Em documento divulgado após reunião da Comissão Transfronteiriça Yurúa/Alto Tamaya/Alto Juruá, grupos se posicionaram contra passagens entre Nueva Itália e Puerto Breu, e entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa.
Organizações voltaram a se manifestar contra estradas que cortam territórios indígenas na fronteira entre o Acre e o Peru, que consideram ameaça à integridade das comunidades que habitam essas regiões. Em um documento divulgado após uma reunião da Comissão Transfronteiriça Yurúa/Alto Tamaya/Alto Juruá entre os dias 10 e 14 de março, os grupos se posicionaram contra as passagens entre Nueva Itália e Puerto Breu, e outra entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa.
A carta completa está disponível para baixar no site da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj).
A comissão foi criada em novembro de 2021 e articula mobilização entre povos indígenas das regiões afetadas pelas construções para chamar a atenção das autoridades de ambos os países. No texto publicado, os grupos afirmam que a abertura de estradas nessas regiões se trata de ocupação indevida.
Naquele ano, as organizações denunciaram, por meio de dossiê, a abertura ilegal do trecho da estrada UC-105 que vai de Nueva Italia a Puerto Breu, no Peru, por empresas madeireiras e outros grupos. O dossiê também expõe uma série de documentos oficiais, mapas e falas das lideranças, que mostram o risco que este empreendimento representa para os povos indígenas e comunidades tradicionais da região. Atualmente, segundo a comissão, um projeto de lei tramita no congresso peruano para tornar a pavimentação da estrada um interesse nacional.
Em novembro de 2019, foi dado início ao trabalho com a abertura de uma trilha de cerca de 90 quilômetros até o município peruano de Pucallpa. Na época, segundo informou a Secretaria de Infraestrutura e do Desenvolvimento Urbano (Seinfra), a ação era de abertura da trilha e levantamento topográfico no trecho que vai desde o final do Ramal do Feijão Insosso, em Mâncio Lima, até o Rio Azul. Em junho de 2023, uma decisão da Justiça Federal suspendeu as obras.
Ambas as construções são defendidas por parlamentares dos dois países, sob argumento de desenvolvimento econômico. Já as organizações indígenas ressaltam a associação dessas estradas ao contrabando de madeira e narcotráfico, fatores que, associados, podem ser nocivos às populações desses locais.
“Historicamente, a atividade madeireira legal e ilegal, o narcotráfico, a construção de estradas e ramais, estão entre os principais problemas enfrentados. Neste encontro, debatemos os impactos negativos das construções de estradas e das concessões florestais no Peru, que afetam os dois lados da fronteira”,
ressalta o documento.
O dossiê destaca que a UC-105 corta nascentes de rios e igarapés, territórios indígenas e áreas de conservação; e afeta mais de 30 comunidades indígenas e tradicionais da região. Além disso, passará a 20 km da Reserva Indígena Murunahua, onde habitam povos indígenas isolados e de recente contato.
As organizações também afirmam que os povos indígenas não foram ouvidos nem consultados sobre os impactos ambientais e culturais dessas estradas, e pedem maior abertura de diálogo.
“Pontuamos que a construção de estradas, legais e ilegais, acarretam ocupação indevida de não indígenas na região e geram impactos ambientais e sociais negativos, tais como: a fragilização da segurança alimentar (devido ao desmatamento, caça e pesca ilegais, contaminação dos rios); aumento da oferta de drogas e bebidas alcoólicas; cooptação e exploração de mão de obra de jovens indígenas para o narcotráfico; graves perdas da língua materna; invasões territoriais; fragilização da segurança física das comunidades e das lideranças que são constantemente ameaçadas”,
argumenta.
