Conheça o cavalo lavradeiro, animal que veio da Europa sob influência de Lobo D’Almada

Os animais foram nomeados como “cavalos lavradeiros” porque vivem no lavrado, as extensas áreas de pastagens nativas em Roraima.

Durante o início do povoamento de Roraima, o comandante Lobo D’ Almada começou a introduzir a pecuária de gado na região. Em 1789, cavalos vindos da Europa chegaram na região e alguns acabaram fugindo. Com o passar do tempo, esses cavalos que viviam livremente foram se reproduzindo e multiplicando. Como consequência se formaram manadas de cavalos lavradeiros, com cerca de 200 a 300 animais. Foram nomeados como “cavalos lavradeiros” porque vivem no lavrado, as extensas áreas de pastagens nativas. 

Formando uma linhagem peculiar e adaptada ao ambiente, sempre que os animais encontravam os homens eles corriam. Sendo assim, ele não é considerado um animal selvagem, mas sim ‘asselvajado’. Esses cavalos são estudados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e um dos fatores mais intrigantes que os pesquisadores perceberam no cavalo é o seu desempenho físico.

O cavalo lavradeiro tem a capacidade de percorrer grandes distâncias em velocidades de até 60 quilômetros por hora, alimentando-se apenas de ‘fura-bucho’, um capim de baixa qualidade nutricional. Pensando em entender mais sobre essa linhagem de cavalos que vive na região amazônica, o Portal Amazônia conversou com o mestre em medicina veterinária da Embrapa, Ramayana Braga, autor do livro ‘Cavalo Lavradeiro em Roraima’.

Essa espécie apresenta um alto índice de anemia infecciosa, mas não demonstra os sintomas típicos da doença. Ao longo dos séculos, naturalmente foram eliminados os genes desfavoráveis e os especialistas justificam esse fenômeno como seleção natural, no qual os mais fortes e adaptados conseguem sobreviver. Por isso, o cavalo lavradeiro é caracterizado como veloz e com alta resistência física.

“Uma característica desse animal é que ele consegue sobreviver, reproduzir, em um ambiente de pastagem nativa de péssima qualidade, onde ele tem duas condições inóspitas. Na época seca o pasto fica de baixa qualidade e baixo valor nutritivo. Já nas queimadas, o animal tem pouca grama para comer. Na época da chuva o animal fica com o casco úmido, o que chama atenção das pragas. Então, o animal foi se adaptando a esse ambiente. Esse animal também adquiriu características como pequeno porte, adaptação que ele sofreu por seleção natural ao longo de vários anos”,

esclareceu o doutor Ramayana.

Considerado um animal rústico, o cavalo lavradeiro tem baixa exigência nutricional, consegue crescer e se reproduzir em meio a diversidade climática da Amazônia, seja no período de seca ou chuva. Como dito anteriormente, a fonte de alimentação dessa espécie vem da pastagem nativa, que possui proteína de baixa qualidade.

“Uma particularidade que a gente observa no cavalo lavradeiro é a fertilidade das éguas. Uma égua quando ela procria, depois de ter o parto, entre os 9 e 12 dias ela entra em cio novamente, que nós chamamos de ‘cio do potro’. Nessa condição, uma égua lavradeira tem a capacidade de produzir uma cria por ano. A grande maioria desses cavalos lavradeiros são encontrados nas áreas indígenas, considerando Raposa Serra do Sol e a Reserva de São Marcos, entre outros”, explicou o especialista.

Conforme dados registrados pelo pesquisador, em Roraima existem cerca de 35 mil equinos que ficam nas regiões de lavrado, como os municípios de Amajari, Normandia, Pacaraima e Uiramutã. No entanto, existe a estimativa de que somente 2 mil animais são originalmente lavradeiros, considerando seus padrões e características próprias. 

Segundo um levantamento da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), essa população está considerada em perigo de extinção.

“A Embrapa tem um projeto de recursos genéticos, em que ela tenta trabalhar e entender mais sobre o cavalo lavradeiro de Roraima. O que nós estamos fazendo hoje é a visitação de algumas propriedades que têm esses cavalos. Nós estamos tomando as medidas que chamamos de biométricas: calculamos a altura da garupa, comprimento do corpo, perímetro torácico, peso do animal. Ao mesmo tempo, estamos fazendo coleta de sangue desses animais para fazer exames de laboratório para ver a questão de hemogramas, de doenças, tentando identificar quais as doenças que ocorrem nesses animais”, 

enfatizou o pesquisador.

Com o cenário preocupante relacionado à extinção, o especialista defende a necessidade da criação de associações de criadores de cavalos lavradores, assim como existe para outras espécies de cavalos brasileiros. Essas associações são responsáveis pela seleção, registro e manejo dos animais, preservando a espécie.

O cavalo lavradeiro é um dos símbolos da história de Roraima, sendo inclusive homenageado em um poema feito pelo escritor roraimense Eliakin Rufino. 

“eu sou cavalo selvagem

não sei o peso da sela

não tenho freio nos beiços

nem cabresto

nem marca de ferro quente

não tenho crina cortada

não sou bicho de curral

eu sou cavalo selvagem

meu pasto é o campo sem fim

para mim não existe cerca

sigo somente o capim”

trecho retirado do poema Cavalo Selvagem, de Eliakin Rufino.

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