A pesquisa resultou na indicação dos genótipos mais produtivos, adaptáveis e estáveis, e dos que apresentaram ganhos superiores no índice de seleção.
Uma pesquisa avaliou e quantificou a presença de substâncias responsáveis por efeitos energéticos e antioxidantes em genótipos de plantas de guaraná. O resultado permitiu selecionar guaranazeiros com capacidade de produzir frutos com maiores teores de substâncias funcionais. Isso amplia o potencial de uso do guaraná em indústrias como a cosmética e a farmacêutica.
Nessa pesquisa, genótipos do programa de melhoramento genético do guaranazeiro conduzido pela Embrapa Amazônia Ocidental (AM), selecionados como mais produtivos, foram analisados em relação ao teor de cafeína, teobromina, teofilina, catequina e epicatequina. A maior concentração de algumas dessas substâncias nos genótipos permite classificá-los como mais energéticos, mais antioxidantes, ou com ambas as características.
O resultado faz parte da pesquisa e tese de doutorado “Divergência genética, adaptabilidade e estabilidade e ganhos de seleção para caracteres agroindustriais de genótipos de guaranazeiro”, defendida pela agrônoma Natasha Nina, com orientação do pesquisador da Embrapa André Atroch e da professora Flávia Schimpl, do Instituto Federal do Amazonas (Ifam). A tese foi defendida no âmbito do programa de pós-graduação em Agronomia Tropical da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e recebeu, em 2020, premiação na categoria de Melhor Tese do Programa de Pós-Graduação em Agronomia Tropical.
Temperatura e chuva influenciam nos teores
Os genótipos foram classificados em três grupos comerciais de acordo com os quimiotipos. Assim, no grupo de guaraná antioxidante estão a BRS Maués e mais um genótipo. No grupo guaraná energético estão três genótipos, entre eles a cultivar BRS CG-372. Para o grupo de guaraná antioxidante e energético destacaram-se três genótipos. A cultivar BRS Maués e mais um genótipo mostraram maiores teores de catequina e epicatequina. Dois genótipos destacaram-se pelos maiores teores de cafeína.
A pesquisa resultou na indicação dos genótipos mais produtivos, adaptáveis e estáveis, e dos que apresentaram ganhos superiores no índice de seleção. Além de identificar aqueles com potencial para serem lançados como futuras cultivares, também foram propostos cruzamentos para uso no programa de melhoramento genético do guaraná.
Também foi observada a influência de fatores como temperatura e chuva nas características químicas dos genótipos. “É interessante que a cultura do guaraná seja implantada em locais com temperaturas mais altas para obter maiores teores de cafeína e em locais com maiores precipitações médias anuais para alcançar teores mais altos de catequinas”, informa Nina.
Existe uma grande diversidade genética de guaranazeiros e, embora já se conheça alguns dos efeitos terapêuticos da planta, as substâncias podem se manifestar em maior ou menor grau de acordo com o genótipo que está sendo cultivado e com as características do ambiente.
“O conhecimento do comportamento do guaranazeiro em diferentes ambientes tem a finalidade de auxiliar o programa de melhoramento genético da planta na busca dos que apresentam maiores concentrações de metilxantinas e fenólicos, associados à produtividade”, explica a cientista.
Para Schimpl, coorientadora do trabalho, as informações obtidas ajudam a fortalecer a cultura. “Que o guaraná é uma planta estimulante e com o elevado teor de cafeína já era de conhecimento público, mas a quantificação de compostos antioxidantes tem sido explorada há pouco tempo, o que abre novas possibilidades de aplicações e comercialização, como por exemplo para a indústria de cosméticos e fármacos”, afirma.
Schimpl acrescenta que a Embrapa trabalha há muito tempo com o melhoramento genético do guaraná, com o foco em produtividade e resistência a doenças. Ao considerar a presença compostos e teores, a cientista acredita que o programa de melhoramento terá um importante avanço que ainda promoverá maior conhecimento das propriedades fitoquímicas da planta.
“Esse trabalho trouxe bastante informação e, mais do que isso, abriu um leque de possibilidades, desde estudos que visem compreender os eventos genéticos e bioquímicos que resultam na variação da composição encontrada nos frutos, até as alterações fitoquímicas por mudanças ambientais”, comenta a agrônoma, que atua em pesquisas em fisiologia vegetal e metabolismo secundário de plantas.