Por fim, o documento apresenta uma série de reivindicações, incluindo os questionamentos das organizações quanto à abertura dessas estradas e seus possíveis efeitos. Além disso, os grupos também pedem:
- Garantia de fiscalização e forças de segurança nos territórios
- Estudos ambientais por parte do governo peruano
- Arquivamento de projeto de lei do Congresso Peruano que pretende declarar o interesse nacional na pavimentação da estrada UC-105
- Respeito às Prioridades Climáticas da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC)
Denúncias
Para chamar a atenção mais uma vez das autoridades peruanas e brasileiras, onze organizações indígenas, uma delas é a Aldeia Apiwtxa, que fica em Marechal Thaumaturgo, fizeram mais um documento alertando para a invasão de grileiros na região de fronteira do Acre com o Peru. No documento, eles voltam a falar sobre a invasão de grileiros que ameaçam não só as terras indígenas, mas que também facilitam o avanço do narcotráfico na fronteira.
“As ameaças que enfrentamos são enormes, mas o narcotráfico, as estradas ilegais, os madeireiros, a mineração ilegal e a grilagem de terra, todos protegidos pela corrupção do Estado, não param de destruir nossos territórios e florestas. Há anos eles assassinam nossos líderes, sem serem punidos por seus crimes e muitos de nossos líderes continuam sendo ameaçados por aqueles que querem se apropriar de nossas terras e nossos recursos naturais. Apesar de nossas denúncias e do conhecimento dos órgãos de Justiça do Estado, os culpados não estão sendo punidos”, destaca o manifesto.
Ainda em agosto, as associações indígenas tornaram pública a denúncia de invasão. Na época, falaram sobre abertura ilegal do trecho da estrada UC-105 que vai de Nueva Itália a Puerto Breu, no Peru, por empresas madeireiras e outros grupos.
As lideranças acreanas informaram que mais de 2,3 mil indígenas devem ser afetados, já que a estrada deve afetar todas as cabeceiras dos rios e, consequentemente, todas as terras indígenas de Marechal Thaumaturgo. Na época, vários documentos, inclusive um dossiê com materiais de vídeos e fotos foram protocolados em órgãos brasileiros e peruanos.
“Exigimos que as autoridades competentes do Brasil e do Peru cumpram com sua obrigação de proteger as fronteiras, os direitos dos povos indígenas e do meio ambiente. No Brasil, é necessária uma maior presença de autoridades do Estado e uma maior atuação em defesa de todos que habitam as fronteiras do país. No Peru, exigimos que o Estado monitore, sancione e atue sobre as autoridades locais e regionais, que violam constantemente os direitos da população indígena”, sugere.
Sobre a estrada ilegal já aberta próximo à cidade de Marechal Thaumaturgo, os indígenas pedem que elas sejam fechadas.
No documento, eles também se posicionaram contra uma possível estrada que deve ligar o Acre ao Peru e passa pelo Parque Nacional da Serra do Divisor, no Vale do Juruá. No começo de outubro, uma audiência pública debateu essa proposta do governo.
“Rejeitamos veementemente que estados e empresas tomem decisões sobre nossos territórios sem prévia consulta e consentimento prévio, livre e informado, garantidos por lei, bem como outros projetos de infraestrutura e extração mineral que nos afetam e põem em perigo a nossa existência, como é o caso da Rodovia Masisea – Alto Tamaya e a Estrada Pucallpa – Cruzeiro do Sul”, pontua.
As associações finalizam o manifesto destacando que são os donos das terras e que trabalham juntos para manter a preservação do meio ambiente, além de defender seus territórios.
“Nós, povos indígenas, reafirmamos que nunca fomos descobertos. Somos os donos ancestrais de nossas terras, que nos vem sendo roubadas e destruídas por invasores, empresas extrativistas e máfias de todos os tipos. Nós, indígenas, sabemos que é possível fazer de cada lugar o melhor lugar do mundo para se viver, por isso cuidamos de nossa floresta, do nosso lar e geramos ar puro, água limpa, biodiversidade, sabedoria e cultura para nossos países e para o mundo. Nossos povos acreditam na vida”, destaca o documento.