Massacre de Eldorado do Carajás: relembre caso da manifestação que terminou em assassinato no Pará

De acordo com o MST, 21 pessoas morreram – 19 no local e duas devido aos ferimentos – e o dia 17 de abril se tornou o ‘Dia Mundial da Luta pela Terra’.

O Massacre de Eldorado do Carajás é um dos grandes fatos que marcam a história paraense. O caso ocorreu na tarde de 17 de abril de 1996. Durante o que deveria ser apenas uma manifestação, trabalhadores rurais foram mortos por policiais militares na ‘Curva S’ na rodovia PA-150.

O grupo de trabalhadores rurais e do próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) protestava contra a demora da desapropriação de terras e impedia a passagem de carros e caminhões na rodovia.

Foto: Sebastião Salgado

De acordo com o MST, 21 pessoas morreram por conta das ações que sucederam o protesto: 19 no local e duas devido aos ferimentos. As perdas aconteceram por conta da ação de policiais que tentaram dispersar os manifestantes lançando bombas de efeito moral. 

Os sem terra se revoltaram com a medida e começaram a atirar pedras e pedaços de pau nos policiais, que recuaram por alguns instantes, porém a reação veio em seguida, com disparos de metralhadora. 

Início de tudo

Em setembro de 1995, cerca de 3.500 famílias de trabalhadores rurais, organizadas pelo MST, formaram um acampamento à margem da estrada próxima à Fazenda Macaxeira, reivindicando a desapropriação dessa área. Para os trabalhadores rurais, esta fazenda era improdutiva. 

Eles reivindicavam sua desapropriação com base no artigo 184 da Constituição Federal: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusulas de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de emissão, e cuja utilização será definida em lei”. 

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fez a vistoria para desapropriar, mas o laudo atestou que a fazenda era produtiva. De acordo com denúncias do MST, este laudo foi obtido por meio de um suborno junto ao superintendente do Incra do Estado do Pará.

No dia 5 de março de 1996, as famílias acampadas à margem da rodovia PA-275 decidiram ocupar a fazenda Macaxeira, dando início a novas negociações junto ao Incra. 

De um lado, os trabalhadores se preparavam para se defender de uma possível repressão. Segundo ‘O Estado de S. Paulo’, que noticiou na época, “homens armados espalhados por todo o acampamento e nas picadas abertas na mata, tocaias compostas sempre por mais de dois homens faziam a vigia dia e noite”. 

Por outro lado, os fazendeiros realizaram diversas reuniões com representantes do governo paraense, exigindo a reintegração de posse e denunciando o armamento dos trabalhadores rurais.

Segundo o MST, “a Federação dos fazendeiros fez uma reunião com o governador e o secretário de segurança. A Federação levou diversos presidentes dos sindicatos dos fazendeiros da região de Marabá para exigir maior repressão ao MST e entregaram uma lista de 19 pessoas que deveriam desaparecer para ‘voltar a paz’ na região. Na lista estavam todos os coordenadores do MST no Estado do Pará.

Em tentativas de negociação, o presidente do Instituto de Terras do Estado do Pará foi o mediador entre o Incra e os trabalhadores rurais para agilitar o assentamento das 3.500 famílias. Ficou combinado entre as partes que seriam enviadas 12 toneladas de alimentos e 70 caixas de remédios para o acampamento. Nenhuma promessa foi cumprida. 

No dia 10 de abril, aproximadamente 1.500 famílias iniciaram uma caminhada para Belém, capital do Estado, a 800 km de distância. Esta marcha tinha como objetivo protestar junto ao governo do Estado pelas promessas não cumpridas e, principalmente, pela demora no processo de desapropriação da Fazenda Macaxeira. 

No dia 16 de abril os trabalhadores resolveram bloquear a estrada PA-150 no km 95, próximo à cidade de Eldorado do Carajás, exigindo comida e ônibus para continuarem a caminhada. Foram abertas novas negociações, tendo como mediador o comandante da 10ª CIPM/1ª Cipoma, que prometeu alimento e ônibus. Mas no dia 17 de abril pela manhã foi dada uma informação de que as negociações estavam canceladas.

O massacre

Os trabalhadores voltaram a bloquear a estrada, na altura da denominada ‘Curva do S’, no município de Eldorado dos Carajás. Por volta das 16 horas do dia 17 de abril, os trabalhadores rurais foram literalmente cercados: a oeste por policiais do quartel de Parauapebas e a leste por policiais do batalhão de Marabá.

O confronto se iniciou e existem controvérsias sobre quem atacou primeiro: os trabalhadores jogaram paus e pedras e os PMs chegaram lançando bombas de gás lacrimogêneo.

O confronto acabou gerando um número de vítimas alto: 19 trabalhadores rurais foram mortos com 37 perfurações de bala, e 56 ficaram feridos. 

Segundo o médico legista Nelson Massini, houve tiros na nuca e na testa, indicando assassinato premeditado de sete vítimas. Ficaram nos corpos dos mortos 17 balas e 12 deles apresentaram cortes profundos com foices e facões, provavelmente instrumentos retirados dos próprios trabalhadores rurais. Um teve a cabeça estraçalhada.

Foto: Reprodução/Arquivo MST

Depoimentos

Os depoimentos dos que estavam na estrada foram chocantes. No blog ‘UFSC à Esquerda’, há o registro de Ramiro de Souza, de 52 anos, acampado na Fazenda Macaxeira: “íamos para Marabá. Todo mundo estava alegre esperando os ônibus chegarem. De repente começou o tiroteio. Levei um tiro no ombro. Fiquei com medo e corri umas três a quatro horas. Pousei no mato e voltei no outro dia. Eu não quis morrer. Foi uma traição o que eles fizeram com nós”. 

Avelino Geminiano, de 42 anos. em especial ao ‘Hoje em dia’, acampou na Fazenda Formosa: “Estava a uns cinco metros de distância quando levei um tiro na canela, virei e levei outro nas costas. Caí no chão e eles dispararam os outros sete tiros. Me acertaram as pernas, o pé, as costas e o peito, me algemaram e levaram para dentro do ônibus. Só não me mataram porque tinha uma repórter lá. Eles colocavam o revólver dentro do meu ouvido e da boca e pediam os nomes dos outros “vagabundos”. Me levaram depois para a cadeia e só às 4 horas da manhã é que cheguei no hospital. Tenho ainda três balas no corpo”. 

A condenação

Dos 155 policiais que atuaram no caso, somente Mário Pantoja e José Maria de Oliveira, comandantes da operação, foram condenados e cumprem a pena em liberdade. Os outros 153 PMs foram absolvidos, ainda que vários dos policiais que atuaram no caso estivessem sem identificação e com armas retiradas do quartel sem registro, o que não é permitido.

Foto: Reprodução/Arquivo MPPA

Após o massacre, o dia 17 de abril se tornou o ‘Dia Mundial da Luta pela Terra’. A Fazenda Macaxeira foi desapropriada e se tornou o assentamento 17 de Abril.

Um monumento chamado de “monumento das castanheiras queimadas” foi construído, formado por árvores mortas, uma para cada vida ceifada. No centro há um altar com o nome das pessoas assassinadas, como forma de homenagem.

Foto: Reprodução/Arquivo Jornal O Globo

Referências

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