Publicitária de Porto Velho cria primeiro banco de imagem de mulheres negras

Em 2017, quando procurava fotos de pessoas para inserir em campanhas, Joana percebeu que quase nunca encontrava imagens de mulheres negras, principalmente que aparentassem ser genuinamente brasileiras.

Aos 22 anos, a publicitária Joana Mendes partiu de Porto Velho (RO) para o Rio de Janeiro com um sonho: se tornar diretora de criação, posição em que é pouco comum ser ocupada por mulheres negras no Brasil. Hoje, com 36 anos, ela conquistou o cargo e ainda se tornou criadora do primeiro e único banco de imagens de mulheres negras do mundo.

O caminho que levou Joana a grandes conquistas profissionais também é uma trajetória pessoal baseada na percepção da própria identidade e de como é representada na sociedade – sobretudo, no mercado de trabalho publicitário.

“O meu maior aprendizado sendo uma mulher negra, portovelhense e LGBTQIA+ é que a sociedade coloca o nosso valor sempre lá embaixo. A gente está num país extremamente racista. Ter alguém que acredite muito em você, eu acho que isso é essencial. Às vezes é só de uma de chance que as pessoas precisam”,

conta Joana.

1º banco de imagem de mulheres negras do mundo

Em 2017, quando procurava fotos de pessoas para inserir em campanhas, Joana percebeu que quase nunca encontrava imagens de mulheres negras, principalmente que aparentassem ser genuinamente brasileiras.

Através de uma ideia baseada na inclusão, um financiamento coletivo e parceria com algumas empresas, nasceu o Young,Gifted and Black (Jovem, talentoso e negro, em tradução livre): um banco de imagens que retrata a pluralidade de corpos de mulheres negras e é totalmente produzido por mulheres negras.

Joana Mendes, criadora do primeiro banco de imagens de mulheres negras do mundo. Foto: Mariana Lima

“Muitas vezes, as pessoas acham que a gente é uma coisa só. Com o banco de imagens, eu consegui mostrar a diversidade que existe dentro das mulheres negras. A gente tem mulheres de peles mais escuras, mais claras, trans, gordas, velhas, jovens, venezuelanas e a maioria é LGBTQIA+”, relata.

Cerca de cinco anos depois da criação do YGB Black, ainda não existe no mundo outro banco de imagens com representatividade semelhante. “As pessoas sempre falam: ‘Mas eu não encontro uma mulher negra que que seja isso, que seja aquilo’ e eu falo: ‘É possível, sim’. Então, a maquiadora [do banco de imagens] é uma mulher negra, a produtora de moda, também. Tudo é feito por mulheres negras. É para mostrar que a gente consegue fazer, que a gente consegue ser uma força intelectual”, afirma.

O nome do banco de imagens faz referência à música homônima de Nina Simone, grande voz do jazz. A pianista, cantora e compositora utilizava a voz como ativismo pelos direitos civis de negros norte-americanos.

Em 2012, Joana foi selecionada pelo Festival de Cannes para fazer parte do primeiro Young Lions Creative AcademyEm 2019, foi reconhecida como uma dos 30 jovens que lutam para mudar a comunicação pelo Paper & Caneta (Paper & Pen), um coletivo sem fins lucrativos formado por líderes globais e jovens de agências criativas de todo o mundo.

Além de diretora de criação, Joana é escritora. Autora de contos, poemas e canções, em breve, deve lançar um livro para crianças negras.

Desigualdades evidentes

Apesar de ter conquistado lugares pioneiros e ser motivo de inspiração para muitas mulheres, Joana destaca que o caminho foi árduo e muito mais longo do que normalmente é para pessoas brancas, especialmente homens. “Eu saí de Porto Velho com 22 anos e fui vendo os homens que estudaram comigo subirem [profissionalmente] quando eu já tinham uns 26. Quatro anos depois, a galera já estava subindo e crescendo. Eu só virei diretora de criação com 34. Ou seja, tem uma distância de 8 anos aí”, relembra.

A trajetória de Joana é reflexo do que acontece na sociedade brasileira em geral: embora sejam maioria na população, as mulheres têm mais dificuldade para se inserirem profissionalmente – em especial, nos cargos de comando.

Segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a quantidade de mulheres no mercado de trabalho é historicamente inferior a dos homens. Ainda assim, em 2020, a taxa conseguiu regredir mais.

Quando o recorte é por raça, os pretos e pardos são maior número das pessoas ocupadas, mas a maioria exerce atividades com salários abaixo da média, enquanto os empregos mais bem pagos são ocupados por brancos. As regiões mais vulneráveis são Norte e Nordeste.

“Mesmo quando eu me tornei diretora de criação eu sofri ‘hate’ [expressão para designar ataque de ódio]. O homem que vira diretor de criação, ele está lá no direito dele, na cadeira que foi separada para ele. A gente [mulheres negras], não. A gente tem que ir abrindo os caminhos e precisa de muita terapia pra pensar: ‘É muito mais sobre essas pessoas do que sobre mim’, mas, mesmo assim, é muito difícil”,

disse Joana.

Ainda segundo os dados do IBGE, em 2020, pessoas brancas chegavam, em média, 73,3% a mais do que pretos ou pardos. Por outro lado, os homens ganhavam 28,1% a mais que as mulheres. Os dados indicam uma desigualdade estrutural que se repete há cerca de oito anos, com pequenas alterações.

“A gente não tem as mesmas oportunidades, as mesmas chances, os mesmos salários. As pessoas brancas que tiveram mais oportunidades, principalmente homens brancos, o dinheiro é só deles. A gente [mulheres negras] muitas vezes tem que dividir com a nossa família inteira. Então, o nosso salário não é só nosso”, aponta Joana.

Joana aconselha outras mulheres negras no mercado de trabalho: “Se você tem ambição não tenha vergonha de ser ambiciosa, nunca passar por cima de ninguém. Eu tinha uma vontade que acabava na direção de criação, mas as coisas foram melhores do que eu imaginei”. 

Primeiro banco de imagens de mulheres negras. Foto: Reprodução/YGB.BLACK

Além disso, afirma, é importante entender que as vezes vai ser necessário abdicar de algumas coisas. “Porto Velho é o lugar que eu considero a minha casa. É muito difícil sair da nossa zona de conforto, mas, muitas vezes, é importante. Se eu não tivesse saído, talvez não teria conseguido me tornar quem eu gostaria”, confessa.

Desde que saiu de Porto Velho, Joana já morou no Rio de Janeiro por anos e, atualmente, vive em São Paulo. 

*Por Thaís Nauara e Jaíne Quele Cruz, do Grupo Rede Amazônica 

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