Pesquisa indica exposição crônica de indígenas Munduruku ao mercúrio na região da bacia do Tapajós

Dados da Fiocruz revelam a exposição crônica de indígenas da etnia Munduruku ao metilmercúrio, ocasionada pela ingestão frequente de peixes contaminados.

Resultados de um estudo sobre a exposição de indígenas da Amazônia ao mercúrio foram apresentados no último dia 30 de outubro em Santarém, no auditório do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA). O pesquisador Paulo Basta, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgou dados que revelam a exposição crônica de indígenas da etnia Munduruku ao metilmercúrio, ocasionada pela ingestão frequente de peixes contaminados.

“Fizemos esse trabalho por demanda da Associação Indígena Pariri, que representa o povo Munduruku do médio Tapajós. Nossa intenção era produzir evidências científicas e comprovar que o problema existe, está presente na Amazônia, e não se restringe aos territórios tradicionais e às populações indígenas. Queremos mostrar que o problema é mais amplo do que parece e que todos os cidadãos que vivem na Amazônia podem ser afetados”, frisou Basta.

Mundurukus no rio Tapajós. (Foto: Bruno Kelly / Greenpeace)

Além da Fiocruz, o grupo é formado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Imperial College London, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual da Zona Oeste do Rio de Janeiro (UEZO), Instituto Evandro Chagas, Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Distrito Sanitário Especial Indígena Rio Tapajós/Secretaria Especial de Saúde Indígena (DSEI Tapajós/Sesai). Através da professora Heloísa Nascimento e do professor Gustavo Hallwass, a Universidade Federal Oeste do Pará (Ufopa) também integra a equipe.

O objetivo da pesquisa liderada por Basta era investigar o impacto à saúde humana e ao ambiente causado pela atividade garimpeira, com foco na exposição ao mercúrio. O trabalho foi realizado na Terra Indígena Sawré Muybu, de ocupação tradicional do povo Munduruku, ainda em fase de identificação e delimitação pela Funai, localizada nos municípios de Itaituba e Trairão. O Pará concentra uma das maiores reservas de ouro do Brasil e, na região da bacia do Tapajós, onde há grande confluência de terras indígenas e jazidas de ouro, há registros de atividade garimpeira desde a década de 1950.

Mercúrio no médio Tapajós

A coleta de dados ocorreu entre 29 de outubro e 9 de novembro de 2019, nas aldeias Sawré Muybu, Poxo Muybu e Sawré Aboy. Cerca de 200 pessoas participaram da pesquisa, que incluiu visitas domiciliares e entrevistas, avaliação clínico-laboratorial, coleta de amostras de cabelo (usado como biomarcador de exposição ao mercúrio), de células epiteliais da mucosa oral e coleta de amostras de peixes.

Os resultados apontam que foram detectados níveis de mercúrio nas amostras de cabelo de todos os participantes, incluindo crianças, adultos, idosos, homens e mulheres – sem exceções. Aproximadamente 6 em cada 10 (57,9%) participantes apresentaram níveis de mercúrio acima de 6μg.g-1, limite considerado seguro pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os índices mais elevados foram observados na aldeia Sawré Aboy, seguida da aldeia Poxo Muybu e Sawré Muybu. “Na aldeia Sawré Aboy, às margens do Jamanxin, um dos rios mais impactados pelo garimpo, 9 em cada 10 pessoas estão com níveis de mercúrio considerados altos”, apontou o pesquisador.

Dr. Paulo Basta, da Fiocruz, apresenta os resultados da pesquisa realizada na região do médio Tapajós para monitorar os níveis de mercúrio em indígenas Munduruku. (Foto:Divulgação/Ufopa)

Das 57 crianças que participaram do estudo, nove (15,8%) apresentaram problemas nos testes de neurodesenvolvimento. “Se nada for alterado, se continuarmos com essa expansão da mineração nos territórios na área do Tapajós, a tendência é agravar o problema e colocar em risco gerações de crianças que vão se criar nessa área sujeitas aos danos da contaminação pelo mercúrio. A Amazônia será a nova Minamata?”, questionou Basta, referindo-se ao desastre ocasionado pela contaminação por mercúrio no Japão, que fez adoecer e matou milhares de pessoas na década de 1950.

