho muito problema. Quando perguntam, eu brinco e digo logo que não é contagioso. Por incrível que possa parecer, depois que deixei de me importar as manchas estão melhorando. O problema está com os outros, que te olham de forma estranha, como com tudo que é diferente”, afirmou.

Entenda o que é o vitiligo

Doença não contagiosa caracterizada pela perda da coloração da pele, o vitiligo ainda é um assunto negligenciado. A doença afeta pouco mais de 1% da população mundial, segundo a dermatologista Patrícia Chicre Bandeira de Melo. Entre as possíveis causas das lesões na pele, segundo a especialista, uma das mais estudadas é que seja autoimune. “Ou seja, o organismo do indivíduo afetado passa a produzir anticorpos contra as células de pigmentação cutânea, que são os melanócitos (células que dão cor à pele)”, explicou.

Outras causas como fatores emocionais estão relacionados com o aparecimento das manchas, de forma progressiva. “Elas as vezes iniciam como manchas hipocrômicas, com a diminuição do pigmento, para evoluírem para manchas acrômicas, com total ausência do pigmento”, disse.

Foto: Bruno Lopes/Cedida

O vitiligo pode ser segmentado, que atinge apenas uma área do corpo, ou bilateral, que se manifesta nos dois lados do corpo (conhecido como vulgar). Em geral, as manchas surgem nas extremidades como mãos, pés, joelhos, nariz e boca. “Dependendo da agressividade da doença, elas podem surgir em qualquer área”, informa a dermatologista. O de Carol é do tipo vulgar, não-curável, e pode atingir cerca de 80% do seu corpo.

“O vitiligo gera um importante impacto social e psicológico muito forte no indivíduo, pois pode acometer qualquer faixa etária. Não é incomum as pessoas apresentarem outras doenças como na tireoide, hepatites, lúpus”, completou. De acordo com a especialista, a atitude de Carol em procurar psicoterapia é uma das principais indicações.

“Em termos de tratamento, hoje existem inúmeras opções terapêuticas. Em torno de 10% da população afetada tendem a apresentar a doença que pode involuir de forma espontânea, mesmo sem nenhuma terapia”, explicou. “Vale destacar que entre 10% e 20% dos casos são de ocorrência familiar e que o dermatologista é o especialista indicado para avaliar os casos”, completou.

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

COPs 16 e 29: sem urgência diplomática, não saem recursos comprometidos para salvar as florestas

"A aceleração da perda da natureza globalmente está corroendo a capacidade dos biomas de fornecer esses serviços vitais. Adotar medidas para restaurá-los, protegê-los e conservá-los é agora uma prioridade global crítica".

Leia também

Publicidade