Foto: História da Lepra no Brasil, v. II, 1948, p.118. em Baú de memórias: o leprosário de Marituba/PA em meio a recordações de uma ex-interna (1940-1970)
A luta pela dignidade das pessoas acometidas pela hanseníase está marcada na história do município de Marituba, no Pará. Em meados do século XX, mais exatamente a partir do ano de 1942, foi instalado no município o controverso Hospital Colônia de Marituba, que funcionou até 1986.
A hanseníase é uma doença crônica infecciosa causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que se multiplica lentamente e pode levar de cinco a dez anos para dar os primeiros sinais. A doença afeta principalmente os nervos periféricos e está associada a lesões na pele, como manchas esbranquiçadas ou avermelhadas, ressecamento e perda de sensibilidade.
Quem sofre com a doença, além de todos os problemas de saúde, ainda precisa conviver com o estigma e o preconceito.
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A Colônia
A antiga cidade hospital foi construída, em Marituba, na Era Getúlio Vargas, no período de 1930, quando foram fomentadas as construções de asilos-hospitais que abrigariam os infectados pela então denominada lepra. O Hospital Colônia de Marituba foi direcionado à segregação de pessoas infectadas e ficava distante 12 quilômetros da capital Belém e cinco minutos da então Vila Operária de Marituba.
De acordo com dados da prefeitura da cidade, “o local foi idealizado para abrigar 1000 doentes em uma área de 375 hectares de terras em mata virgem. As florestas serviriam como barreiras naturais, objetivando conter qualquer tipo de fuga”.
Foi no ano de 1942 que o local, conhecido vulgarmente como leprosário, foi inaugurado. No total, os pavilhões contavam com 28 leitos, cada um com 14 quartos, com portas externas e sem janelas, organizados por faixa etária e por sexo.

Experiência difícil
Edmilson Picanço, filho de hansenianos, foi separado de seus pais ainda recém nascido e somente retornou para a família aos oito anos de idade. Infelizmente sua mãe faleceu cinco meses após o retorno do filho.
Instituído como política de saúde no Brasil até a década de 1980, o isolamento compulsório das pessoas atingidas pela hanseníase foi responsável pela separação de milhares de famílias brasileiras – prática repudiada pela Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Edmilson explica que na Colônia de Marituba, os pacientes eram internados de forma compulsória onde teriam sofrido segregação por medida profilática do Governo Federal com o objetivo de impedir a propagação da doença.
“O que foi errado, já que desde 1949 já havia sido sinalizada a cura para a hanseníase, então não há justificativa para terem fechado as colônias somente no ano de 1986. Assim como nós, filhos de pacientes, não deveríamos ter sido separados de nossos pais. Foram medidas profiláticas equivocadas”, declara.
Edmilson é coordenador em Marituba do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), uma entidade sem fins lucrativos fundada em 6 de Junho de 1981.
O modelo de casa originária da Colônia de Marituba
Mas, em Marituba, o processo só teve final em 1986 após a visita de João Paulo II que fez o pedido ao Governo para quebrar a corrente das colônias (fato que remete às grossas correntes que ficavam na entrada da Colônia que hoje se chama avenida João Paulo II).
Nesta mesma época o governador Almir Gabriel revitalizou as colônias no Estado do Pará. A partir daí as pessoas passaram a não estar mais segregadas, porém continuaram dentro da colônia. Muitos constituíram famílias. Outros foram abandonados pela família e não tinham mais para onde ir.
Outros ficaram totalmente dependentes dos profissionais de saúde, por causa das sequelas graves, e tiveram que ficar no Abrigo João Paulo II, cuja finalidade era prestar total assistência médica e social aos pacientes oriundos da colônia que não tinham condições de serem reinseridos por total incapacidade física e abandono familiar.
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Muitos venderam suas propriedades, alguns ampliaram suas casas e mantiveram a estrutura original. As estruturas que constituíram a antiga Colônia de Marituba ainda permanecem pelos mais de 300 hectares, até a rodovia BR 316 onde ficavam as correntes que separavam a colônia da sociedade.
Assim se forma o bairro que hoje se chama Dom Aristides. O nome é uma homenagem a Aristides Pirovano, nascido na Itália, bispo católico, membro do Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras e que foi Capelão Auxiliar na Colônia de Hansenianos de Marituba, desde 1978 e falecido em 1997, em sua terra natal. Ele é considerado pai benfeitor dos hansenianos e atribuem a ele a visita do Papa João Paulo II na colônia.
Centro de Referência
Marituba possui atualmente um centro de referência especializado na hanseníase, a Unidade Regional Especializada (URE) Marcello Cândia, centro especializado no atendimento e tratamento da hanseníase, que presta assistência ambulatorial aos infectados e oferece treinamento para os profissionais de saúde no controle da hanseníase no Estado.
Marcello Cândia foi um empresário italiano da rede de medicamentos e que fundou vários centros de acolhida e assistência aos enfermos de hanseníase e ainda casas e igrejas para acolher e promover o trabalho de evangelização missionária para leigos e religiosos.

Ao morrer, Marcello Cândia deixou toda sua fortuna para a Fundação Marcello Cândia em favor das pessoas atingidas pela hanseníase no Brasil. Para vencer o preconceito e para garantir atendimento digno a esses pacientes.
O bairro abriga atualmente um complexo operacional para atender os pacientes. Dele fazem parte: o Abrigo João Paulo II, a URE Marcello Cândia, o Hospital da Divina Providência, a Creche Nossa Senhora de Nazaré e a Paróquia Nossa Senhora de Nazaré.
Da controvérsia sobre as medidas profiláticas de combate à hanseníase até a formação populacional do município, que faz parte da Região Metropolitana de Belém, Marituba se tornou referência no combate à doença, que tem cura.
Fontes
Item 054 – Leprosário de Marituba em Belém (Casa de Oswaldo Cruz)
Baú de memórias: o leprosário de Marituba/PA em meio a recordações de uma ex-interna (1940-1970)
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Prefeitura de Marituba, leia completo AQUI
