Peixe-elétrico misterioso segue sem ser encontrado por pesquisadores na Amazônia

Seca histórica na bacia do rio Negro e possível indicação imprecisa da área de ocorrência de Iracema caiana podem ser razões para a espécie não ter sido localizada pela Expedição DEGy Rio Negro.

Um dos quatro exemplares de Iracema caiana depositados no Museu de Zoologia da USP em 1968. Desde então, nenhum outro exemplar foi coletado. Foto: Thiago Loboda/MZ-USP

O mistério continua. Os pontos onde o pesquisador Tyson Roberts teria coletado os únicos quatro exemplares conhecidos de Iracema caiana passaram por uma intensa varredura pela equipe da Expedição DEGy Rio Negro, que percorreu tanto este local como parte do rio Jauaperi para a coleta de peixes-elétricos, mais conhecidos como poraquês e sarapós.

Depois de três dias e mais de 60 espécies coletadas, 15 delas de sarapós, a equipe encerrou as buscas no rio Jauaperi. A embarcação Comandante Gomes ficou atracada uma noite na comunidade de Tanauaú e duas na de Itaquera, no município de Rorainópolis, em Roraima. Além da mudança provisória de rio, a equipe também mudou temporariamente de Estado.

“Visitamos os mesmos pontos indicados por Tyson Roberts em que ele teria coletado Iracema caiana. Coletamos dezenas de espécies de diferentes famílias, inclusive sarapós, mas encerramos essa parte da viagem sem encontrar essa espécie enigmática de peixe-elétrico”, explica Osvaldo Oyakawa, técnico de apoio à pesquisa do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), que coordenou os trabalhos da expedição.

A Expedição DEGy Rio Negro fez buscas na área da coleta de Iracema caiana, segundo registrou Tyson Roberts no final da década de 1960, mas não encontrou o peixe-elétrico. Foto: Thiago Loboda/MZ-USP

A Expedição DEGy Rio Negro ocorreu no âmbito do projeto ‘Diversidade e Evolução de Gymnotiformes‘ (DEGy), apoiado pela FAPESP. Os relatos compõem a nova edição da série Diário de Campo.

“A raridade de exemplares de Iracema disponíveis em coleções científicas para estudos dificulta estabelecer com mais precisão as relações de parentesco com outras espécies da ordem dos peixes-elétricos. Daí o esforço realizado para obter mais espécimes em seu ambiente natural, ainda desconhecido”,

esclarece Naércio Menezes, professor do MZ-USP e coordenador do projeto.

A Agência FAPESP buscou por informações na comunidade de Itaquera sobre a possível visita de Roberts em 1968, mas não obteve sucesso. Por e-mail, o pesquisador, ainda na ativa aos 84 anos, afirma que não se lembra dos detalhes da coleta, ocorrida nos seus primeiros anos de carreira.

“Muitas pessoas me ajudaram a coletar espécimes de peixes, normalmente pescadores locais cujos nomes eu não obtive. Se tive ajudantes regulares que me acompanharam em longas viagens, eles não deviam ser de lá [Itaquera], e não se lembrariam de coletas que me ajudaram a fazer em vários lugares. Sinto muito não conseguir fornecer nenhuma informação útil”, disse Roberts, de Bangkok, na Tailândia, onde vive atualmente.

Pesquisadora Angela Zanata procura por peixes durante coleta em igarapé no rio Jauaperi. Foto: André Julião/Agência FAPESP

Seca

“Nessa coleta, de modo geral, encontramos uma quantidade muito menor de peixes, em termos de diversidade de espécies e biomassa. Uma hipótese é que a grande seca ocorrida no final do ano passado pode ter levado os peixes que não morreram a migrar para as cabeceiras dos rios”, avalia Carlos David de Santana, pesquisador associado ao Museu Nacional de História Natural, da Smithsonian Institution, nos Estados Unidos, parceira do projeto.

“Por exemplo, dois gêneros comuns nos ambientes aquáticos que prospectamos (Gymnorhamphichthys e Rhamphichthys) não foram capturados [até aquele momento da expedição], o que pode ser um indicativo do impacto da seca nas comunidades de peixes que vivem na região. Da mesma forma, sinais elétricos não foram detectados com os equipamentos próprios para isso”, completa.

No que se refere à Iracema caiana, elucida Santana, outra possibilidade é que os espécimes coletados em 1968 tenham sido levados até Roberts de outro local, talvez mais próximo às cabeceiras.

O inverno amazônico, que é a estação das chuvas, vai de setembro a fevereiro. Em outubro de 2023, porém, o rio Negro chegou ao menor nível dos últimos 121 anos em que os registros são realizados. Foram 12,70 metros em Manaus, sendo que o recorde anterior, de 2010, era de 13,63 metros.

Ainda que tenha voltado a chover e o volume do rio aumentado, a quantidade de chuvas é bastante inferior à dos outros anos. Em janeiro, o volume de chuvas de 110 milímetros era considerado “muito seco”, dada a média das duas últimas décadas. Enquanto a expedição percorria a bacia do Negro, em fevereiro, as chuvas foram ainda mais escassas, 104 milímetros.

Equipe da Expedição DEGy Rio Negro faz arrasto para coleta de peixes em igarapé no rio Jauaperi. Foto: André Julião/Agência FAPESP

“As áreas onde foram realizadas as coletas apresentam um alto grau de preservação, não sendo encontrados sinais de alterações ou impactos provocados por humanos. Precisamos investigar agora se a espécie, na verdade, ocorre em outra área ou se simplesmente não foi encontrada, o que é bastante comum nesse tipo de estudo”,

esclarece Lucia Rapp Py-Daniel, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (Inpa), que também fez parte da expedição.

Saindo de Itaquera, a equipe rumou para Barcelos (AM), onde foram obtidos mais combustível e alimentos. O próximo destino seria o rio Preto, no município de Santa Isabel do Rio Negro (AM).

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Agência FAPESP, escrito por André Julião para o especial Diário de Bordo

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