Guaraná, produto funcional
As propriedades terapêuticas do guaraná são atribuídas às metilxantinas e aos polifenóis. As metilxantinas atuam como estimuladores do sistema nervoso central e são encontradas principalmente no café, chá, cacau, além do guaraná. Já os polifenóis são grupos de moléculas que atuam como antioxidantes, ou seja, atuam na prevenção de radicais livres que oxidam as células, associados a várias doenças.
No grupo das metilxantinas estão inclusas a teofilina, a teobromina e a cafeína. Nina pontua que o guaraná é a planta conhecida com o maior teor de cafeína, apresentando mais do que o dobro da quantidade presente no café, três vezes a do chá (matéria seca), cinco vezes a da cola, seis vezes a do mate, e oito vezes a do cacau. A teofilina, teobromina e cafeína já são utilizadas na composição de alguns medicamentos para diversas finalidades.
Considerando os polifenóis, o guaraná também se destaca em relação aos demais quando se compara os teores de catequinas. A catequina encontrada nele encontrada é duas vezes a do chá, semelhante à presente na cola e dez vezes a quantidade do cacau. O teor de epicatequina é semelhante ao encontrado no chá, duas vezes ao encontrado na cola e mais de três vezes a quantidade do cacau.
Existem vários efeitos para a saúde a partir desses compostos encontrados no guaraná. Entre as principais, está a ação dos fenólicos como antioxidantes e atribuída principalmente às catequinas (catequina e epicatequina). Essas substâncias são consideradas biodisponíveis, ou seja, podem ser absorvidas e utilizadas pelo organismo humano.
Entre as propriedades antioxidantes do guaraná, indicadas com base em diversos estudos, são citados efeitos anticancerígenos, como controle do processo de metástase, redução da proliferação de células tumorais e aumento da morte de células cancerígenas por apoptose, controle do melanoma, atividade antienvelhecimento, prevenção de trombose, atividade antimicrobiana, controle de doença cardiovascular e dos níveis de colesterol total e o LDL (colesterol ruim), entre outros.
Produtividade + resistência a doenças + propriedades funcionais
Nina informa que a pesquisa é inédita não só por estudar a diversidade genética em função de caracteres agroindustriais, como também pela avaliação da função dos metabólitos de sementes do guaraná voltadas à seleção de genótipos para o melhoramento genético.
Atroch, que é o coordenador do programa de melhoramento de guaranazeiro, conta que desde o começo do programa, há mais de 30 anos, vêm sendo feitas seleções de variedades do Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de guaranazeiro da Embrapa com base na avaliação de produtividade, resistência a doenças e características vegetativas como porte da planta e descritores do fruto.
Em decorrência, o programa de melhoramento lançou nos últimos anos 18 cultivares, que apresentam maior produtividade e maior resistência genética à antracnose, principal doença que ataca a cultura no Amazonas. O pesquisador conta que, mais recentemente, ele e Firmino Filho, que também atua no melhoramento dessa cultura, passaram a buscar material genético com mais alto teor de cafeína por causa do interesse das indústrias farmacêuticas e de bebidas.
“Hoje nós procuramos aliar a resistência a doenças à produtividade de quilos de sementes por planta, além de focar no teor de cafeína nessas sementes, pois não adianta só ter alto teor de cafeína, se a produtividade for baixa”, comenta. Por isso, o trabalho da tese partiu de um grupo selecionado de genótipos de guaranazeiro escolhidos como os oito mais produtivos dentro de experimentos da Embrapa instalados em três municípios do Amazonas. “Escolhemos os oito mais produtivos para estudar mais profundamente”, explica Atroch, citando que entre os diferenciais que se destacam nesse aprofundamento está o estudo das catequinas e epicatequinas do guaraná, que atuam como antioxidantes.
Artigo
Os dados do estudo são também apresentados no artigo “Divergência fitoquímica entre genótipos de guaraná em função de caracteres agroindustriais”, publicado na Crop Science, periódico científico internacional da área de agronomia. O artigo tem autoria dos pesquisadores Natasha Nina, professora na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) no campus de Humaitá (AM); Flávia Schimpl, professora do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) no campus de Presidente Figueiredo (AM); e André Atroch e Firmino Filho, ambos pesquisadores da Embrapa Amazônia Ocidental.