Os dados da pesquisa realizada na região do rio Tapajós foram compilados em um relatório que foi entregue às lideranças indígenas e aos representantes do MPPA e do Ministério Público Federal (MPF) presentes ao evento em Santarém. “O primeiro passo é divulgar essas informações para as autoridades de saúde pública da nossa região. Esses resultados vão subsidiar o MPPA para atuar nessa temática. Acredito que hoje foi dado um passo importante nessa luta, que não é apenas dos povos indígenas, mas uma luta do povo amazônida e da nossa região”, destacou a promotora Ione Nakamura, da 7ª Promotoria de Justiça Agrária de Santarém.

Mercúrio no alto Tapajós

O médico Erik Jennings, neurocirurgião de Santarém, também apresentou dados de uma pesquisa semelhante à liderada pelo pesquisador da Fiocruz, mas realizada na região do alto Tapajós. A diferença é que o estudo do santareno, realizado em parceria com o Laboratório de Epidemiologia Molecular (Lepimol) da Ufopa, usou o sangue como matriz de análise. Foram 109 pessoas examinadas em novembro de 2019, moradores provenientes de seis rios distintos: Cururu, Tapajós, Tropas, Cabitu, Teles Pires e Kadiriri.

O monitoramento dos níveis de mercúrio no alto Tapajós também foi solicitado pelos indígenas Munduruku. “Já desenvolvemos pesquisas de monitoramento de níveis de mercúrio, mas com foco na população ribeirinha e urbana, na região de Santarém. Dr. Erik trabalha na área de saúde indígena; então, quando ele recebeu a demanda, pediu nosso apoio. Fizemos o perfil epidemiológico e a verificação dos índices de mercúrio nas amostras de sangue coletadas. Essas dosagens foram feitas no laboratório do Prof. Ricardo Bezerra, na Ufopa, e as dosagens bioquímicas foram feitas em parceria com o laboratório da Fundação Esperança”, esclareceu a Profa. Heloísa Nascimento, coordenadora do Lepimol da Ufopa.

Das 109 amostras analisadas no estudo, apenas uma pessoa apresentou nível de mercúrio no sangue considerado normal. As outras 108 estavam com níveis acima de 10μg/L (microgramas de mercúrio por litro de sangue), índice que, segundo a OMS, enquadra o indivíduo como exposto ao mercúrio. Mais de 50% dos participantes apresentaram níveis entre 50 e 100μg/L. Além disso, os indivíduos relataram muitas queixas físicas, a maioria de ordem neurológica. O estudo conclui que os níveis monitorados estão muito acima da normalidade e que a contaminação é difusa, ou seja, atinge toda a população da região, não apenas pessoas que vivem em áreas próximas a garimpos. “Em 2020, como não conseguimos tirar riqueza do solo com respeito às pessoas e aos rios?”, questionou Erik Jennings. Cabe ressaltar que, desde 2018, o Brasil é signatário da Convenção de Minamata sobre Mercúrio, instrumento ratificado por cerca de 140 países para o controle do uso de mercúrio visando a proteger a saúde humana e o meio ambiente.

Erik Jennings apresenta os resultados do estudo feito no alto Tapajós para monitorar níveis de exposição dos indígenas Munduruku ao mercúrio. (Foto:Divulgação/Ufopa)

Recomendações

Diante dos resultados dos estudos, os pesquisadores elencaram uma série de recomendações, dentre elas a interrupção imediata das atividades garimpeiras em terras indígenas afetadas pela mineração ilegal e o desenvolvimento de um plano de descontinuidade do uso do mercúrio na mineração artesanal de ouro em todo o país. Sugerem ainda a elaboração de um Plano de Manejo de Risco (PMR) para as populações cronicamente expostas ao mercúrio e a ampliação do monitoramento nos peixes consumidos nos territórios tradicionais e nas áreas urbanas da Amazônia, com orientações à população das áreas afetadas, além da inclusão de testagem dos níveis de mercúrio na rotina dos programas de atenção pré-natal e de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Confira AQUI o relatório Impacto do Mercúrio em Áreas Protegidas e Povos da Floresta na Amazônia Oriental (PDF).

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Estudo alerta que quebra da circulação do Atlântico aumentaria risco de colapso da Amazônia

Cientistas analisaram o que aconteceu com a floresta no passado e concluíram que o mesmo pode ocorrer agora, com consequências ainda mais graves, em função do desmatamento.

Leia também

Publicidade