Memórias sobre o Dia de Finados

Meu irmão Estevão fez uma breve reflexão sobre este dia, retratando um momento de família em outra época.

Foto: Camila Henriques/Acervo g1 Amazonas

Não sei vocês, mas o dia de finados, na minha época de criança, era um evento. Minha mãe, católica atuante, preparava tudo um dia antes do dia do finados. Ela mandava limpar e pintar os túmulos. Comprava velas e se preparava para comprar flores próximo da entrada do cemitério. 

Nos jornais, anunciava-se como seria o trânsito, pois haveria engarrafamento e era difícil estacionar. O prefeito mandava pintar e limpar o cemitério. Estava escrito no jornal como o cemitério estaria sendo preparado para receber a população. O cemitério era lotado. Tinha polícia e todos os tipos de controle para deixar a coisa ordenada. 

Na entrada havia uma corda separando o povo que entrava e o povo que saia. Era muita gente lá, era verdadeiro encontro de amigos. Meus pais encontravam parceiros e trocavam ideia. Conversavam relativamente baixo, pois era um lugar de respeito e lembrança. Na praça Chile, em frente do cemitério São João Batista, colocavam palanque onde tinha missa e até a banda da polícia tocava em um horário preestabelecido. 

No cemitério, nós íamos aos túmulos de tias e avós. Na frente do tumulo orávamos e cada um dos filhos colocava uma vela acesa (somos quatro). Ainda tinha, não lembro bem, mas era um túmulo ou só um monumento de uma pessoa e todos ainda antes de sair visitavam aquele local, oravam, colocavam vela e saiam. 

O cemitério era quente. A caminhada lá dava para suar. Mas era interessante que nas sombras daquelas inúmeras mangueiras era agradável. Depois vinha uma chuva, às vezes torrencial. Anunciava-se assim, o início do tempo de chuva.

Lembro-me que quando bem pequeno eu observei que no cemitério era cheio de casinha e tinha escrito nas suas frentes a palavra Jazigo. Fui motivo de sarro porque falei para minha mãe que a família Jazigo era imensa, pois o cemitério estava cheio deles.

O cemitério era lugar de respeito e de certo modo amedrontador para nós. Meus irmãos treinavam voleibol no Olímpico Clube, que fica no fim do Boulevard Amazonas. Nos morávamos em Adrianópolis, na Rua Belém. A rua ia da praça Chile (frente ao cemitério) para Cachoeirinha. Então voltávamos do trieno cerca de nove ou dez horas da noite. Na frente do cemitério passávamos correndo para que nós não fossemos mais uma vítima de lendas urbanas.

Depois do cemitério era hora de brincar. Se desse íamos para o Guanabara tomar banho no Mindú. Lá encontrava nossa turma e jogávamos futebol enquanto meu pai jogava voleibol. No vôlei praticamente tinha dois times: um time que meu pai jogava e no outro lado o Milton Nogueira Marques montava. Sempre foi assim Milton x Edgar. Os dois eram grandes amigos, mas no jogo o pau cantava. Era divertida a discussão entre os dois, se um tocou na rede ou não.

Milton era dono do Cartório Nogueira. Manaus inteira ia para lá assinar acordos etc. Uma figura baixa e magra, mas extremamente simpático. Aberto as conversas e atencioso com os filhos dos amigos. Seu filho Pedro foi conosco para os Estados Unidos. Era uma pessoa muito legal que de um minuto para outro mudou muito quando foi abatido por uma tragédia familiar. Daí seu Milton praticamente sumiu.

Lembro-me uma vez que minha mãe tinha colocado unhas postiças. Era a moda, muito caro e difícil de conseguir em Manaus. Esta unha caiu no campo de areia de futebol. Minha mãe chamou o meu pai e pediu para procurar sem falar para ninguém que ela usava as unhas.

Chegou um momento que os dois times vasculhavam a areia procurando uma coisa vermelha. Meu pai não falava o que era e o pessoal insistia para saber até que minha mãe anunciou que era unha postiça dela. Finalmente acharam e devolveram para minha mãe.

Assim eram os dias feriados e em especial o dia dos finados. Que Deus tenha piedade daqueles que já se foram.

Observação: Este texto foi escrito por meu irmão Estevão e gentilmente cedido para fazermos uma reflexão sobre este dia. 

Sobre o autor

Eduardo Monteiro de Paula é jornalista formado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), com pós-graduação na Universidade do Tennesse (USA)/Universidade Anchieta (SP) e Instituto Wanderley Luxemburgo (SP). É diretor da Associação Mundial de Jornalistas Esportivos (AIPS). Recebeu prêmio regional de jornalismo radiofônico pela Academia Amazonense de Artes, Ciências e Letras e Honra ao Mérito por participação em publicação internacional. Foi um dos condutores da Tocha Olímpica na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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