Fortalecer, valorizar a cultura e promover o protagonismo feminino. Esses foram os pilares para a criação da Associação de Mulheres Extrativistas (AME), resultado do projeto de dissertação: Sociedade e Natureza: Um estudo sobre o protagonismo das mulheres andirobeiras da Ilha do Combu, em Belém, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado do Pará (Uepa), executado pela discente Ana Carolina Gonçalves sob orientação das professoras doutoras Flávia Lucas e Cláudia Urbinati.
O projeto da associação surgiu por uma demanda das próprias mulheres das comunidades do Combu e Piriquitaquara para a professora Flávia Lucas, uma das criadores do projeto. “Essa criação surgiu da necessidade de trazer o protagonismo para essa mulher, fazê-la se sentir valorizada, valorizar o seu trabalho e lhe trazer conhecimentos sobre a matéria prima local, que é o óleo da andiroba”, declara.
Segundo a professora Cláudia Urbinati, em média 20 mulheres fazem parte da associação, estas são mulheres trabalhadoras da florestas que trabalham tanto quanto os homens e não possuem o reconhecimento devido.
Além de promover esse protagonismo feminino, o projeto também tem o intuito de valorizar o óleo da andiroba e o cultivo do fruto, visto que essa matéria prima já foi rentável a muitas famílias. Ele também visa profissionalizar essas mulheres, promover a elas uma atividade rentável, visto que muitas ainda exercem o trabalho de extrativistas, produzem o óleo, porém não recebem valor de acordo ao trabalho minucioso realizado que pode levar até meses para ser finalizado por conta do clima, dos frutos, e do processo que envolve muita crença, cultura e empenho.
Dentro das crenças na produção do óleo, Izete dos Santos, conhecida como Dona Nena conta que mulheres menstruadas ou grávidas e pessoas desconhecidas não podem participar ou observar o processo de extração e produção do óleo, pois segundo a crença, entendem que a andiroba é capaz de absorver a energia dos envolvidos. “Se as regras não forem cumpridas, o óleo não sai da maneira natural, tendo que optar por expor ao sol, forçando a extração do fruto e fazendo com que o óleo se torne inutilizável para o consumo tradicional.”
Dona Nena é uma das tantas mulheres que acreditam e participam do projeto, ela é moradora do Combu e vive pelo resgate da cultura da família, utilizando como fonte de renda tudo o que a floresta lhe oferece. Hoje em dia ela trabalha com o foco no chocolate, mas tem a andiroba como expectativa de complementação de renda para ela e mulheres da Ilha. “Vejo o projeto como uma forma de despertar o interesse a esse trabalho de extração, para que as mulheres vejam o potencial da andiroba para a nossa ilha”.
Visando amparar e lhes dar estrutura para a execução do trabalho, a equipe do projeto já providenciou fogão, utensílios individuais, e em conjunto das mulheres, já conquistaram a sede do projeto, visto que há o planejamento de equipa-la da melhor maneira para as mulheres se sentirem não apenas no seu lugar de trabalho, mas um lugar que ela seja acolhida, que possam conversar e se sentirem mulheres valorizadas.
Segundo a discente e executora do projeto, Ana Carolina Goncalves, toda a iniciativa veio para valorizar a cultura local que aos poucos está se perdendo, principalmente por conta das mudanças sociais que vêm acontecendo na Ilha. “No passado havia mais zelo pela floresta e costumes caboclos. O trabalho das andirobeiras, visa justamente trabalhar com um recurso nativo, que é um patrimônio material, mas também imaterial, pois faz parte da cultura, tradição e herança familiar.”
“Muitas já possuem uma demanda de óleo, então o nosso projeto visa fortalecer essa atividade, fazendo com que a sede atual se torne um ponto comercial das produções, que os terrenos onde acontecem a colheita do fruto da andiroba, se tornem vias turísticas e rentáveis a essas famílias.”
Desde o início em 2020 o projeto por meio da Uepa já promoveu diversas oficinas na sede da Associação, localizada na comunidade de Piriquitaquara para estimular capacitações nas andirobeiras para elaboração de cosméticos, materiais de limpeza, dentre outros, a base de andiroba visando o fortalecimento da cadeia de valor da andiroba na ilha. Essa etapa tem sido acompanhada pelo químico e doutorando da UFPA, André Reis que presta todas as orientações técnico-científicas que agregam qualidade e segurança no uso destes produtos.
A equipe do projeto conta com a participação da comunidade envolvida, representada pelas andirobeiras, além do apoio jurídico do advogado Paulo de Tarso do Escritório Ferreira Melo e Barroso Advocacia e do designer Bernardo Magalhães, diretor da Agência de Comunicação Libra Branding, que estão trabalhando conjuntamente para a criação da associação AME Combu, Associação das Mulheres Extrativistas do Combu e de sua marca coletiva.
Impactos na comunidade
Por muito tempo, a andiroba foi a principal fonte de renda de muitas famílias ribeirinhas. Mas, com o passar do tempo, as descobertas de novas fontes fizeram com que o valor da até então a principal fonte caísse até não suprir mais a necessidade das famílias.
Prazeres Quaresma, mais conhecida como Dona Prazeres, é Turismóloga especialista em Ecoturismo, e acima de tudo, ribeirinha, com família extrativista presente há mais de 100 anos na região. “A andiroba é o sangue da população ribeirinha, primeiro porque sempre foi considerada um medicamento e mais que isso, representou uma fonte de renda muito importante”, disse.
“Apesar de ter perdido o valor hoje, nós ainda continuamos acreditando no potencial desse fruto, que assim como o cacau e o açaí, tem tudo para voltar a crescer e conquistar novamente o mercado. A andiroba representa a esperança de manter a nossa floresta de pé!”, concluiu.
Segundo dona Prazeres, atualmente, 95% das andirobeiras perderam o seu lugar para o açaí e cacau, matérias que estão com maior valor no mercado. E a chegada do projeto é a esperança para a retomada financeira deste produto.
A expectativa é que o projeto AME ajude a trazer de volta o valor de todo o trabalho com a andiroba, que essa fonte traga além da valorização cultural, reconhecimento da mão de obra, também um retorno financeiro sendo essencial para a economia local e às mulheres extrativistas que ainda produzem os produtos naturais na região.
“Acredito que o projeto tenha vindo para despertar as pessoas que achavam que as andirobeiras não serviam mais pra nada, que isso traga de volta o ânimo e a intenção de plantar mais andiroba, entender que ela pode ser uma fonte de renda valiosa. O futuro da andiroba depende hoje da associação, as pessoas só irão valorizá-la a partir do sucesso e engajamento dessa iniciativa. O diferencial desse projeto, é o compromisso que estão tendo com a comunidade, existe uma frase que diz, “saber e não fazer é o mesmo que não saber” e o diferencial do AME é porque sabem e fazem”.
Ao final da pesquisa espera-se que o óleo de andiroba e derivados, como sabonetes, shampoo, hidratantes e etc, tenham valor agregado de mercado, bem como as mulheres andirobeiras da Ilha do Combu se sintam valorizadas e estimuladas a manter a produção de óleo visando a tradição dos povos da floresta.