MPF e DPU processam União, Estado e Prefeitura de Porto Velho por omissão com Baixo Madeira

Ação pede que Justiça Federal condene réus a pagar compensações e indenizações e a fornecer helicóptero para emergências médicas e embarcações para rotas turísticas e expressas.

Foto: Reprodução/MPF

O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram ação civil pública na Justiça Federal para que União, Estado de Rondônia e Prefeitura de Porto Velho adotem medidas a favor da população do Baixo Madeira, principalmente quanto ao transporte fluvial à sede do município.

Conforme destaca o MPF, Porto Velho é a capital do país mais extensa em área. As comunidades do Baixo Madeira vivem em áreas cercadas por unidades de conservação e isoladas de centros urbanos mais estruturados, sofrendo com a ausência e deficiência de serviços básicos de educação, saúde e transporte, entre outros.

O isolamento e a omissão do poder público geram privações de todos os tipos aos moradores dessas comunidades, que acabam considerando as unidades de conservação no seu entorno como entraves ao desenvolvimento. O MPF pondera que as áreas preservadas restringem de forma anormal e específica o direito das comunidades locais de se desenvolverem, pois não podem acessar a única rodovia próxima (BR-319) nem construir estradas – a única forma de deslocamento possível é a aquaviária.

Na ação, os procuradores da República Gabriel de Amorim e Raphael Bevilaqua e o defensor público federal Thiago Roberto Mioto afirmam que são frequentes os pedidos de abertura de estradas ilegais, atravessando unidades de conservação, na intenção de diminuir o tempo de deslocamento até o centro de Porto Velho.

Neste ano, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) noticiou ao MPF a tentativa de abertura de uma estrada de 20 quilômetros interligando a localidade de Nazaré à BR-319, passando pelo interior da Estação Ecológica (Esec) de Cuniã. Houve uma audiência pública promovida pelo MPF em Nazaré e foi assinado um termo de ajustamento de conduta pela Associação dos Moradores, Produtores e Amigos de Nazaré (Ampan), que se comprometeu a não abrir a estrada.

A abertura da mesma estrada ilegal também foi tema de uma reunião do MPF com moradores da Gleba Rio Preto, realizada em 13 de junho. Para MPF e DPU, a proteção das unidades de conservação da região somente será efetiva com o atendimento das necessidades sociais das comunidades.

Unidades de conservação

MPF e DPU relatam na ação que, quando as unidades de conservação foram criadas, já existiam populações locais que não foram devidamente ouvidas e que hoje sofrem com o maior isolamento em relação aos centros urbanos estruturados e com a precariedade dos serviços públicos.

As comunidades de Nazaré, Demarcação, São Carlos, Calama e Gleba Rio Preto estão cercadas por quatro unidades de conservação:

• Reserva Extrativista (Resex) do Lago Cuniã – só permite atividade extrativista; no entanto, as comunidades do Baixo Madeira são de pescadores e agricultores.

• Estação Ecológica (Esec) Cuniã – só permite pesquisa científica, com entrada proibida sem autorização. Sua área é ameaçada pela agropecuária, pelo garimpo ilegal e pela extração ilegal de madeira.

• Floresta Nacional (Flona) do Jacundá – sob concessão florestal à empresa Madeflona, que possui o direito de realizar o manejo florestal sustentável.

• Estação Ecológica (Esec) Soldado da Borracha – só permite pesquisa científica, com entrada proibida sem autorização. Sua criação agravou o isolamento da Gleba Rio Preto, que, mesmo não sendo uma comunidade ribeirinha, hoje só pode contar com o deslocamento legal pelos rios. Segundo aponta o MPF, atualmente, a população e até mesmo órgãos públicos usam uma estrada ilegal no interior dessa Esec para chegar à Gleba Rio Preto: a chamada “Estrada do Chaulles”. Sua área é ameaçada pela expansão da fronteira agropecuária, pelo garimpo ilegal e pela extração ilegal de madeira.

Ação civil pública

Na ação, MPF e DPU pedem que a União seja condenada a pagar mensalmente uma compensação provisória no valor de um salário-mínimo a cada família residente nas comunidades do Baixo Madeira, inclusive da Gleba Rio Preto, até a extinção do processo judicial e dos problemas estruturais de deslocamento. Para isso, Incra ou Prefeitura deverão informar, conforme seus cadastros públicos, quem são os moradores das comunidades – somente uma única pessoa da família receberá o valor, preferencialmente mulheres. A Prefeitura deverá atualizar o cadastro de famílias a cada dois anos. Os pagamentos devem se iniciar no prazo de 90 dias após eventual decisão judicial, sob pena de multa.

