Hellen Cristina Picanço Simas, pesquisadora do Estudo da Linguagem na Ufam, divulgou artigo no qual define como preconceituosa a forma com que algumas pessoas comentam as expressões faladas pela população da Região Norte.
A variação linguística regional falada pelo povo do Norte, especificamente no Amazonas, foi construída a partir do contato linguístico com as línguas indígenas da região. Tanto a língua portuguesa sofreu e sofre influência das línguas indígenas quanto às línguas indígenas receberam e ainda recebem a interferência do português.
A professora Hellen Cristina Picanço Simas, docente do curso de Comunicação Social/Jornalismo do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia da Universidade Federal do Amazonas (ICSEZ/Ufam), em Parintins, divulgou um artigo no qual define como preconceituosa a forma com que algumas pessoas comentam as expressões faladas pela população da Região Norte.
Palavras como cunhantã, curumim, pitiú, tuíra, dentre outras são exemplos da contribuição de origem indígena ao léxico do português falado pelos amazonenses. A língua frente ao contato linguístico sofre mudanças, pois é viva.
“A língua que falamos, não importando a sociedade a que pertencemos, a época, e o lugar, será sempre heterogênea, diversificada, instável, sujeita a transformações. Seria estranho se nossa língua permanecesse estável”, afirmou o linguista Marcos Bagno.
A fala amazonense, portanto, guarda, nas suas estruturas fonética, fonológica, morfológica, semântica e lexical, por exemplo, marcas deste contato linguístico. Esta fala marca a identidade amazonense.
Segundo a pesquisadora do Estudo da Linguagem, a fala do amazonense é vista por alguns brasileiros com preconceito devido a estereótipos e juízos de valor negativos associados a essa variante linguística. O preconceito linguístico ocorre quando as pessoas fazem uma classificação convencional do que é certo e errado na língua, associando a situação social do falante à variante que ele utiliza. No caso da fala amazonense, há um estereótipo de que as pessoas do Norte são selvagens, vivem no mato e não têm acesso às tecnologias, o que leva a uma associação negativa com a variante linguística.
Tal riqueza, no entanto, é vista por parte dos brasileiros com preconceito, ou seja, fazem um juízo de valor negativo sobre aquele que fala o dialeto também chamado “amazonês”, como no livro do escritor e professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Amazonas, Sérgio Freire, ‘Amazonês: expressões e termos usados no Amazonas’, chegando a terem atitudes de deboche, risos e, até mesmo, chegam a pensar que aquele que fala aquela variante é menos inteligente de quem fala outra variante prestigiada pela sociedade.
Isso é um equívoco, pois uma variante é um modo de usar a língua dentre vários outros, não significa que é errado ou uma forma inferior do uso da língua, simplesmente é um uso diferente. “A classificação meramente convencional do que é certo e errado na língua serve para classificar os indivíduos como competentes ou incapazes, e é assim que se plasma o preconceito linguístico”, afirmou o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Dante Lucchesi Ramacciotti.
Todas as variantes faladas no Brasil permitem a comunicação e são iguais, não existe uma superior a outra, o que leva as pessoas a considerarem uma melhor que a outra é a associação que fazem entre a situação social do falante e a variante que fala, ou seja, há um estereótipo de que as pessoas do Norte são selvagens, vivem no mato, não tem acesso às tecnologias. Logo, a fala dos amazonenses carrega consigo também está representação equivocada e estereótipos sobre seu povo. Estas atitudes negativas em relação à fala do amazonense se configuram como preconceito linguístico.
Este pensamento não se sustenta, porque cada língua representa a identidade de um povo, elas registram como cada povo vê e se relaciona com o mundo. “Os seres humanos adotam relacionamentos diferentes com seu meio em razão de sua sensibilidade, ou de seus respectivos modos de ver e perceber as coisas. Seu pensamento e linguagem os orientam em direção ao mundo em que vivem, e não de acordo com normas cognitivas a priori. E as variações linguísticas, portanto, também são um reflexo das diferenças nas coisas que os seres humanos percebem”, disse o linguista, antropólogo e filósofo, Ulric Ricken.
Por isso, sugere a pesquisadora, o amazonense deve se orgulhar da forma como fala o português, porque as expressões como “olha já”, “purrudo”, “pávulo”, dentre outras, são únicas e traduzem o jeito amazonense de se relacionar com as pessoas e com tudo que lhe cerca.
“Não se pode traduzir com a mesma exatidão os sentimentos nestas palavras registrados para outras expressões de outro dialeto. Elas são únicas e fazem parte da identidade do povo do Amazonas. Por isso, devemos respeitar cada modo de falar o português e, principalmente, nos orgulhar do nosso jeito amazônico de ser, viver e falar”.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Ufam, disponível aqui