O reajuste de 10,18% do salário-mínimo representa apenas um reajuste nominal e nenhum reajuste real, pois a inflação estimada para o ano de 2022 também é de 10,18%. Entenda:
Por meio da Medida Provisória (MP) 1091/2021 o salário-mínimo em 1º de janeiro de 2022 passou de R$ 1.100,00 para R$ 1.212,00, o que representa um reajuste de 10,18%. Num primeiro momento, este reajuste parece aumentar o poder de compra de milhões de brasileiros assalariados, ou seja, este aumento permitiria aos assalariados adquirir mais bens e serviços. Será mesmo? Para responder a essa pergunta é fundamental diferenciar reajuste nominal de reajuste real.
Reajuste nominal ou aumento nominal é simplesmente a variação percentual de determinada variável, como o salário-mínimo, de um período para o outro. Em outras palavras, é quanto o salário aumentou (ou diminuiu) de um ano para o outro. Por sua vez, reajuste real ou aumento real é a variação percentual do salário descontada a inflação.
Ou seja, o reajuste real leva em consideração o poder de compra do salário-mínimo. Neste sentido, o reajuste de 10,18% do salário-mínimo representa apenas um reajuste nominal e nenhum reajuste real, pois a inflação (medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC) estimada para o ano de 2022 também é de 10,18%. Ou seja, do ponto de vista do poder de compra do assalariado, não houve mudança alguma. Por quê?
Poder de compra significa a capacidade da renda em adquirir bens e serviços, ou seja, no caso dos assalariados, a quantidade e variedade de bens e serviços que o salário-mínimo é capaz de comprar. Dessa forma, embora o salário-mínimo tenha sido reajustado nominalmente em 10,18%, o poder de compra manteve-se constante, pois a inflação estimada para os últimos doze meses também foi de 10,18%. A inflação mede a variação média dos preços de centenas de bens e serviços, como carnes, verduras, bebidas, combustíveis, serviços de saúde, transportes, alugueis, etc.. Assim, uma inflação de 10,18% significa que os preços dos bens e serviços comprados em nosso dia a dia aumentaram, em média, 10,18%.
Para deixar bem claro as diferenças entre reajustes nominal e real, considere o seguinte exemplo: suponha que João consuma apenas tambaqui e gaste toda sua renda, uma aposentadoria de um salário-mínimo do INSS, para adquirir esse peixe. Em janeiro de 2021, o salário-mínimo era R$ 1.100,00 e o preço do quilograma (kg) do tambaqui era de R$ 8,00. Isso significa que, com o salário de João, é possível consumir 137,5 kg de tambaqui por mês. Essa quantidade de tambaqui nada mais é do que o poder de compra do salário de João.
Em janeiro de 2022, o salário-mínimo foi reajustado em 10,18%, ou seja, o salário de João passou a ser de R$ 1.212,00, um aumento de R$ 112,00. João ficou feliz com o aumento de sua renda, pois poderia consumir uma quantidade maior de tambaqui, pelo menos 14 kg a mais desse peixe. No entanto, ao chegar no mercado percebeu que o preço do tambaqui aumentou para R$ 8,81, um aumento também de 10,18%. João se sentiu frustrado, pois apesar do aumento no salário-mínimo, ele continuou comprando a mesma quantidade de tambaqui do ano passado, 137,5 kg.
Portanto, do ponto de vista do consumidor, o verdadeiro reajuste é o reajuste real, ou seja, aquele que permite comprar uma quantidade maior de tambaqui. Assim, o aumento nominal de 10,18% no salário-mínimo apenas manteve o poder de compra do consumidor constante, sem gerar qualquer prosperidade. É como se “o governo desse com uma mão e retirasse com a outra”.
Sobre o autor
Lucas Sousa é economista pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Mestre em Economia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, é professor adjunto no Departamento de Economia e Análise da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Atua principalmente nas seguintes áreas de pesquisa: Economia Ambiental e Métodos Quantitativos em Economia.
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