Outro pedido na ação é para que a União seja obrigada a fornecer ao Governo de Rondônia um helicóptero para atendimento emergencial das comunidades do Baixo Madeira e região, inclusive da Gleba Rio Preto. A aeronave deverá ficar à disposição em local estratégico e não poderá ser usada para outra finalidade. Seu uso deverá ocorrer em situações de urgência, quando o socorro médico no local não for suficiente e o deslocamento por rio ou terra puder comprometer a vida do paciente, pelo longo tempo até chegar a um hospital mais estruturado. Além disso, o uso da aeronave deve ser integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS). O helicóptero deve ser fornecido pela União no prazo de 90 dias da decisão judicial requerida, sob pena de multa.

Em relação ao Estado de Rondônia, MPF e DPU requerem que a Justiça Federal determine a construção de um heliporto em cada comunidade ou a adaptação de áreas públicas já existentes, como campos de futebol, por exemplo, no prazo de 120 dias da decisão, sob pena de multa.

Rota turística e expressa

Além dos pedidos urgentes, a ação também tem pedidos de estrutura de transporte e acesso das comunidades à sede do município. MPF e DPU requerem que a Prefeitura de Porto Velho seja condenada a providenciar transporte fluvial de passageiros, das seguintes formas:

• Rota completa e lenta – uma rota diária (ida e volta) entre o centro urbano de Porto Velho e a comunidade de São Carlos (na boca do rio Jamari) e entre esta e as demais comunidades do Baixo Madeira e região, incluindo a Gleba Rio Preto. A rota deverá ser feita por embarcação com grande capacidade de passageiros, a fim de permitir viagens seguras e com apelo turístico.

• Rotas expressas: uma rota diária (ida e volta) entre a comunidade de São Carlos (foz do rio Jamari) e todas as comunidades do Baixo Madeira e região, inclusive com modal que atenda aos moradores da Gleba Rio Preto, a ser feita com barcos expressos e velozes, com capacidade reduzida de passageiros.

MPF e DPU pedem que a União doe as embarcações das rotas para que a Prefeitura execute os serviços. Além disso, a União deverá subsidiar as passagens dos moradores das comunidades ribeirinhas e da Gleba Rio Preto, que terão transporte gratuito nas embarcações por 10 anos. Turistas e demais passageiros devem pagar pelas passagens, normalmente.

Os órgãos ainda requerem que a Prefeitura construa estações de embarque e desembarque de passageiros e mercadorias (cais) no centro urbano de Porto Velho, na comunidade de São Carlos e em cada comunidade do Baixo Madeira e região, inclusive na Gleba Rio Preto, com tecnologia de engenharia que faça a plataforma resistir às cheias e se adaptar aos períodos de seca, de modo que possa ser usada ao longo de todo o ano. Na Vila Rio Preto, o cais deverá ser construído no Rio Preto e no Rio Machado. A União deverá repassar à Prefeitura o recurso para esses cais.

Transporte de cargas e mercadorias

MPF e DPU também pedem que a União seja condenada a efetivar medidas para o transporte de cargas e mercadorias do Baixo Madeira e Gleba Rio Preto, como:

• Doação de veículos com tração 4×4 para transporte terrestre de mercadorias, em apoio ao escoamento da produção dos produtores locais, bem como para receber produtos adquiridos pelos comerciantes locais. A manutenção dos veículos deverá ser feita pela Prefeitura de Porto Velho, pelo prazo de 10 anos. Após esse período, os produtores locais deverão arcar com a manutenção dos veículos.

• Doação de embarcação específica para cada comunidade, com a finalidade de transportar e escoar a produção local, custeando o serviço por 10 anos, mediante repasse à Prefeitura dos valores correspondentes ao preço ideal que deixará de ser cobrado dos usuários.

• Definição de horários e calendário de funcionamento e rotas de entrega, que deverá considerar o interesse dos produtores locais, que terão esse transporte gratuito por 10 anos. Na Vila Rio Preto, as embarcações deverão atendê-los no Rio Preto e no Rio Machado.

• Operacionalização, pela Prefeitura, do serviço de escoamento da produção das comunidades, mediante o uso da embarcação fornecida pela União.

MPF e DPU pedem ainda que União e Estado de Rondônia paguem indenização por danos morais – de R$ 5 milhões e R$ 3 milhões, respectivamente – a serem usados em partes iguais para cada comunidade e conforme deliberação dos moradores locais, com apoio e intervenção da Prefeitura.

Os órgão também requerem que a União, o Estado e a Prefeitura paguem compensação individual a cada morador das comunidades no valor de R$ 10 mil, desde que esteja residindo no local há, pelo menos, três anos.

Por fim, MPF e DPU requerem que, após a concessão da liminar, seja realizada audiência de conciliação presencial, possibilitando a participação de representantes de todas as comunidades, bem como uma audiência pública e, caso não seja possível um acordo, inspeção judicial com participação obrigatória de representantes dos réus.

Liminar

No dia 27 de setembro, a Justiça Federal negou o pedido de liminar da ação do MPF e DPU. Conforme consta na decisão, após a colheita das informações pertinentes e dos planos de ação existentes sobre as situações relatadas na ação e apresentação das contestações, a Justiça avaliará a viabilidade de audiência de conciliação.

*Com informações do MPF

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