Eventos raros de dispersão por longas distâncias ajudam a manter estrutura genética de manguezais

Os manguezais são importantes berçários para diversas espécies marinhas e estocam grandes quantidades de carbono.

No Norte do Brasil, os membros da população de árvores de mangue-vermelho (Rhizophora mangle) não se encontram com frequência com seus parentes do Sul e vice-versa. No entanto, migrações ocasionais entre uma e outra região, com a viagem de sementes adaptadas à água salgada, conhecidas como propágulos, pelas correntes oceânicas, fazem com que as populações troquem material genético entre si e mantenham-se ligadas ao longo da evolução. Essa é uma das conclusões de um estudo publicado na revista Molecular Ecology Resources por pesquisadores do Brasil, apoiados pela FAPESP, e do Japão.

A espécie estudada é uma das poucas da planta conhecida popularmente como mangue-vermelho, árvore predominante nos manguezais do mundo todo. Os resultados ajudam a compreender a dispersão dessas plantas fundamentais na ecologia costeira e podem contribuir para definir critérios para a criação de áreas prioritárias de conservação. Os manguezais são importantes berçários para diversas espécies marinhas e estocam grandes quantidades de carbono.

“Trabalhos como esse ajudam a definir áreas do país em que os mangues estão liberando muitos propágulos tanto para o Norte e Nordeste quanto para o Sul e Sudeste do país. Estes locais podem ser interessantes para criar áreas de conservação”, afirma André Guilherme Madeira, primeiro autor do trabalho e bolsista de doutorado da FAPESP no Instituto de Biociências do Campus Experimental do Litoral Paulista da Universidade Estadual Paulista (IB-CLP-Unesp), em São Vicente.

Jovens plantas de mangue-vermelho (Rhizophora mangle) se desenvolvem em manguezal paulista. Foto: Gustavo Maruyama Mori/IB-CLP-Unesp

Parte das análises foi realizada durante estágio na Universidade de Tsukuba, no Japão, ainda na sua graduação. Os estudos continuaram no mestrado no IB-CLP-Unesp, também com bolsa da FAPESP.

“Coletamos amostras de DNA de árvores dessa espécie no Brasil inteiro. Os dados genéticos foram coerentes com as simulações de correntes oceânicas, que também mostram que estas não transportam os propágulos para muito longe da sua região de origem. Com isso, temos duas populações quase isoladas, uma no Norte e Nordeste e outra no Sul e Sudeste do país”, 

explica Gustavo Maruyama Mori, professor do IB-CLP-Unesp que coordenou o estudo.

O trabalho serviu de base para o projeto ‘Avaliando adaptação, variação epigenética e dispersão para entender a resposta de mangues em um mundo em mudanças’, apoiado pela FAPESP.

Parte das coletas e análises foi realizada por Mori ainda durante o pós-doutorado na Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), em Campinas, entre 2014 e 2016, sendo um ano em estágio na Universidade Chiba, no Japão.

Cruzamento de dados 

Os propágulos são como sementes dos mangues, que resistem cerca de um ano na água salgada, doce ou salobra até encontrarem uma área onde possam germinar. Nas espécies do gênero Rhizophora, o propágulo é verde, cilíndrico e pontudo, comumente encontrado boiando no mar em qualquer praia do litoral brasileiro.

Usando modelos matemáticos de flutuação de objetos com dados de correntes oceânicas de dez anos, os pesquisadores simularam para onde iria cada propágulo que caísse no mar em 11 pontos de norte a sul do litoral brasileiro. Os pontos abrangeram de Salinópolis, no Pará, até Florianópolis, em Santa Catarina. Na simulação, ao longo do período de 2010 a 2020, cada vez que um propágulo parasse na costa considerava-se que poderia germinar.

“As populações de mangue-vermelho do Brasil estão bastante isoladas, não se comunicam. Ocasionalmente, no entanto, algum propágulo deve alcançar uma corrente oceânica que o leva para mais longe. Esses eventos de dispersão de longa distância, apesar de raros, podem ser significativos”, comenta Madeira.

A hipótese é compatível com os dados genéticos, que mostram uma conexão ancestral entre as populações, na escala de milhares de anos, mas pouca ou nenhuma em gerações recentes.

Outros fatores mais variáveis, como correntes costeiras e dispersão de pólen pelo ar, podem contribuir para a troca de material genético entre as populações, complementando essa hipótese. Porém, não há dados desses parâmetros nas populações analisadas no estudo para confirmar a afirmação.

Os pesquisadores planejam agora aplicar a mesma abordagem a mangues do mundo inteiro, desta vez cruzando as simulações oceanográficas com dados moleculares de mangues compilados por grupos de pesquisa em outras partes do planeta. A ideia é entender se os resultados encontrados no litoral brasileiro são parte de um padrão global ou apenas local.

“Uma vez que os manguezais do mundo todo são compostos por espécies de poucos gêneros, queremos testar algumas particularidades de cada um. Rhizophora, por exemplo, frutifica o ano inteiro, enquanto propágulos de Avicennia só podem ser encontrados em certas épocas. Fora isso, as correntes oceânicas variam de um ano para o outro. Essas diferenças talvez ajudem a entender como os manguezais são formados e qual a contribuição de cada fator. Queremos entender isso como todo”, encerra Mori.

O artigo ‘The role of oceanic currents in the dispersal and connectivity of the mangrove Rhizophora mangle on the Southwest Atlantic region’ pode ser lido AQUI.

*Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND, escrito por André Julião.

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