Doença de Haff: Pesquisadora da Ufra explica que o foco também precisa ser no rastreio do pescado

O assunto vem preocupando autoridades, produtores e consumidores na região.

Com dezenas de casos já registrados no estado do Amazonas e a suspeita recente de um óbito no município de Santarém, no Pará, alguns municípios estão proibindo a venda de peixe no estado e emitindo alertas sobre a comercialização do pescado. A medida visa controlar possíveis casos da doença de Haff, ou “doença da urina preta”, sintoma físico mais característico da doença adquirida a partir do consumo de peixe contaminado. O assunto vem preocupando autoridades, produtores e consumidores na região.

Para a pesquisadora Rosália Furtado Souza, coordenadora do curso de Engenharia de Pesca da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), só a proibição não é o ideal e pode causar sérios prejuízos ao sistema produtivo do estado. “Nem todos os peixes são oriundos do extrativismo, e nem todos os peixes podem ser contaminados com a toxina causadora da doença. Proibir a venda total de pescado envolve desde o sustento de muitas famílias até mudanças no hábito alimentar de toda uma população”, diz.

Foto: Arquivo/Agência Brasil

Segundo a pesquisadora, o foco dos órgãos de fiscalização precisa ser urgentemente em organizar o rastreio desse pescado, para não prejudicar a piscicultura. “Nossa cadeia produtiva ainda é muito desorganizada, mesmo o Pará sendo o grande produtor nacional de pescado. É necessário saber a procedência desse peixe, a guia de trânsito dele, como ele pode ser rastreado, e assim criar um selo, dando mais segurança ao consumidor e ao produtor. A legislação existe, é preciso implementá-la sem prejudicar o cultivo”, afirma.

A professora explica que há várias suposições que precisam ser pesquisadas para que se descubra o que está causando o problema. “Pode ser contaminação do rio, por exemplo, por dejetos humanos, dejetos da indústria, que propicia a proliferação da algas que serve de alimentação para os peixes. Os casos registrados no estado têm se concentrado na região do baixo Amazonas, que encontra-se no período de estiagem, quando há redução do volume na renovação da água nos ambientes naturais permitindo a proliferação de algas. Porém, são apenas suposições, haja visto que há casos de contaminação de peixes marinhos. A contaminação pode ser também no manuseio do pescado, que é mal acondicionado sem as condições adequadas de conservação, que também precisa ser investigado. Há várias suposições que necessitam de pesquisa e análise para que se descubra o que está ocasionando essa contaminação”, diz.

Cultivo

Uma das suposições é que a toxina causadora da doença de Haff pode se alojar na alga, que serve de alimento para peixes filtradores, onívoros, como o Tambaqui e a Pirapitinga. E é justamente na alimentação adequada dos peixes o diferencial dos produtores de peixe cultivado em cativeiro.De acordo com Jeanderson Viana, engenheiro de pesca da Ufra, os peixes que apresentam essa toxina se encontram em ambiente natural, em que não é possível realizar o monitoramento, diferente do peixe de cultivo. “Na piscicutura o produtor alimenta o peixe com uma ração adequada, realiza o monitoramento da qualidade da água e o controle de possíveis patógenos, a fim de garantir uma sanidade ambiental e segurança alimentar”, diz.

Em 2020, a Associação Brasileira da Piscicultura (PEIXE BR) destacou que o Brasil atingiu 802.930 toneladas de pescado cultivado, com receita de cerca de R$ 8 bilhões. Segundo o anuário 2021, divulgado pela Associação, o Pará tem um dos maiores consumos per capita de pescado do Brasil, e parte desse consumo é composta por produtos da piscicultura. Porém, aquisição de peixes de cultivo costuma vir do Mato Grosso, Rondônia, Maranhão e Tocantins para abastecimento de seu mercado interno.Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), as exportações de peixe do Estado do Pará representaram 27,5% do total exportado pelo Brasil.

Mas sem um selo que comprove que diferencie o peixe da pesca artesanal, daquele que é oriundo de cativeiro, o consumidor não tem como saber a procedência do pescado. “Há outras doenças ocasionadas pela contaminação do pescado e que não se noticiam, mas que causam contaminação parecida. Por isso a necessidade de se saber a procedência do peixe que está sendo consumido”, diz a professora Rosália Souza. Ela explica que a toxina causadora da doença não causa nenhum prejuízo ou alteração ao peixe, ou seja, não é possível verificar qualquer alteração no pescado. “Outro problema é que a toxina é termoestável, ou seja, ela não é eliminada no cozimento ou com aumento de temperatura”, explica a pesquisadora. 

Foto: Girlene Medeiros/G1 AM

 A doença

Os primeiros registros da doença são de 1924, na região litorânea de Königsberg Haff, junto à costa do Mar Báltico. Os médicos identificaram o surto de uma doença caracterizada por início súbito de grave rigidez muscular, frequentemente acompanhada de urina escura. Os estudo indicaram a possibilidade da causadora ser uma toxina que, se ingerida, age necrosando o músculo humano que é eliminado pelos rins e ocasiona a mudança de cor na urina, o que se popularizou chamar de “urina preta”.

Os principais sintomas são dor muscular, dificuldade de movimentação, necrose muscular, insuficiência renal e urina preta. Outros sintomas também podem ser Náusea, Vômito, Diarreia, Febre, Vermelhidão na pele, Falta de ar, Dormência no corpo. A doença possui tratamento, por isso a Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA) orienta que se procure a unidade de saúde mais próxima em caso de suspeita.

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