Irara com leucismo foi flagrada por armadilha fotográfica em uma área de reserva florestal em Caracaraí, no sul do Estado. Monitoramento é feito por projeto de preservação da biodiversidade.
Uma irara (Eira barbara) com uma condição rara conhecida como leucismo – que deixa o pelo branco – foi flagrada por uma armadilha fotográfica montada em uma reserva florestal em Caracaraí, sul de Roraima. O flagrante do animal, comum na região amazônica com pelos escuros, animou os estudiosos do programa ‘Roraima Silvestre’, responsáveis pelo registro, que nunca tinham visto essa condição em iraras: “grande emoção”.
O vídeo do animal – que costuma ter a pelagem marrom escura – foi feito no dia 5 de fevereiro na Área de Reserva Legal do Instituto Federal de Roraima campus Novo Paraíso e publicado nas redes sociais do Roraima Silvestre no último sábado (17).
Para o coordenador do projeto, o doutor em ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Manejo e Criação de Animais Silvestres do Instituto Federal de Roraima (IFRR), Rafael de Sousa, publicar estas imagens é uma honra.
“É uma sensação de grande emoção devido a possibilidade de contribuir com a divulgação científica de um fenômeno natural raro em iraras que habitam o bioma amazônico, especialmente o de Roraima, que tem sempre revelado grandes surpresa para nós”,
destacou o professor.
A irara (Eira barbara) também é conhecida como jaguapé e papa-mel. O nome em tupi-guarani significa “comedora de mel”, já que esse é um de seus alimentos preferidos. Esse animal está presente em praticamente toda a América Latina, desde a costa tropical do México até o norte da Argentina. Está presente em praticamente todo o território nacional, com a exceção de algumas regiões do Nordeste.
De acordo com o professor, a pelagem normal da espécie é marrom escura e preta em todo o corpo; e castanho-claro ou acinzentada na cabeça e no pescoço. Na garganta, há uma mancha alaranjada ou bege bem peculiar, que se assemelha a um “babador” e, por isso, registrar um indivíduo que foge deste padrão é algo descrito como “surpreendente”.
“O animal registrado pela nossa equipe é uma Irara, macho, com alterações genéticas que provocaram a coloração diferenciada, sendo um evento não habitual na natureza, o que o torna um animal raro e importante para a elucidação das perguntas sobre os mecanismos moleculares e fisiológicos responsáveis por essa condição de coloração nessa espécie”, disse o professor.
A irara é um animal quadrúpede que vive em florestas tropicais da América Central e América do Sul. Tem uma feição amistosa, porém não esconde o lado selvagem. Possui uma longa cauda negra que pode atingir os 47 centímetros, sendo inferior apenas ao comprimento do corpo que pode chegar a 68 centímetros. É da família das ariranhas e das lontras.
De acordo com o coordenador do projeto, o que causou a coloração branca no animal flagrado pelas câmeras é uma condição chamada leucismo. Um dos motivos que tornam raros os avistamentos de animais com essa condição é que a pelagem branca é desfavorável para a vida na floresta. “O leucismo em iraras, é uma alteração cromática, ainda pouco conhecida. A coloração incomum em iraras não ocorre frequentemente na natureza, o que dificulta a identificação e investigação de suas causas e efeitos”.
“Os raros avistamentos de iraras leucísticas possivelmente é consequência da força da seleção natural na vida silvestre, uma vez que indivíduos portadores dessa condição genética ficam mais visíveis aos predadores naturais e aos caçadores, o que os tornam presas fáceis”, explicou.
Ele destaca: leucismo é diferente de albinismo.
“No leucismo a pigmentação está ausente, de forma parcial ou integral na pele, mas presente nos olhos, enquanto no albinismo há a completa ausência de pigmentação no corpo e os olhos apresentam-se vermelhos”,
explica.
Câmeras acopladas nas árvores
O registro do raro animal foi feito com uma “camera trap”. Acoplada a árvores as armadilha fotográfica, fica camuflada com uma lente por fora. Acionada por movimentos e com visão infravermelha, essa armadilha não captura e nem machuca os animais, mas registra fotos e vídeos tudo que eles fazem e isso ajuda a estudar os animais em seu habitat.
“Essas câmeras possuem um sensor de movimento que é acionado na presença dos animais, além de permitir a captura dos registros durante a noite, a partir do sistema infravermelho, permitindo a gravação de fotos e vídeos, sem interferir na dinâmica natural da fauna silvestre, já que deixamos esses equipamentos camuflados na mata”, ressaltou Rafael de Sousa.
Roraima Silvestre
O projeto foi idealizado em outubro do ano passado, quando advogada Alexssandra Alves, que também é integrante da pesquisa, convidou Rafael de Sousa e os professores Polyanni Dallara e Yunã Lurie para conhecer a área de reserva legal do sítio dela, no Sul de Roraima. A região tem 80% de área conservada.
Durante as investigações territoriais, os pesquisadores encontraram uma grande variedade de aves, como a arara-canindé, arara-vermelha e diversos primatas na copa das árvores, como o Macaco-de-cheiro. Também perceberam a presença dos felinos e de outros animais, como a anta.
Além disso, em um igarapé que banha a propriedade, encontraram arraias de água doce e outros tipos de peixes, além de jacarés e ariranhas. A ariranha é considerada a maior lontra do mundo e também está ameaçada de extinção.
“Diante desse cenário, ficamos em êxtase com tamanha diversidade da fauna e flora daquela região e surgiu a ideia da criação do ‘Roraima Silvestre'”, afirmou Rafael. O trabalho foi vinculado aos programas de pesquisa do IFRR neste ano.
Atualmente, a base de pesquisa é constituída tanto pela área de reserva legal do sítio de Alexssandra, quanto pela área do campus Novo Paraíso do IFRR, também localizado em Caracaraí, ambas conectadas a corredores ecológicos, permitindo o fluxo de animais silvestres entre diferentes áreas.
A equipe é formada por 14 profissionais das áreas de ciências agrárias, biológicas, educacionais e humanas, além de estudantes dos cursos técnicos integrados ao ensino médio e do curso superior em agronomia do Instituto.
*Por Caíque Rodrigues, do g1 Roraima